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2025

paz

fim da guerra. trump vendeu essa frase como se fosse um hambúrguer frio no estacionamento de um cassino. e o mundo comprou. manchetes, editoriais, comentaristas exaustos repetindo a mesma ladainha… “acordo histórico”, “vitória da diplomacia”, “nova era no oriente médio”. não era nada disso. era só o velho truque do mágico cansado… tira o lenço do bolso, distrai o público, esconde o coelho morto. trump, aquele eterno mascate de catástrofes, fez o que sempre faz pegou uma tragédia, colocou sua assinatura dourada em cima, e vendeu como milagre. o problema é que dessa vez, o preço é sangue humano.

mas o espetáculo não começou nem terminou nele. o acordo, esse teatrinho de palavras e promessas, nasceu da velha combinação de desespero, oportunismo e marketing político. de um lado, israel pressionado por meses de críticas internacionais, exausto com o peso da própria brutalidade. do outro, hamas tentando transformar sobrevivência em narrativa de vitória. entre eles, diplomatas americanos com pressa de escrever comunicados de imprensa e buscando o nobel da paz para seu líder. e no meio, a população de gaza, reduzida a estatística, empurrada pra um tipo de limbo que o mundo chama de “trégua”.

as ruas cobertas de pó, os prédios como dentes quebrados e o ar com aquele gosto de ferro e cinza. israel anunciou que as tropas recuariam “gradualmente”, o que na prática significa deixar tanques estacionados em pontos estratégicos… prontos pra avançar de novo, se algum político precisar lembrar o eleitorado de quem manda. o acordo prevê “ajuda humanitária” entrando em gaza, mas a ajuda sempre vem carimbada, chega sob escolta militar, com inspeções, atrasos e regras. cada pacote de arroz precisa de permissão. cada litro de combustível é um favor.

o mundo se comove com a troca de reféns. israelenses libertos, palestinos libertos, lágrimas televisionadas, drones filmando abraços. mas toda libertação tem bordas sombrias… por cada prisioneiro libertado, há milhares que continuam presos, sem julgamento, sem nome, sem história. e no caso palestino, a prisão se estende pra além das celas… está no bloqueio, nas fronteiras fechadas, nos céus vigiados. liberdade em gaza é sempre uma licença temporária.

o governo israelense, ainda inflado de paranoia e poder, não perdeu tempo em dizer que o cessar-fogo não significava o fim da guerra. foi como jogar um balde de água fria sobre a euforia cuidadosamente roteirizada. “manteremos o direito de agir militarmente se for necessário.” essa frase sozinha destrói qualquer ilusão de paz. porque no léxico de quem ocupa, “necessário” é uma palavra elástica, serve pra bombardear escolas, fechar hospitais, demolir casas inteiras em nome da segurança.

enquanto isso, as agências internacionais se esforçam pra parecer úteis. promessas de reconstrução surgem como ervas daninhas… cada país doador querendo fincar sua bandeira em algum projeto simbólico. o catar quer financiar estradas, a turquia quer hospitais, os estados unidos prometem milhões que nunca chegam. e todo mundo exige relatórios, planilhas, transparência, como se fosse possível medir a dor em planilhas. reconstruir gaza virou uma indústria, um negócio com prazo e margem de lucro. a guerra, como tudo, aprendeu a se monetizar.

o que realmente não mudou, o que nunca muda, é a estrutura invisível que mantém o conflito respirando. o bloqueio continua, a vigilância continua, a ocupação continua. as crianças que nasceram durante os bombardeios agora brincam entre os escombros, aprendendo a distinguir o som de drones como quem aprende o alfabeto. professores tentam dar aula em escolas sem teto. médicos improvisam cirurgias em corredores. e o mundo, com sua moral de ocasião, continua discutindo “proporcionalidade”, como se a morte pudesse ser medida em tabelas.

na televisão, especialistas falam sobre “avançar com cautela”, “construir pontes”, “renovar o diálogo”. expressões limpas, confortáveis, que não sujam a boca de quem as pronuncia. ninguém menciona o fato de que as fronteiras continuam fechadas, que a água continua contaminada, que as famílias continuam enterrando os mortos com pás emprestadas. o mundo gosta de discursos sobre paz, mas não suporta a logística dela. paz dá trabalho, exige ceder, exige memória e ninguém ali quer lembrar.

e aí está o detalhe mais cruel, o tempo. o tempo transforma tudo em costume. o horror se normaliza, o sofrimento se torna ruído de fundo. os noticiários mudam de tema, as câmeras vão embora, e o povo de gaza continua onde sempre esteve esperando, reconstruindo, desmoronando de novo. é uma coreografia repetida tantas vezes que já virou reflexo: bombardeio, cessar-fogo, reconstrução, colapso, repetição.

trump só foi o rosto mais cínico desse ciclo. a imprensa só foi o coro. o resto do mundo, inclusive quem assiste, comenta, compartilha, se indigna… é parte do mesmo teatro. porque a verdade é simples e brutal, o fim da guerra em gaza nunca aconteceu. o que houve foi uma pausa com maquiagem. o tipo de pausa que o mundo precisa pra se sentir decente antes de continuar ignorando o sofrimento alheio.

no fim, gaza segue como sempre… meio viva, meio morta, um território que o planeta inteiro usa pra testar seus limites morais. e a guerra? a guerra segue, muda de uniforme, muda de tom, mas nunca vai embora. porque a paz, pra quem lucra com o caos, é a pior ameaça de todas.

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2025

a margem virou regra

esse fim de semana foi um daqueles em que a realidade esfrega a cara da gente no asfalto quente e pergunta… “é esse o topo da evolução humana?”. vi uma mãe com três crianças, cada uma num patinete elétrico que atinge 40 km/h, rindo, filmando, postando, como se estivesse criando pequenos ídolos do consumo instantâneo. sem capacete, sem noção, sem um fiapo de consciência. liberdade, diriam. essa palavra tão bonita, que já foi bandeira de revolução e hoje serve pra justificar idiotice em praça pública. liberdade pra morrer com estilo, pra criar filhos kamikazes com autoestima alta e senso zero de perigo.

mas não foi só isso. foi a sequência. o festival de “quase”. aquele cara que estaciona o SUV em cima da placa de “proibido estacionar” porque “é rapidinho”. a mãe que deixa o filho entrar no brinquedo do parque mesmo sem ter a altura mínima porque “falta só um pouquinho”. o casal que fura fila “só pra pagar rápido”. a humanidade virou uma colônia de “só um pouquinho”. a margem virou regra. e ninguém mais enxerga o ridículo de viver assim.

queria pedir um gin, mas até isso anda perigoso. as notícias de bebida batizada me lembram que até pra afogar o tédio é preciso estratégia de sobrevivência. então fiquei aqui, sóbrio, observando a coreografia da irresponsabilidade coletiva. gente achando que ser esperto é burlar regra, que ser moderno é ignorar limite, que ser pai ou mãe é virar cúmplice do delírio dos filhos. o “não” virou palavrão. a disciplina virou opressão. o bom senso virou artigo vintage.

essa mania de achar que todo limite é um atentado à liberdade me cansa. o ser humano contemporâneo se acha iluminado, mas não é mais que uma criança grande que aprendeu a dar desculpas sofisticadas pro próprio egoísmo. estaciona errado porque tá com pressa. finge que entende de segurança infantil, mas larga a cria em cima de um ‘brinquedo’ perigoso pra ganhar uns minutos de paz. e se der errado, a culpa é do destino, do sistema, de deus, de qualquer um, menos da própria negligência.

há uma elegância quase artística no modo como a gente se sabota. o mundo tá cheio de placas dizendo “proibido estacionar”, “altura mínima”, “use capacete”. a tradução é sempre a mesma… “tenha bom senso”. mas o bom senso virou um idioma morto. o ser humano só entende quando dói. e mesmo assim, aprende mal.

a cena toda me deu uma vontade absurda de rir e chorar ao mesmo tempo. porque é tudo tão patético e tão humano. a mãe filmando o perigo achando que é felicidade. o cara que estaciona errado achando que é esperto. o pai que ignora o limite achando que é corajoso. todos tentando provar alguma coisa pra ninguém, como se o universo tivesse tempo pra aplaudir a estupidez individual.

no fundo, é só medo disfarçado de ousadia. medo de ser o adulto que diz “não”. medo de enfrentar o olhar do filho frustrado, do outro motorista irritado, da própria mediocridade. então a gente se esconde atrás da palavra “liberdade” e chama o caos de autenticidade.

o resultado é esse zoológico civilizado onde todo mundo se acha consciente e ninguém percebe que o chão tá cheio de cacos. vivemos um tempo em que o “quase” virou filosofia de vida. quase responsável, quase atento, quase decente. o problema é que “quase” nunca foi o suficiente pra manter ninguém vivo.

e no meio de tudo isso, o mais cruel é que não dá pra odiar completamente. tem um traço de humanidade nessa burrice. esse desejo desesperado de viver sem freio, de acreditar que tudo vai dar certo, mesmo quando tudo prova o contrário. é trágico e bonito. e profundamente estúpido. o resumo perfeito do que somos.

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2025

anne…

vendo tudo que aconteceu nesse final de semana nos eua, só uma coisa me veio à mente…

coisas terríveis estão acontecendo lá fora. a qualquer hora do dia ou da noite, pessoas pobres e indefesas estão sendo arrastadas para fora de suas casas. elas só podem levar uma mochila e algum dinheiro, e mesmo assim, são roubadas desses pertences no caminho. famílias são desfeitas; homens, mulheres e crianças são separados. crianças voltam da escola e descobrem que seus pais desapareceram.

anne frank, 1943.

e aqui estou eu, décadas depois, no conforto artificial do século xxi, olhando pra tela, comendo qualquer porcaria que finjo chamar de jantar, e pensando nisso como se fosse uma legenda poética em meio ao apocalipse. a diferença é que agora temos wi-fi e delivery de sushi, e o horror vem em alta definição, direto na sua timeline, embalado num formato fácil de digerir entre um story e outro. a mesma brutalidade, só que agora com filtro de instagram e legenda em fonte cursiva… “rezando por todos”.

anne falava de nazistas. a gente fala de “forças de segurança”. chamamos de “operações”, “deportações”, “defesa de fronteiras”, e dormimos tranquilos porque trocamos a suástica por uma bandeira nova e um discurso mais bem ensaiado. é a velha crueldade. ninguém mais precisa levantar a voz ou marchar em formação… basta clicar, votar, curtir, e o trabalho sujo acontece por nós.

fico me perguntando se, lá do esconderijo dela, anne teria acreditado que o futuro seria isso… um planeta cheio de gente informada, indignada, articulada, e completamente impotente. gente que sabe de tudo em tempo real, mas que não se levanta nem da cadeira. que vê vídeos de crianças sendo arrancadas dos pais, comenta “que absurdo” e logo em seguida abre o aplicativo de comida. o estômago humano é uma maravilha, cabe o jantar e o horror no mesmo espaço.

a verdade é que o mundo não ficou mais cruel. ele só ficou mais eficiente. o ódio agora é automatizado, terceirizado, burocratizado. não precisa mais de monstros berrando em praças públicas, basta um formulário, um drone, uma desculpa qualquer. o resultado é o mesmo… corpos desaparecendo, vozes caladas, e um silêncio conveniente cobrindo tudo.

e nós, os espectadores morais, nos consolamos com palavras bonitas. dizemos “nunca mais” como se fosse um mantra, mas o que realmente queremos dizer é “só não aqui, só não comigo”. porque é fácil sentir compaixão quando a dor tem legenda e tradução. difícil é olhar pro espelho e admitir que a gente vive num sistema que precisa do sofrimento alheio pra continuar funcionando.

anne escrevia sobre esperança, porque era a única coisa que ela tinha. eu, sinceramente, não sei mais o que escrever. talvez esperança hoje seja um luxo para quem ainda acredita em narrativas de redenção. eu só vejo um looping grotesco, uma humanidade que se acha melhor que seus antepassados porque tem carros elétricos e podcasts, mas continua fazendo fila de refugiados, separando crianças de pais, batendo continência pra covardes de terno.

e o mais perverso é que tudo isso parece perfeitamente normal. o horror virou ruído de fundo. enquanto anne se escondia com medo de passos na escada, a gente vive escondido atrás de telas, com medo de perder o sinal. talvez o grande progresso da humanidade seja esse, aprendemos a ignorar o sofrimento com eficiência digital.

anne, você estava certa. coisas terríveis estão acontecendo lá fora. só que agora elas acontecem com comentários, estatísticas e patrocínio. e a gente assiste tudo com a mesma expressão entediada de quem espera o próximo episódio.

o problema nunca foi a escuridão. o problema é que aprendemos a ver no escuro e gostamos da vista.

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2025

só um minutinho

esse pessoal de colete laranja ou marrom são tipo pop-up de internet nos anos 2000. lembra? você tá de boas, lendo uma coisa qualquer, e do nada aparecia uma janela piscando… “você foi o milionésimo visitante! clique aqui!”. pronto. eles são isso, só que em versão ambulante, suada, com crachá e um sorriso que parece que foi instalado na cara deles à força, tipo software pirata.

e tem toda a encenação, a abordagem é sempre uma tentativa de stand-up falido. “oi, você gosta de sorrir?”, “ei, tem um minutinho pra mudar o mundo?”, ou o clássico “você se importa com crianças?”. parece piada, mas não é. é marketing com o uniforme do bem. é fast-food da solidariedade… barato, rápido, automático e servido em débito recorrente. você não adota uma causa, você assina um plano. como se fosse netflix, mas sem série boa.

e o ridículo é que eles se fantasiam de heróis de rua. colete, prancheta, crachá balançando. parecem recrutas de um exército do bem, só que em vez de salvar a galáxia, estão tentando arrancar o número do seu cartão de crédito na porta do shopping. distopia urbana não é cyberpunk com neon e samurais digitais. é fila de semáforos humanos vendendo consciência social na calçada.

e todo mundo que passa por eles já tem a resposta pronta, como se fosse um mantra automático. “tô com pressa”. é quase um reflexo, como puxar a mão quando encosta no fogo. e eu juro, é engraçado, porque a maioria dessas pessoas não tem pressa de nada. tão indo pro café, pro rolê, pro nada. mas soltam esse “tô com pressa” com a seriedade de quem acabou de ser chamado pra uma reunião urgente na onu.

eu, sinceramente, não consigo usar esse “tô com pressa”. eu não sou bom nisso. eu acabo soltando outra coisa, mais no improviso. tipo… “olha, irmão, minha pressa é de chegar em casa e tentar lembrar onde deixei minha dignidade. se eu achar, eu te aviso e talvez a gente conversa.”
ou então… “cara, se eu parar agora, vou perder o capítulo da novela da minha vida, que é eu tentando atravessar essa rua sem ser sugado por débito automático. spoiler: eu nunca consigo.”
às vezes até mando um mais simpático… “ó, eu até ajudava, mas no momento minha maior ong é a padaria da esquina, porque se eu não pagar fiado hoje, amanhã não tem pão.”

não é que eu seja contra as baleias, as crianças ou as florestas. longe disso. só que a rua não é um telemarketing a céu aberto. eu não quero negociar minha culpa social entre uma esquina e outra. eu quero andar, ouvir música, pensar na vida, sem precisar rejeitar a cada três metros alguém vestido de semáforo ambulante.

porque a verdade é essa, ajudar o mundo não deveria parecer tanto com um vendedor de plano de internet me perseguindo no meio da calçada. mas parece. e todo santo dia a rua vira call center, com script, meta, kpi, sorriso ensaiado. e você ali, fingindo que tá atendendo um telefonema imaginário só pra escapar da sabatina moral.

eles querem que eu compre um passe mensal pra aliviar a culpa existencial. eu só quero atravessar a rua em paz.

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2025

simulacro

eu olho pro mundo e a sensação é de estar preso num aeroporto internacional em pane… vozes metálicas repetindo anúncios sem sentido, filas que não andam, gente andando em círculos com a mesma expressão de cansaço e desorientação. cada portão leva ao mesmo lugar, um futuro sequestrado por gente que aprendeu a embrulhar ódio em papel de presente patriótico. e o mais irritante é que todo mundo achava que estava imune, como se a história fosse vacina. “nunca mais”, repetiram por décadas, como quem repete reza de proteção. mas aí veio o fascismo remixado, com hashtags, planilhas, powerpoints e sorrisos treinados, e o mundo inteiro caiu como principiante.

porque o truque foi sempre o mesmo, não entrar pela porta da frente, mas pelos atalhos invisíveis. não chegar de tanque, mas pelo feed. não com gritos e multidões uniformizadas, mas com memes virais e discursos embalados em tom paternal. e nós, ocupados demais com o preço do café, com a novela política da semana, com a guerra transmitida ao vivo como campeonato de futebol, nem percebemos que já estávamos dentro do cercado. quando a comédia sumiu das telas, quando o sarcasmo virou ameaça, quando a dúvida passou a ser tratada como crime, o palco já estava tomado.

nos eua, a peça ganhou uma versão trágico-burocrática, o país que jurava ser o guardião da liberdade agora terceiriza censura como se fosse serviço de entrega. não precisou de decreto explícito, bastou uma sequência de silêncios obrigatórios. humoristas cortados, jornalistas calados, universidades convertidas em fiscais de si mesmas. tudo justificado como medida de ordem, como se fosse natural que a crítica fosse apagada em nome da estabilidade. é um autoritarismo higienizado, servido em copo de plástico transparente… parece água, mas é veneno.

no brasil, a estética é outra, a farsa tropical. não se cala a voz pela força bruta, mas pela gambiarra legislativa. cada “pec” é apresentada como correção, mas funciona como mutação genética da constituição até ela virar um monstro obediente. e no meio disso, a blindagem completa… políticos que nunca caem, criminosos que nunca pagam, julgamentos que nunca terminam. aqui, a impunidade não é acidente, é indústria. a engrenagem gira a serviço de proteger os mesmos rostos, as mesmas famílias, as mesmas castas. e a população, anestesiada, assiste como quem acompanha novela, já sabe o final, mas continua vendo.

enquanto isso, o resto do planeta se incendeia. guerras fabricadas, conflitos reciclados, massacres televisionados com a mesma naturalidade de reality show. cidades viram ruínas em nome de causas que até os combatentes já esqueceram. crianças enterradas sob escombros viram estatística. refugiados se amontoam em fronteiras como números descartáveis. os governos vendem armas de manhã e discursos de paz à tarde. e ninguém se envergonha, a guerra é negócio, espetáculo, cortina de fumaça conveniente para regimes que se sustentam no caos.

e o mais insuportável é perceber como tudo isso se conecta. não são tragédias isoladas, são partes de uma mesma coreografia. o ataque à liberdade de expressão nos eua, as manobras constitucionais no brasil, as guerras intermináveis que transformam populações inteiras em pó, tudo responde à mesma lógica. desgastar, cansar, exaurir. não é preciso convencer, basta sufocar. não é preciso impor fé, basta impor fadiga. e assim, cada um se adapta ao novo normal… o riso proibido, a corrupção naturalizada, a guerra banalizada.

as instituições, em todos os lugares, repetem o mesmo ato patético, juram neutralidade enquanto carimbam documentos que sustentam o autoritarismo. universidades se tornam cúmplices. tribunais se tornam teatros. parlamentos se tornam balcões de negócios. e a imprensa, quando não é amordaçada, amordaça a si mesma. o fascismo entendeu melhor do que ninguém que não precisa destruir tudo, basta corromper o suficiente para que as próprias engrenagens façam o serviço.

e o que não percebemos é que a rotina é a arma mais sutil. supermercados continuam abertos, ônibus continuam atrasados, crianças continuam indo à escola. o mundo parece girar normalmente. mas é uma normalidade podre, de cenário de parque abandonado pintado às pressas. a ferrugem range, mas a tinta engana. e nós preferimos acreditar na tinta, porque encarar a ferrugem exigiria esforço. o conforto do autoengano é mais barato.

eu vejo esse planeta como um hospital imenso e mal iluminado. cada país é uma ala diferente, mas o cheiro de desinfetante vencido é o mesmo. nos corredores, pacientes esperando diagnósticos que já sabem… autoritarismo crônico, covardia institucional, resignação em estado terminal. em uma ala, jovens silenciados por algoritmos. em outra, políticos blindados por leis feitas sob medida. em outra, populações inteiras tratadas como descartáveis em guerras que nunca acabam. todos sentados, olhando pro chão, repetindo… “pelo menos ainda não é comigo”. mas já é. sempre foi.

e ainda assim, seguimos fingindo. fingindo que a democracia é sólida, que as instituições são firmes, que o mundo aprendeu com a história. fingindo que liberdade de expressão ainda existe quando já está em coma induzido. fingindo que justiça é possível quando a constituição é dobrada até virar origami decorativo. fingindo que a paz é viável quando a guerra é lucrativa demais pra acabar. o teatro global segue em cartaz, com atores ruins, plateia treinada e holofotes iluminando o vazio.

não é que o fascismo tenha voltado. é que ele nunca foi embora. trocou de roupa, ajustou o tom de voz, aprendeu a usar rede social. em vez de botas, tiktok. em vez de gritos, lives. em vez de prisões em massa, exclusões discretas. e nós, tão convencidos da nossa esperteza, batemos palma no tempo certo, como cães adestrados.

a tragédia não é o autoritarismo em si. é a nossa capacidade infinita de acostumar. acostumar com a liberdade sequestrada. acostumar com a impunidade como regra. acostumar com a guerra como paisagem. acostumar com o silêncio como prova de inteligência. acostumar até não restar nada além do hábito de sobreviver. porque no fim, o fascismo não precisa nos vencer… basta nos cansar. e nisso, ele já venceu. será?

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2025

o que você quer ser quando crescer?

imagina a cena… uma criança de seis anos, camiseta do homem-aranha suja de sorvete, cabelo grudado de suor, sendo encarada por um adulto que acha que está fazendo uma pergunta profunda, quase existencial, quando na verdade está só despejando sobre ela a mais entediante e burocrática das expectativas humanas: “o que você quer ser quando crescer?”. como se a criança tivesse a obrigação de parar de chupar o picolé, largar o lego e soltar um power point com metas, prazos e carreira definida. sério, é como pedir para um gato escolher o próximo ministro da economia (ok isso já acontece). a criança deveria, no máximo, responder: “pirata espacial” ou “dona de um castelo inflável” mas não, a gente quer respostas sérias, consistentes, “realistas”.

e a pergunta nunca é sobre quem a criança quer ser, mas sobre o que ela vai fazer para pagar contas, agradar os pais e se enquadrar no carnaval corporativo. ninguém pergunta se ela quer ser alguém curioso, engraçado, leal, ou só um sujeito que sabe fazer um belo arroz com feijão. não, o que interessa é em qual prateleira do supermercado humano ela vai se encaixar. médico, advogado, engenheiro, influencer e o sorriso de aprovação vem sempre do adulto, nunca da criança. é como se a infância fosse um estágio probatório para a vida adulta, e já fosse preciso definir desde cedo qual será a marca da coleira.

aos vinte, a maioria ainda acredita em meritocracia e acorda cedo para trabalhar em empregos miseráveis, convencida de que isso é uma fase. aos trinta, descobre que a fase é permanente. aos quarenta, se der sorte, já foi demitido, já fracassou, já errou feio o bastante para perceber que o manual de instruções não existe e que ninguém nunca soube exatamente o que estava fazendo. é aí, e só aí, que a pergunta faz algum sentido. antes, é só sadismo travestido de curiosidade.

porque a vida não é linear, não é o joguinho de tabuleiro com casinhas numeradas onde no final você chega em “sucesso profissional” e ganha uma plaquinha de funcionário do mês. a vida é mais tipo um bar sujo às três da manhã… você entra achando que vai tomar uma cerveja, sai com um cigarro barato no bolso, cheiro de fritura impregnado na roupa e uma história que talvez faça sentido só daqui a dez anos. e tudo bem.

se for para perguntar alguma coisa para uma criança, que seja “qual o gosto do céu azul?” ou “quantos dinossauros cabem dentro de um sonho?”. perguntas que não têm resposta, mas têm graça. o que ela quer ser quando crescer? quem se importa. ela vai descobrir tropeçando, quebrando a cara, mudando de ideia cinquenta vezes e, com sorte, rindo disso tudo mais tarde. crescer não é um destino, é um acidente de percurso. e é justamente por isso que ninguém nunca sabe o que está fazendo.

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2025

ny

nova york é o palco onde até o trump vira só mais um ator decadente tentando roubar cena. sim, ele é o produto tóxico mais óbvio que essa cidade já exportou, mas também é a prova viva de que aqui tudo é amplificado, distorcido, remixado até virar tendência global. trump é reality show em forma humana, e nova york sempre foi isso… o lugar onde a realidade não basta, precisa virar espetáculo.

quer entender o comportamento humano? vem pra cá. esquece estudos de mercado, relatórios de tendências, slides em power point. pega o metrô às seis da tarde. em um vagão, você vê a influencer de 19 anos que vai ditar moda no tiktok enquanto o executivo com rolex ensaia crise de pânico em silêncio. no outro, um pregador anuncia o apocalipse enquanto um imigrante do uzbequistão equilibra três sacolas de delivery e ainda acha tempo pra responder mensagem no whatsapp. esse é o manual não-oficial do futuro.

ninguém diz isso em voz alta, mas nova york é o único lugar do mundo onde todas as versões possíveis da humanidade convivem sem pedir licença. aqui o capitalismo mais voraz anda de mãos dadas com o ativismo mais radical. o rabino, o drag queen e o jogador de basquete adolescente dividem a mesma calçada e nenhum deles se impressiona com o outro. porque em nova york nada choca. e é justamente por isso que daqui saem os choques que o resto do planeta vai sentir anos depois.

os restaurantes não são só restaurantes… são laboratórios de comportamento. o cara que abre um buraco vendendo noodles em chinatown sem se importar com estrelas michelin pode, sem querer, ditar a próxima obsessão gastronômica do planeta. a moda não nasce nas passarelas, mas nos thrift shops de brooklyn, no jeito que um adolescente caribenho dobra a barra da calça antes de sair de casa. até as discussões sobre identidade, gênero, raça, política tudo ganha corpo aqui primeiro, na prática, na rua, sem mediação acadêmica.

trump tentou sequestrar esse espírito, transformar a cidade em caricatura dele mesmo. mas nova york não se curva a messias. ela engole, digere e caga de volta, em versão meme, piada de stand-up, protesto na rua, camiseta vendida por 30 dólares em soho.

é por isso que eu digo, nova york é o melhor lugar do mundo pra entender comportamento. porque ela não esconde nada, não pede desculpa, não dá tempo pra racionalizar. ela te joga no ringue, te obriga a observar, e no fim, você sai marcado.

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2025

não caia nessa

cara, toda vez que alguém me fala que achou “um programa de salvação pessoal” por módicos 30 mil, em até 12 suaves prestações sem juros, eu sinto uma vontade de gargalhar tão alto que incomodaria até os monges tibetanos. porque, convenhamos, isso não é religião, não é filosofia, não é transcendência… é telemarketing. é netshoes da alma. é a polishop do vazio existencial. e o pior, o script é sempre o mesmo, um sorriso de porcelana, um powerpoint cheio de palavras mágicas tipo “cura”, “abundância”, “prosperidade” e a grande promessa… “em doze encontros você vai descobrir o segredo que gurus milenares esconderam”. puta merda. se o segredo milenar cabe num pix, não é segredo. é carnê da casa bahia.

e eu fico me perguntando, que espécie de “iluminação” é essa que precisa de maquininha de cartão? tipo, o cara te olha nos olhos e diz que vai te libertar do ego, mas antes precisa passar teu limite do visa platinum. sério, se buda tivesse cobrado 30k em 12x pra ensinar o caminho do meio, ainda estaríamos todos reencarnando como hamster. imagina jesus na última ceia oferecendo a eucaristia em 10 vezes sem juros pelo pagseguro? a humanidade teria desistido de nascer de novo.

e a cereja do bolo… essa galera vende “salvação premium” com bônus. bônus, cara. “se fechar hoje, além da iluminação, você leva um pdf com 10 frases transformacionais e acesso exclusivo ao grupo vip do whatsapp”. é a black friday do nirvana. se a existência é mesmo um grande vazio, esses caras são os camelôs da beira dele, gritando na sua cara que só hoje a transcendência tá pela metade do preço.

pra mim, isso é pornografia espiritual, pega tua dor, tua vontade de fazer sentido, e transforma em produto escalável. é a mesma lógica da academia que promete abdômen em três semanas, só que com incenso e mantra em 432hz. e no fundo, todo mundo sabe. mas ainda assim pagam. porque dói menos pagar 30k e se sentir “no caminho da cura” do que encarar que a vida é um caos sem manual, e que ninguém tem controle de porra nenhuma.

quer salvação? vai beber cachaça ruim numa mesa de boteco e ouvir o taxista te contando como foi largado pela terceira esposa. vai dormir em hostel fedendo a mofo em algum lugar onde você não entende a placa do banheiro. vai comer comida de rua duvidosa e passar uma noite inteira rezando pra não morrer de diarreia. isso, sim, te ensina humildade, te coloca no lugar. salvação não é powerpoint nem parcelamento. salvação é entender que o mundo é uma bagunça sem promessa de final feliz.

se você tá pagando 30 mil em 12 vezes sem juros, você não comprou salvação. você só comprou a versão espiritual de um rolex falso comprado em camelô… brilha na foto, mas basta olhar de perto que é plástico pintado.

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2025

simplesmente assim

às vezes eu fico pensando que a gente inventou uma complicação absurda pra algo que, no fundo, é tão simples quanto respirar. viver virou esse projeto de engenharia, cheio de planilhas emocionais, gráficos de produtividade e frases motivacionais pregadas na geladeira como se fossem a chave de uma caverna secreta. e eu olho pra isso tudo e penso… porra, sério? será que a gente esqueceu como é só estar presente, sentir o agora sem precisar embrulhar em papel dourado?

eu me sinto meio louco porque eu gosto das coisas cruas, sem filtro. gosto de olhar pro céu sem transformar em legenda de instagram, gosto de ouvir o barulho do vento como se fosse uma canção suja, gosto de ver a água do café esfriando só pra perceber que o tempo passou e eu estava ali, inteiro, vivendo aquele instante microscópico que não volta nunca mais. não preciso transformar isso em lição de vida, em workshop, em filosofia de almanaque. eu só quero o gosto do momento.

o problema é que parece que a humanidade tem pavor do silêncio. silêncio incomoda, porque nele não tem aplauso, não tem distração, não tem justificativa. então a solução que inventaram foi poluir a vida com barulho… barulho de notificações, barulho de metas, barulho de pensamentos que repetem como discos arranhados. todo mundo se entupindo de tarefas, de objetivos, de sentido comprado em embalagem plástica, como se isso fosse salvar do vazio. mas o vazio não é o inimigo. o vazio é só o lembrete de que a vida não precisa ser um espetáculo.

eu acho engraçado ver como todo mundo corre atrás de respostas como se fossem medalhas olímpicas. querem saber o propósito, o destino, a explicação final, como se estivessem num jogo que precisa de final boss. e eu, na minha suposta loucura, prefiro aceitar que não tem final boss nenhum. é só andar, sentir, provar, rir e chorar. é viver o presente com a intensidade de quem sabe que não vai ter reprise. porque não vai. e quanto mais cedo a gente engole essa verdade, mais leve fica.

eu vejo essa obsessão moderna de “buscar sentido” como uma piada ruim. é como pedir pro cozinheiro explicar cada ingrediente do prato em vez de simplesmente comer. a vida não precisa ser decifrada, precisa ser devorada. de boca cheia, sem etiqueta, sem manual. quando você para de buscar o “sentido”, ele aparece sozinho. não como revelação divina, mas como um gole de coca zero gelada num dia quente. simples, direta, sem discurso.

talvez eu seja louco porque acho que a beleza tá justamente no óbvio, estar aqui. agora. nesse segundo que não vai voltar. sem prometer nada, sem garantir nada, sem precisar ser “útil”. e eu rio quando vejo como as pessoas se torturam pra transformar a vida numa tese acadêmica, enquanto ignoram o fato de que a maior riqueza é sentir a própria respiração, o gosto de um tomate bem maduro, o cheiro da rua depois da chuva. coisas que não cabem em livros de autoajuda, mas que carregam mais sentido do que qualquer merda escrita por um coach.

eu não quero respostas, não quero mapas, não quero porta de saída dourada. eu quero o agora, cru, imperfeito, sem propaganda. quero a lucidez de saber que tudo pode acabar a qualquer momento e que é justamente essa finitude que torna cada instante precioso. e no fim, se isso é loucura, então que me internem… desde que me deixem levar o silêncio, o sarcasmo e um prato de comida honesta. porque, sinceramente, nada mais faz sentido do que simplesmente viver.

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2025

moisés seria influencer?

acabei de ver um vídeo do primo rico… sim, ele mesmo, o messias das planilhas, o profeta do excel, o homem que descobriu que dá pra transformar powerpoint em tábua sagrada. o cara estava num podcast, diante das pirâmides, aquele cenário que já por si só grita “megalomania”, e teve a ousadia de se comparar com a cultura de moisés. moisés, o sujeito que abriu o mar vermelho com fé e coragem… e ele, o sujeito que abriu uma plataforma de cursos com gatilho mental e boleto parcelado em doze vezes sem juros.

e ali, entre um discurso e outro, percebi… não estamos falando de empreendedorismo. estamos diante de uma espécie de religião fast-food. uma liturgia de instagram, com dogmas de copywriting e milagres em forma de gráfico de pizza. o cara fala como se tivesse recebido as revelações do monte sinai, mas na verdade foi só um e-mail do hotmart confirmando a venda de mais um curso.

a cena é patética e fascinante ao mesmo tempo. porque é isso… ele não quer ser moisés, quer ser faraó. sentado diante da pirâmide, com a aura de alguém que não guia o povo à liberdade, mas os conduz até o carrinho de compras. moisés tinha dez mandamentos, ele tem dez módulos, mais um bônus exclusivo se você comprar agora.

imagina o estudo científico disso. “síndrome do empreendedor messiânico: uma análise neuropsicológica da auto-estima tóxica em ambientes arenosos”. metodologia… colocar dez influenciadores diante de monumentos históricos e ver em quanto tempo eles se comparam a figuras bíblicas. resultado… em média, três minutos e meio. e não dá nem pra culpar a vaidade pura, é marketing. é sempre marketing. porque se ele tivesse citado zezinho da padaria da esquina, não teria o mesmo efeito. mas moisés, ah, moisés dá um cheiro de eternidade, de destino, de mito. e é exatamente esse mito que ele tá vendendo, não só a promessa de riqueza, mas a sensação de estar participando de algo épico, digno de livro sagrado.

e a plateia? engole. acredita. compartilha com hashtags tipo #mindset #fé #libertaçãofinanceira. não veem que estão apenas carregando tijolos invisíveis, ajudando a erguer a pirâmide do ego alheio. e o que recebem em troca? frases motivacionais recicladas, uma comunidade de telegram e aquele doce veneno de acreditar que estão no caminho certo.

a verdade é que todo coach sonha ser profeta. mas o primo rico deu um passo além, ele já se imagina personagem bíblico, com direito a cenografia. só falta agora um êxodo de seguidores atravessando o deserto do cartão de crédito até a terra prometida do pix caindo na conta.

e eu fico pensando… se moisés tivesse feito isso hoje, será que teria virado influencer também? será que o mar vermelho teria um patrocinador? “esta abertura é um oferecimento de xp investimentos”. porque é exatamente isso, um teatro de fé terceirizada, onde o deserto é só um funil de vendas e a libertação vem em forma de e-book gratuito.

no fim, não tem revelação. não tem êxodo. não tem promessa cumprida. só tem a repetição eterna de um ciclo, o messias sobe a montanha, desce com slides novos, e o povo paga ingresso pra ouvir. e tudo isso em frente às pirâmides, o símbolo máximo de que a humanidade sempre foi ótima em construir monumentos gigantescos à custa da ingenuidade coletiva.