
acordo e não sei mais se dormi bem. não porque meu corpo não me diz, mas porque eu nem escuto. em vez de sentir, eu confiro. abro o celular e lá está… a sentença sobre minha noite. “sono profundo: 2h14min.” quem diabos se importa? aparentemente eu. porque se a tela me diz que foi ruim, pronto… é ruim. mesmo que eu tenha acordado inteiro, descansado. já não basta estar vivo, é preciso estar validado.
e não para por aí. eu não fico mais estressado, eu sou informado de que estou estressado. não relaxo, eu recebo uma notificação de que “meus níveis de estresse caíram 7%”. como se eu fosse uma bolsa de valores. como se eu fosse incapaz de simplesmente saber, sentir, intuir. é um sequestro sofisticado, cheio de gráficos bonitos. o sequestro da minha própria percepção.
antes, eu acordava fodido, tomava um café, xingava o despertador e seguia. agora, acordo fodido, olho a tela, e ganho um selo dourado dizendo “parabéns, você atingiu 85% de eficiência no sono”. e isso deveria me consolar? na verdade, me irrita ainda mais. porque a vida não é uma planilha. e no entanto, estamos todos presos nessa ilusão de que dá pra transformar o caos humano em números limpos, controlados, amigáveis.
o problema é que quando você acredita mais no app do que em você mesmo, você não vive mais a experiência, você a terceiriza. você delega o prazer de estar cansado, de estar relaxado, de estar ansioso, a um dispositivo que te devolve esses estados em forma de notificação. e o pior… você agradece. aperta o coraçãozinho. compartilha o gráfico. como se ter dormido fosse algum tipo de performance digna de aplauso.
no fundo, é uma piada cruel. essa obsessão em medir saúde não deixa ninguém mais saudável. deixa só mais ansioso, mais dependente, mais desconectado do corpo que você carrega todo santo dia. você não acorda mais e pensa “dormi bem”. você acorda e pensa “deixa eu ver se o gráfico deixa eu acreditar que dormi bem”. e isso, meu amigo, é a verdadeira insônia.