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2025

meu estúdio

meu estúdio? ele não é um espaço fixo, não é um templo sagrado da criatividade com mesa de carvalho e luz natural filtrada por uma samambaia estrategicamente posicionada. ele é instável. mutante. um organismo vivo em plena crise de identidade e essa é justamente a graça. ele muda. muda o tempo todo. porque o que não muda, morre. e eu não tô aqui pra enterrar ideia nenhuma antes da hora.

é um lugar onde nada é fixo. nem a mesa, nem a rotina, nem o humor. onde a única certeza é que tudo pode e provavelmente vai virar outra coisa. hoje é um canto pra escrever, amanhã é ateliê, depois de amanhã é pista de corrida oficial da escuderia hot wheels, devidamente homologada pelo meu cofundador de 4 anos. o cara entra no estúdio como se fosse dono da porra toda, carregando uma frota inteira de carrinhos e uma convicção absoluta de que o espaço também é dele. e é mesmo.

a gente divide esse território como dois artistas dividindo uma tela… um risca com carrinhos, o outro com ideias. e às vezes os riscos se misturam e ficam melhores assim. ele me lembra, todos os dias, que criar é brincar. que o processo não tem que seguir lógica adulta. que movimento é regra. o estúdio se desmonta e se remonta com a naturalidade de quem sabe que a melhor coisa que já fez ainda nem foi feita.

não é sobre bagunça, é sobre liberdade. sobre permitir que o espaço acompanhe o ritmo interno das ideias, dos impulsos, das birras criativas. é sobre não se apegar nem ao que funciona, porque até o que funciona, uma hora, cansa. e quando cansa, a gente muda. move a mesa, derruba as certezas, começa de novo.

esse estúdio é meu espelho. torto, sim. mas honesto. e vivo. muito vivo.

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2025

troquei o apple watch pelo ouraring

eu chutei o apple watch da minha vida como quem dá descarga num sanduíche de posto de gasolina esquecido no porta-luvas. não foi por birra, nem por estética, nem por algum insight transcendental sobre o equilíbrio entre homem e máquina. foi por vergonha.

vergonha de ter deixado uma pulseira com crise de identidade mandar mais em mim do que eu mesmo. o apple watch é aquele tipo de tecnologia que grita “olha pra mim!” o tempo todo, como se eu tivesse pedido pra viver com um adolescente narcisista amarrado no pulso. ele quer te lembrar que você tá vivo, mas faz isso do jeito mais desesperado possível… vibrando, mandando corações, te avisando que você tá sentado há muito tempo, como se levantar fosse um ato de heroísmo digno de oscar.

“você ainda pode fechar seus anéis hoje!” meu amigo, se eu quiser anel, eu vou na feira do ouro. o que eu queria era paz. silêncio. respeito. e foi aí que o oura ring apareceu, como um serial killer educado… sem fazer barulho, sem pedir licença, sem te oferecer parabéns por respirar fundo.

o oura não tenta ser seu melhor amigo.
não vibra, não acende, não dá show.
ele te observa dormindo. mede tua alma. anota teus vícios. te entrega tudo na manhã seguinte como se fosse uma autópsia precoce. e o melhor… não julga.

porque ele sabe que julgar é trabalho seu.

ele só mostra o cadáver.

a diferença entre os dois é simples, o apple watch é aquele cara no happy hour da firma que fala alto, toma conta da conversa, interrompe todo mundo e no fim ainda te manda uma notificação. o oura ring é o cara calado no canto do bar. não fala nada. mas sabe que você tá mentindo quando diz que dormiu bem.

eu cansei de usar um aparelho que parecia estar mais preocupado com a minha performance social do que com a minha biologia real. o apple watch quer ser tudo… treinador, guru, conselheiro, stylist, dj. é o canivete suíço dos ansiosos.

o oura ring? ele só quer saber se você vai desmaiar ou não.

ele não me manda levantar. não me elogia. não me cobra. ele me trata como um adulto com um corpo cansado e um cérebro funcionando no modo avião. e isso, hoje em dia, já é mais empatia do que metade da humanidade consegue oferecer.

no final, o apple watch é uma festa com muita luz e pouca comida. o oura ring é um bisturi esquecido numa bandeja de inox. e eu sou o cara que cansou da festa. e aprendeu a amar o corte.

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2025

24 horas

eu já fui aquele idiota que achava que precisava responder tudo. toda cutucada, toda pergunta, todo comentário idiota. a pessoa falava, eu respondia. um estalo, uma frase. reação em tempo real, feito pop-up de site mal feito. como se minha honra, meu cérebro e meu lugar no mundo estivessem o tempo todo em jogo num debate imaginário.

mas aí o tempo passou, esse filho da puta irônico, debochado, cheio de truques. e eu fui ficando mais velho, mais cínico, mais perigoso. aprendi a olhar pra provocação como quem vê um pombo tentar jogar xadrez… faz barulho, caga no tabuleiro e acha que venceu. e eu? eu espero.

24 horas. não porque sou um monge ou um diplomata da ONU. mas porque descobri que é nesse intervalo que mora o poder. é ali, entre a vontade de explodir e a decisão de não dizer nada, que nasce a verdadeira superioridade.

não é sobre ser frio, é sobre ser letal. porque se eu respondo na hora, sou só mais um animal reagindo ao choque. agora, se eu espero… se eu deixo cozinhar em fogo lento… aí sim, quando falo, é como um bisturi. sem grito, sem espuma na boca. só uma frase. certeira. cirúrgica. e geralmente fatal.

nessas 24 horas eu penso. às vezes, só por esporte. penso se vale a pena, se tem graça, se merece o meu texto. e quase sempre, a resposta é não. porque eu poderia falar o que penso… e seria lindo, brutal, sincero, mas aprendi que o que precisa ser dito, quando dito do jeito certo, na hora certa, tem um impacto que nenhuma reação impulsiva vai alcançar.

porque às vezes, a resposta mais elegante é justamente não oferecer nenhuma. deixar que o silêncio grite por você, bem alto, bem claro, e sem errar o alvo.

e é nesse ponto, exatamente aí, que tudo muda. porque quando você se dá o luxo de esperar, de não morder a isca, de não correr atrás da última palavra, você percebe que a maioria das coisas que te tiravam do sério… simplesmente evapora. morre na praia. perde o sentido.

e o que sobra? sobra você, intacto. com o fígado no lugar, com a língua afiada ainda no coldre, pronto pra quando realmente for necessário. porque o mundo já tem gente demais vivendo no modo resposta automática.

eu escolhi esse caminho, aprendi a arte de não reagir. e, meus amigos, poucas coisas são mais perigosas do que isso.

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2025

relógio

tem uma idade na vida, não cronológica, mas interna, em que você começa a prestar atenção nas coisas que não fazem barulho. já não se impressiona tanto com brilho, com função, com novidade. você começa a reparar no silêncio entre as frases. nos gestos. nas pausas. no peso. e relógio mecânico é isso, uma pausa que você carrega no pulso.

eu gosto de relógios mecânicos porque eles não tentam ser nada além do que são. eles não querem cuidar da sua saúde. não querem contar seus passos, nem te lembrar que você deveria estar meditando. não estão interessados na sua agenda, nem vão vibrar no meio da reunião pra avisar que chegou mais um e-mail idiota que você vai fingir que leu. um relógio mecânico olha pra você e diz: “a única coisa que eu faço é existir. e fazer isso bem.”

e isso, pra mim, hoje, é mais do que suficiente.

tem também uma questão de respeito. respeito pela imperfeição. pelo tempo que passa de forma desigual, às vezes um pouco mais rápido, às vezes um pouco mais lento. relógios mecânicos atrasam, adiantam, precisam de cuidados, de manutenção, de carinho, às vezes. são temperamentais, como qualquer coisa feita com alma. como a gente, com o tempo.

quando eu era mais novo, talvez eu achasse o apple watch genial. e ele é. genial. faz tudo. responde mensagem, mede teu sono, te diz quando levantar. mas sabe o que mais faz isso? uma babá eletrônica. e eu já passei da idade de querer ser monitorado.

um relógio mecânico não se importa com você. ele não está conectado a nada. ele não quer saber de você. ele apenas existe. e ainda assim, você cria uma relação com ele. você dá corda. você ajusta. você cuida. ele depende de você, mas de um jeito discreto, elegante, quase cruel. ele exige que você esteja presente, não pra te mandar notificações, mas pra garantir que ele continue fazendo o que sempre fez, marcar o tempo. o tempo que você não controla. mas que você pode, pelo menos, acompanhar.

e um relógio mecânico não envelhece mal. ele envelhece como a madeira boa, como o couro certo, como o rosto de alguém que viveu. cada risco no vidro, cada marca na caixa, cada milímetro de desgaste diz que ele esteve lá. que ele viu coisas. e não se importa se você estava usando paletó ou camiseta. ele só quer saber se você estava vivo.

usar um relógio desses é escolher o caminho mais lento de propósito. é dizer “não” ao excesso de função. é dizer “não” ao vício do agora. é, de certa forma, reconhecer que já se viveu o suficiente pra saber que o tempo não precisa ser controlado. só precisa ser respeitado.

e, talvez, lá no fundo, seja isso. eu uso um relógio mecânico porque já entendi que o tempo não vai parar por minha causa, mas pelo menos posso escolher como vou acompanhá-lo. com dignidade. com história. e com um tique-taque que me lembra que, mesmo sem ser perfeito, ainda tô funcionando. igualzinho ele.

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2025

dias incríveis

tem algo quase obsceno na forma como dias incríveis acontecem. obsceno porque não segue nenhuma regra, não responde a planejamento, e principalmente… não dá a mínima pro que você queria. não é sobre acordar cedo, meditar, tomar um suco verde e esperar que o universo jogue confete sobre sua cabeça. não. dias incríveis são canalhas. aparecem quando você não está tentando. quando você, finalmente, desiste da ideia infantil de controlar tudo.

é o tipo de coisa que acontece entre uma decisão ruim e outra pior. você sai sem saber pra onde vai, sem a menor expectativa, com a alma meio largada no bolso, e de repente… ali está. o instante. o dia. o momento que vai te assombrar positivamente por anos. e por quê? porque você não estava ocupado demais tentando ser feliz.

a verdade é essa, os melhores dias são fruto do descuido. do leve abandono da agenda. da pequena desobediência ao próprio tédio. são como aquele velho amigo que te liga do nada e diz “vamos sair, só por sair”, e você, a invés de inventar uma desculpa qualquer, diz “vamos”. e aí, como num passe de mágica malfeita, o tempo dobra. e por algumas horas você se sente dentro de um mundo paralelo onde tudo é simples, leve e genuíno, e não tem ninguém gravando, ninguém editando, ninguém tentando vender a experiência como um curso de “vida plena”.

é uma sensação suja de tão real. quase ofensiva. porque ela revela o quanto a gente complica tudo. o quanto fomos treinados a achar que algo precisa ser grande, caro, planejado ou produtivo pra ser memorável. quando na verdade, tudo que você precisa é não estar tentando. não estar se esforçando pra viver o tal “momento perfeito”.

e olha que ironia… quando você para de correr atrás dele, ele aparece. como um gato malandro que só vem quando você finge que não liga. os dias incríveis são exatamente isso, gatos ariscos, avessos à lógica, cheios de charme e desprezo.

e talvez o maior crime da vida moderna seja justamente esse, a gente ficou tão ocupado tentando construir felicidade com bloco de concreto e fórmulas de autoajuda, que esqueceu o óbvio. dias incríveis são feitos daquilo que escapa. do imprevisto, do erro que deu certo, do plano que falhou espetacularmente bem.

então da próxima vez que você quiser viver algo memorável, não marque na agenda. não organize. não poste. apenas vá. sem saber pra onde, com quem ou por quanto tempo. e se, por algum capricho do universo, o dia acabar sendo incrível… aceite. sorria com desconfiança. e não conte pra ninguém. guarde pra você. como fazem os que realmente entenderam como essa merda toda funciona.

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2025

hiperfoco

voltando à velha novela porque sim, eu vivo e convivo com ele, o hiperfoco, esse delírio glorioso com personalidade própria, que chega sem ser convidado, toma conta da casa, joga fora as chaves da racionalidade e te tranca dentro de um túnel onde só existe uma coisa. uma ideia. um tema. um assunto que ninguém se importa, mas que agora virou o centro do universo. e você não só aceita, como agradece.

as pessoas normais, aquelas que vivem felizes no raso, acham que isso é defeito. transtorno. uma falha de fábrica que precisa ser ajustada com alarme, planner colorido e pílulas da obediência produtiva. que adorável. que medíocre. o que elas não sabem é que o hiperfoco não é uma falha. é uma falha na matrix. um portal para uma existência paralela onde tudo faz sentido, onde você se torna uma máquina de devorar informações, conectar pontos invisíveis, construir sentido a partir do nada.

e claro que o resto do mundo fica pra trás. o tempo passa de forma esquisita. os compromissos desaparecem. o corpo? irrelevante. as mensagens? later. o telefone toca e você olha pra ele como se fosse uma invenção de outra espécie. porque, naquele estado, você não pertence mais ao mesmo plano que essas criaturas ocupadas em “resolver pendências”.

porque ali está ela
a placa
gritando silenciosa no fundo da mente
não incomodar estou salvando o universo ou reconstruindo a história perdida dos alfabetos extintos

e o mais lindo
ninguém vê essa placa
ninguém sabe o que ela significa
mas ela está sempre lá
pulsando
brilhando
sussurrando que você tem algo mais importante pra fazer do que viver essa rotina patética de responder e-mails e fingir que se importa com reuniões que podiam ter sido uma ausência

o hiperfoco é liberdade violenta
é intensidade sem filtro
é ir até o limite do que a mente consegue suportar antes de virar fumaça
e se isso assusta, ótimo
não foi feito pra todos

então sim
eu escolho a obsessão
eu escolho o mergulho sem volta
eu escolho a placa
e se alguém bater na porta querendo puxar conversa sobre “coisas práticas”
que leia o aviso
e se retire em silêncio

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2025

linkedin

abro o linkedin como quem entra num salão de espelhos. tudo parece familiar, mas nada é exatamente o que parece. os sorrisos são largos, os cargos inflados, as histórias… sempre épicas. ninguém ali apenas trabalha, todo mundo transforma, lidera, impacta. você nunca vai ver alguém dizendo “atendo cliente e preencho planilha”. é sempre “sou responsável por potencializar soluções que impulsionam a jornada de inovação”. dá até vontade de pedir um tradutor simultâneo pra entender o que, de fato, essa pessoa faz.

e o mais curioso é o ecossistema. tem o entusiasta do networking, sempre com um café na mão e uma verdade absoluta na legenda. tem o recém-promovido que jura que “nunca imaginou estar aqui”, mas escreve como se tivesse contratado um ghostwriter da forbes. tem o fugitivo da CLT, agora vendendo liberdade em 12 parcelas no pix. e tem também aquele perfil misterioso que aparece a cada três meses só pra dizer que “vem coisa boa por aí”.

ninguém ali está sóbrio de expectativa. é um baile de máscaras corporativas, onde o jogo é parecer importante sem soar arrogante, engajado sem parecer desesperado, estratégico sem dizer nada. e todos, sem exceção, parecem ter saído de um laboratório de branding pessoal. até a ausência é calculada… “tirei um tempo pra mim, mas agora volto com tudo”, como se alguém tivesse notado a falta.

e eu? eu observo. sorrio de canto. penso se deveria entrar no jogo. talvez postar uma foto com cara de quem acabou de fechar um deal fictício. ou criar um cargo novo pra mim, tipo “curador de sarcasmo aplicado”. mas aí lembro que a única métrica que realmente me importa é se eu consigo sair de um dia de trabalho sem vontade de deletar minha identidade digital inteira.

no fim, o linkedin é isso. um palco onde todo mundo se apresenta como vencedor de um prêmio que ninguém sabe quem criou. e a plateia? aplaude, comenta, compartilha. não porque acredita. mas porque também quer ser a próxima atração.

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2025

paz mental

chega uma hora… e ela chega, mesmo que você não queira, em que o mundo começa a fazer barulho demais. tudo grita. gente grita. opinião grita. até o silêncio vem gritando, exigindo atenção. você acorda e já tem alguém querendo um pedaço da sua sanidade, alguém exigindo uma resposta, um posicionamento, uma indignação em tempo real. e você, num primeiro momento, tenta. você responde, você explica, você discute. você entra no ringue todo dia com um sorriso idiota no rosto achando que está construindo alguma coisa.

até que um dia, simplesmente, você cansa. e o cansaço não é físico, é estrutural. não dói no corpo. dói no conceito de continuar tentando. então você para. e nesse parar, você descobre uma coisa absurda, incômoda, maravilhosa… a paz mental.

mas não se engane, não é uma paz fofa, dessas de bordado com passarinho. é uma paz que incomoda. que assusta. uma paz que não se justifica, não acena, não se veste de branco. é a paz de quem largou o megafone e passou a andar com as mãos no bolso. a paz de quem viu que o prédio tá pegando fogo e, em vez de correr pra apagar, subiu pro terraço com uma cadeira e uma taça na mão.

essa paz, essa que eu carrego hoje, não é passiva, é militante. ela não foge da briga. ela simplesmente não comparece. ela sabe que tem lutas que só alimentam o ego de quem grita, e não mudam absolutamente nada. ela sabe que entrar na histeria coletiva é o equivalente emocional a tentar secar gelo com um secador de cabelo.

então agora, quando alguém se aproxima com a última teoria do caos, com mais uma exigência emocional embalada em falsa empatia, com aquela necessidade doentia de te puxar pro buraco com ela… eu só sorrio. e não um sorriso simpático, é aquele sorriso que já viu o final do filme e decidiu não assistir de novo.

diz que 1+1 é 5? eu assino embaixo, carimbo, selo e te desejo boa jornada nessa nova matemática revolucionária. diz que é culpa do algoritmo, do sistema, da opressão da física clássica? perfeito. genial. segue firme. diz que tá frustrado porque eu não entrei na sua histeria coletiva, não me joguei no seu pânico temático do mês, não opinei sobre o assunto quente da semana como se minha ausência fosse um crime de opinião? que pena. chama o rh da internet. registra a ocorrência emocional. eu tô ocupado demais cuidando da minha sanidade, esse bem precioso que vocês trocam por like e validação a cada 10 minutos.

meu silêncio te incomoda? excelente. foi feito pra isso mesmo.

e essa ausência… ah, essa ausência é uma obra de arte. é uma arquitetura de distanciamento emocional milimetricamente planejada. não é frieza. é seleção. aprendi a escolher com quem falo, o que ouço, pra onde olho. aprendi que dar atenção é um luxo, não um dever. e que tem gente que só quer palco e não me paga cachê suficiente pra isso.

minha paz mental é esse estado onde o barulho ainda existe, mas não me atravessa. ele bate na superfície e escorrega. não fere. não marca. não entra. porque eu não permito mais. porque finalmente entendi que ter razão é um vício de gente que ainda precisa ser aceita. e eu? eu já me aceitei inteiro. e me recuso a me fraturar pra caber na dor de alguém.

o mais provocador de tudo isso? é que essa paz incomoda. ela é silenciosa, mas ofensiva. ela não confronta, mas abala. porque quem ainda tá gritando se sente rejeitado por quem cala. quem ainda quer guerra, se sente humilhado por quem não aparece pro combate. e eu? eu tô exatamente nesse lugar, o não comparecimento como forma de provocação. não abrir a porta. não responder. não argumentar. é o meu jeito de dizer: “essa briga morreu antes de nascer.”

essa paz, que hoje mora em mim, não se explica. ela não cabe em discurso. ela não quer seguidores. ela é egoísta, exclusiva, um prazer secreto. é meu luxo pessoal. é minha vingança contra um mundo que vive de crise. e eu? eu vivo de silêncio. de ausência. de não-adesão.

no fim do dia, e sempre tem um fim do dia, não importa quantas causas você abrace antes do almoço, sobra aquela paisagem patética… gente esparramada emocionalmente, exausta de tanto ter razão, afônica de tanto ter gritado em caps lock, suada de tanto correr atrás do próprio rabo enquanto jurava estar salvando o mundo. um espetáculo que mistura tragédia com stand-up, só que sem timing, sem roteiro, e com muita saliva.

e eu? eu tô ali também. mas não no centro do palco, não coberto de glória moral ou espuma na boca. tô ali no canto, meio na sombra, com a cara de quem já comeu coisa pior num beco tailandês e sobreviveu pra rir disso depois. tô observando tudo com o mesmo entusiasmo com que se assiste a uma palestra sobre seguros numa feira de móveis usados.

não foi superioridade. não foi sabedoria. foi só preguiça. preguiça de discutir com quem não escuta, de explicar o óbvio pra quem lucra com o absurdo, de jogar xadrez com pombo. teve um momento em que entendi que o mundo não queria diálogo, queria plateia. e eu, sinceramente, nunca tive vocação pra palhaço nem pra figurante.

então eu não bati porta. não gritei. só levantei da mesa no meio da ceia sagrada dos indignados e fui lavar as mãos com o tipo de desprezo silencioso que só quem já queimou a língua tentando salvar sopa fria consegue ter.

e dormi.
não em paz.
em silêncio.
um silêncio que não consola, não ensina, não convida.
um silêncio que olha pro caos, dá um gole, e diz: “ah, isso aí de novo?”

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2025

breaking news

vivemos na era da manchete performática e da verdade opcional. uma espécie de reality show da informação onde ninguém quer saber se é verdade, só se rende. o jornalismo, coitado, já não tem mais vergonha de repetir o que ouviu no banheiro do aeroporto, desde que a frase venha com aspas e gere tráfego. o critério editorial virou a pergunta: isso vai render cliques? e não isso faz sentido?

a essa altura, o ciclo é simples. alguém solta uma frase absurda, uma promessa, uma denúncia, uma previsão apocalíptica. o veículo publica sem apurar. os portais replicam. o público reage. e quando tudo desmorona, quando se descobre que era tudo fumaça de gelo seco, ninguém se responsabiliza. apenas seguem em frente, como se não tivessem acabado de plantar mais uma semente de ignorância em solo fértil.

a candidatura fake do felipe neto foi só mais um episódio nesse circo ambulante. a imprensa não só noticiou como debateu, teorizou, levantou chances reais. tudo com a mesma seriedade de quem cobre guerra ou eleição presidencial de verdade. e quando ele apareceu dizendo “era só uma publi”, a reação foi um bocejo coletivo. ninguém pediu desculpa por ter bancado o arauto do delírio. ninguém refletiu sobre o papel de transformar um golpe publicitário em fato político. só trocaram de pauta, como quem troca de canal quando o programa fica sério demais.

mas esse caso não foi exceção. é a nova regra. é assim com tudo. desde celebridade anunciando que vai morar em marte, até deputado jurando que o aquecimento global é invenção da onu pra vender ventilador. se tiver apelo, vira notícia. se viralizar, vira verdade temporária. e se for desmentido? quem se importa? o público já se inflamou, já compartilhou, já se sentiu parte de algo. a verdade chega tarde demais, ofegante, com cheiro de naftalina.

o mais brilhante… e por brilhante, entenda patético, é que isso tudo é tratado com naturalidade. como se não estivéssemos todos mergulhados num caldo ralo de desinformação temperado com superficialidade. como se não fosse grave o bastante termos veículos tradicionais servindo como correia de transmissão de falas sem contexto, sem verificação, sem consequência. não se noticia mais o que é, mas o que se disse. e isso basta. virou padrão. basta fulano afirmar algo, e já temos matéria. não interessa se fulano é especialista ou se tá fazendo live no porão com boné de alumínio.

e aí, o que era pra ser jornalismo vira fanfic institucional. tudo publicado com um verniz de credibilidade, mas com a profundidade de um tweet mal escrito. e se alguém ousa duvidar, questionar, pedir apuração? é tratado como chato, antiquado, analógico. “relaxa, é só uma nota rápida.” como se o fato de ser rápido justificasse ser raso. como se o jornalismo tivesse virado um drive-thru da ignorância.

e claro, o público também colabora. consome tudo com a mesma voracidade de quem compra ingresso pra ver tragédia encenada. quer emoção, quer indignação pronta, quer narrativa que caiba num reels. não quer nuance, não quer dúvida, não quer a chatice da realidade. quer confirmação. quer aquilo que reforça sua versão dos fatos, mesmo que os fatos estejam gritando por socorro do outro lado da rua.

o problema nunca foi a mentira existir. o problema é ela ter plateia, roteiro, figurino e patrocínio. e quando a imprensa, que deveria ser o filtro, vira o megafone, temos não só um colapso ético, temos um colapso funcional. porque se tudo é noticiável, então nada é verificável. e se nada precisa ser confirmado, então qualquer um pode dizer qualquer coisa, e ser levado a sério por vinte minutos até que a próxima loucura chegue.

isso não é imprensa livre. isso é imprensa perdida. uma máquina de replicar ruído, travestida de guardiã da informação. um coral de papagaios editoriais, repetindo o que ouviram sem sequer saber de onde veio.

e no fim, a gente ainda finge surpresa. como se não fosse previsível. como se não soubéssemos que a verdade hoje vale menos do que uma thumb bem feita com fonte impact. como se não estivéssemos todos, coletivamente, empurrando essa carroça de desinformação ladeira abaixo, só pra ver até onde vai dar.

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2025

você não lê, você escaneia… e mal

você viu o título. leu rápido, achou provocativo, talvez até se sentiu levemente insultado e, num impulso pavloviano, já tava formando uma opinião com base em 12 palavras. porque hoje em dia é assim, leu o letreiro do restaurante e já tá escrevendo a crítica no tripadvisor.

não importa se era ironia, se o texto se desdobra, se existe nuance. nuance dá trabalho. exige tempo. exige uma coisa rara, quase extinta… atenção. mas você não quer entender. quer parecer que entendeu. quer bancar o sabichão no jantar, o crítico cultural do grupo do whatsapp, o justiceiro de feed, sem nunca ter, de fato, entrado na porra do texto.

as pessoas não leem. elas escaneiam. procuram palavras-gatilho como quem caça pokémons, só que em vez de diversão, querem indignação de bolso. “isso me ofende? isso me representa? posso usar isso contra alguém?” se a resposta é sim pra qualquer uma dessas, pronto, temos uma opinião formada. uma posição sólida como pudim fora da geladeira.

a tragédia nem é a burrice. burrice a gente tolera. o problema é a vaidade. gente que vive com o ego inflado por manchete, achando que é culto porque viu um vídeo com legenda explicando a guerra do oriente médio em 45 segundos com trilha sonora de lo-fi hip hop.

o título virou totem. virou religião. virou identidade. ninguém mais lê um texto com o espírito aberto, como quem vai ao mercado sem lista, disposto a ser surpreendido. leem como quem entra num drive-thru, já sabem o que querem, só não sabem como vem embalado.

e quando o conteúdo desafia, quando quebra a expectativa, quando te joga na cara que você pode, veja só, estar errado… aí pronto. “o texto é confuso”, “pretensioso”, “ai que arrogante”. como se o problema fosse o prato, não o paladar infantil de quem ainda acha que nuggets são alta gastronomia.

e você, que adora parecer engajado, empático, lido, profundo… não passa de um fantasma digital. sem tempo, sem paciência, sem estômago pra lidar com a complexidade real do mundo. acha que ser informado é repostar link. acha que ser crítico é discordar com emoji. acha que tem voz, mas tudo o que tem é wi-fi.

vai lá, compartilha esse texto com a certeza de que ele não é sobre você. chama de “genial”, finge que leu tudo, joga uma frase de efeito no final e volta pra sua zona de conforto. porque pra encarar o conteúdo de verdade, com estômago, você teria que fazer algo radical. parar. ler. pensar. e isso, meu caro… não cabe num título.