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2025

meus próximos anos

tem dia que eu olho em volta e penso… quem projetou esse mundo?
quem achou uma boa ideia fazer um banco que não abra a porra da gaveta, uma mochila que massacra a coluna, um teclado que foi claramente desenhado por alguém que odeia dedos humanos?
o copo escorrega. a estante não encaixa. o sofá é bonito até você sentar.
e o botão do elevador, aquele maldito botão, precisa ser pressionado com a força de um deus grego pra funcionar.

isso é design.
não só o que é bonito.
mas o que funciona.
ou melhor, o que deixa de funcionar e vira parte da sua frustração diária até você nem perceber mais o quanto odeia as coisas ao seu redor.

e é justamente por viver nesse teatro de decisões medíocres, disfarçadas de “soluções”, que eu escolhi o caminho mais óbvio, e mais insano…
usar design pra transformar essa bagunça.
móvel, mochila, estante, relógio, boneco de plástico, tela de app, luz do banheiro, cadeira de reunião, tudo.
se existe, se alguém encosta, segura, olha ou tenta usar, então tem design ali.
e se tem design, tem potencial pra dar errado, e quase sempre já deu.

o que eu quero fazer nos próximos anos é isso.
pegar esse mundo cansado, saturado de soluções meia-boca,
e tentar, com inteligência, ironia e um time de pessoas incríveis, redesenhar o que ninguém mais tá com paciência de consertar.

sem prometer revolução.
mas com uma urgência quase pessoal de parar de aceitar que “a vida é assim”.
porque não, não é.
a vida só é assim porque alguém fez escolhas ruins. e ninguém voltou pra corrigir.

e é aí que entra o design.
não como enfeite.
mas como ferramenta bruta de transformação cotidiana.

e é exatamente isso que vamos fazer na rg design.
um lugar onde não se projeta só “coisas”.
se projeta vivência.
se questiona cadeira, mesa, embalagem, interface, cronômetro, estrutura.
se pergunta… por que isso existe desse jeito?
e mais importante… por que ainda não melhoramos?

e não tô falando de fazer o novo pelo novo.
tô falando de fazer o certo.
o que funciona.
o que respeita quem usa.
o que não precisa de manual, nem desculpa.

e com origem…

porque o que tem origem não grita, não performa, não pede validação. ele simplesmente existe, porque precisa existir. nasce da necessidade crua, da função nua, do material que impõe limite e dá forma. o que tem origem não quer impressionar, quer resolver. não nasceu pra palco, nasceu pra uso. e é justamente por isso que dura, que impacta, que muda. o resto? o resto é só barulho com prazo de validade e ego demais pra admitir que nunca teve motivo pra estar ali.

e no fundo, o que me move é isso e é tão simples que pode parecer banal…
eu tô cansado de viver num mundo cheio de “tá bom assim”.
tá nada.

então sim, vou dedicar os próximos anos da minha vida a isso.
a desentortar o cotidiano com design.
a deixar um pouco menos torto o caminho entre você e o que você quer fazer.
a devolver pras pessoas o prazer silencioso de usar algo e simplesmente pensar…
“até que enfim.”

sem glitter.
sem glória.
só design.
da mochila ao botão.
da mesa ao momento.
da RG pro mundo.

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2025

a coisa que mais odeio na vida

poucas coisas me fazem questionar o valor da civilização moderna tanto quanto aquele momento sagrado, aquele ritual de merda, quando o iluminado da frente resolve reclinar a porra da poltrona. e não tô falando daquele leve encostinho simpático, aquele gesto civilizado de “ei, vou só ajustar aqui pra tentar fingir que esse avião não é uma lata de sardinha voadora”. não. eu tô falando do sujeito que puxa a alavanca como quem tá abrindo um portal pro nirvana. ele joga o corpo pra trás com a leveza de um elefante morto, me jogando metade da tela do meu filme no peito e a outra metade no vácuo existencial.

e é sempre assim, eu tô ali, miseravelmente tentando comer aquele risoto genérico com gosto de papelão e de repente, páá. o encosto invade meu espaço vital como se tivesse recebido um convite pessoal. minha bandeja? virou um campo de guerra. meu joelho? objeto de tortura medieval. e o cretino lá, mergulhado no paraíso dele, como se estivesse num spa flutuante, bufando de prazer como se tivesse descoberto a cura pra depressão nas costas de um assento da gol.

é quase poético, se poesia fosse escrita com ranço, irritação e um toque de claustrofobia.

mas o que me mata de verdade é a confiança, o descaramento sereno. ele sabe o que tá fazendo. eles todos sabem. e fazem mesmo assim. por quê? porque o avião é um microcosmo perfeito da humanidade, todo mundo fodido, mas sempre tem um filho da puta que quer ficar um pouquinho mais confortável que o resto.

então, se você é desses, o reclinador convicto, o messias do conforto próprio, o conquistador de espaços alheios, saiba que você é o motivo pelo qual eu acredito que, às vezes, a humanidade não merece voar.

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2025

wes anderson

eu percebi que estava fodido quando comecei a sentir inveja de personagens do wes anderson.
não da vida deles.
mas da capacidade que eles têm de fracassar com tanta… dignidade estética.

sério.
os caras vivem colapsos internos violentíssimos, e você mal percebe.
porque enquanto estão à beira da dissolução emocional completa, eles estão usando um casaco de lã com corte impecável, lendo um livro com um título tipo “essays on isolation (vol. ii)”, com a trilha dos zombies tocando ao fundo.
e você assiste e pensa…
“caralho, que vibe boa.”
vibe boa o cacete. o cara tá morrendo por dentro.

eu sou o tipo de pessoa que se reconhece num personagem que olha pela janela por tempo demais.
tipo o garoto de asteroid city, aquele com cara de que passou a adolescência inteira colecionando traumas em potes etiquetados.
o moleque fica o filme todo olhando pro céu como se estivesse esperando uma nave alienígena ou, sei lá, algum sinal de que a vida não é só um looping interminável de conversas estranhas e adultos que mentem sorrindo.

e quando a scarlett johansson vira pra ele e fala “you can look through me if you want, but you’ll have to focus”, eu me senti atacado.
porque é isso que o wes faz comigo.
ele me faz olhar pra personagens que, claramente, não estão bem mas que construíram castelos emocionais tão bonitos que ninguém ousa derrubar.
nem eles mesmos.

em os excêntricos tenenbaums, por exemplo, tem uma frase do eli cash que é perfeita…
“i always wanted to be a tenenbaum.”
eu entendo.
quem não quer ser parte de uma família emocionalmente disfuncional, mas com uma biblioteca impecável, figurino coordenado e depressões silenciosas com pedigree?

o richie cortando os pulsos com trilha sonora de elliott smith tocando ao fundo não é só uma cena, é uma instalação artística sobre como gente branca rica lida com o fim do mundo pessoal.
com silêncio, linho e drama ensaiado.
e mesmo assim, eu vi aquilo e pensei… “gostaria de estar nesse banheiro.”

o max fischer, de rushmore, é basicamente eu aos 16 anos, só que com mais iniciativa e blazer.
ele tem a audácia de dizer…
“i wrote a hit play! i’m in love with you!”
pra uma mulher claramente em luto, emocionalmente instável, e ainda por cima educada demais pra dizer “me deixa em paz, menino.”
e é essa energia, esse teatro interno constante, que define o universo do wes.
ninguém ali fala o que sente.
eles performam o sentimento.
com voz baixa, mãos nos bolsos e alguma peça de roupa herdada de um parente morto.

em viagem a darjeeling, os três irmãos literalmente vão até a puta que pariu pra encontrar a mãe que os abandonou.
e quando finalmente encontram, ela manda uma fala perfeita, glacial, que me destrói toda vez… “you don’t love me. you just love how i make you feel.”
puta que pariu.
quer frase mais passivo-agressiva e perfeitamente encenada que essa?
dá vontade de mandar bordar numa toalha de mesa.
e mesmo assim, eles aceitam.
sem escândalo.
sem cena.
só baixam a cabeça, ajeitam a mala da louis vuitton e pegam o trem de volta pra neurose cotidiana.

em a vida marinha com steve zissou, eu me vejo no bill murray.
o cara passou do prazo de validade, ninguém mais respeita, o filho aparece do nada e morre antes do terceiro ato.
e ele passa o filme inteiro de boina e olhar perdido, tentando parecer capitão de um navio imaginário que só ele ainda acredita que existe.
e aí, no meio de uma missão fracassada, ele solta:
“i wonder if it remembers me.”
falando sobre um tubarão.
um puta tubarão psicodélico que matou o melhor amigo dele.
e mesmo assim, a dúvida dele é essa.
se o bicho lembra.
esse é o nível de abandono afetivo que só um personagem do wes consegue alcançar.

e o sr. raposo?
uma raposa com terno de veludo que rouba galinhas porque não consegue aceitar que a vida se tornou estável demais.
tem uma cena em que ele pergunta…
“who am i? why a fox? why not a horse or a beetle or a bald eagle?”
e eu ali, comendo pipoca, me identifiquei com uma raposa animada com crise de identidade metafísica.
ele quer ser selvagem.
mas mora num buraco com iluminação aconchegante e uma esposa que claramente desistiu de esperar maturidade.

em ilha dos cachorros, os cães abandonados falam com mais dignidade do que qualquer humano na vida real.
o chief, o vira-lata que não quer se apegar a ninguém, diz…
“i bite.”
e pronto.
você entende todo o histórico de abandono e autoproteção daquele personagem.
uma aula de roteiro.
uma aula de como transformar trauma em frase de efeito.

e aí tem os detalhes.
as frases miúdas.
as coisas que passam voando, mas grudam em mim que nem vírus de melancolia.
tipo quando, em a crônica francesa, o benicio del toro nu, coberto de tinta e ódio diz:
“i’m not a great artist. i just have a great subject.”
e você sabe que ele tá falando da própria dor.
da própria miséria.
do próprio inferno interno embalado em tinta acrílica e frases curtas.

ou quando o zero moustafa, em o grande hotel budapeste, lembra do gustave h.
com aquele olhar de saudade que não chora.
e diz…
“he was one of the last.”
a última geração de gente que fingia bem.
que sabia fazer da decadência um espetáculo digno.
que sabia morrer com colônia, poesia e pontualidade.

eu assisto todos esses filmes como quem visita um museu da minha própria ruína.
reconheço peças.
me vejo nas vitrines.
e saio dali meio irritado, meio emocionado, sempre com vontade de fumar um cigarro que eu nem fumo só pra completar a estética da falência.

o wes anderson faz filmes como quem arruma o quarto antes de se enforcar.
tudo limpo.
tudo alinhado.
com uma carta de despedida escrita à máquina.
e você, espectador, entra nesse quarto, vê o corpo pendurado…
e pensa…
“meu deus, que belo carpete.”

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2025

aviso: eu sei que esse texto não serve pra todo mundo

eu já desisti, e nem foi com sofrimento… foi com aquele tipo de alívio sujo e silencioso que você sente quando percebe que o teatro acabou, que o palco tá pegando fogo e, sinceramente, foda-se… ninguém vai sair vivo mesmo. só sobra a plateia, olhando hipnotizada enquanto o circo corporativo arde. eu tô lá, no meio, dando risada, não porque sou mais forte, mais sábio ou mais equilibrado, mas porque não tenho mais estômago pra fingir que me importo.

assumir a loucura hoje não é um ato de coragem. coragem era em 1998, quando você podia largar tudo, comprar uma kombi e virar “artista”. hoje é só falta de vergonha na cara, e isso, meu amigo, minha amiga, é a única coisa que ainda vale alguma coisa nesse mundo saturado de gente fingindo que tá “construindo um legado”. que legado, porra? tu mal consegue construir um argumento decente numa reunião sem recorrer a um “vamos pensar fora da caixa”.

eu já parei de tentar parecer são quando percebi que o mundo virou esse lugar onde quem aparenta sanidade, na real, só tá muito bem treinado no fingimento. e olha que treino, hein? gente que acorda cedo pra correr, não porque gosta, mas porque leu que ceo faz isso, e depois posta…“5h, foco total”. foco total, uma ova. tá todo mundo ali, exausto, querendo que alguém simplesmente puxe a tomada e desligue essa máquina infernal que virou a rotina.

e você ainda me pergunta “como assumir minha loucura?”, como se não fosse óbvio que essa porra já te consumiu faz tempo. quer prova? abre teu histórico de pesquisa. “como ser mais produtivo”. “como evitar burnout”. “como parecer mais confiante”. parecer. nunca ser. sempre parecer. é isso que vocês fazem, gastam a pouca energia vital que resta tentando parecer algo que não são, pra pessoas que não se importam, num sistema que vai cuspir seus restos na primeira oportunidade.

assumir a loucura é só o primeiro passo de quem já entendeu que não vai ser o protagonista daquela narrativa heroica de superação, onde você, após anos de esforço silencioso, finalmente é reconhecido e promovido. não vai rolar, campeão. o que vai acontecer é que, no dia do seu aniversário, o rh vai te mandar um e-mail padrão e, se der sorte, talvez role um bolo de supermercado na copa. parabéns, mais um ano sendo sugado lentamente até virar só mais um crachá desligado.

e aí, nesse meio-tempo, você segue esse teatrinho, postando no linkedin sobre “propósito” e “colaboração”, marcando café virtual com aquele colega que você mal suporta, rindo de piadas sem graça em reunião, falando de “entregas” como se estivesse liderando a nasa. entregas, porra… tu tá fazendo planilha, não mandando foguete pra marte.

eu já larguei essa necessidade de parecer competente. já respondo e-mails com “beleza!” e um joinha, já entro nas reuniões sabendo que nada ali vai mudar o rumo da humanidade, já entendi que se o sistema cair e os arquivos sumirem, ninguém vai morrer, só vai ter menos relatórios que ninguém leria de qualquer forma.

assumir a loucura, no fundo, é só aceitar que esse show é grotesco, e que você pode rir dele, ou ser engolido por ele. pode ser aquele cara que diz “não aguento mais”, ou pode ser aquele que, mesmo odiando, ainda escreve textão motivacional e se inscreve em palestra sobre “soft skills”. a escolha é tua: ser o louco rindo ou o chato que aplaude enquanto se enforca com o próprio crachá.

eu escolhi rir. alto, debochado, insuportável. e quer saber? não me tornei um ser iluminado, não atingi nirvana, não virei referência em nada… mas, pelo menos, me livrei da ilusão de que precisava.

a loucura, essa sim, é a única coisa sincera que ainda te resta. assume logo, caralho. para de tentar ser “menos chato”. quer deixar de ser chato? então começa recusando a próxima reunião que claramente não precisa acontecer, para de comentar “arrasou!” no post de promoção de alguém que você secretamente odeia, e pare pelo amor de tudo que restou de honesto de usar “sinergia” em frase séria.

ser louco hoje não é ser rebelde, é ser lúcido. e lúcido, nesse contexto, é ser sarcástico, seco, afiado, um canalha elegante que vê esse espetáculo patético desmoronando e escolhe, conscientemente, não ajudar a segurar a estrutura.

assume tua loucura como quem bota o paletó de um terno que não serve mais: rasgado, apertado, desconfortável… mas é o que tem. e, mais importante: não pede desculpa. nunca pede desculpa.

porque, no final, quem ainda pede desculpa por ser louco… é só mais um chato com medo de admitir que o maior erro da vida foi ter tentado ser “normal”.

e você? vai pedir desculpa ou vai rir comigo enquanto o mundo pega fogo?

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2025

eu mesmo

acredite ou não e, sinceramente, espero que não acredite, porque acreditar seria admitir que perdeu tempo demais sendo o que nunca precisou ser, sou generosamente recompensado por ser exatamente quem sou. não esse “eu” domesticado, polido, convenientemente ajustado pra caber no feed, mas esse aqui que é cru, direto, indiferente ao esforço ridículo de parecer interessante.

não é sobre coragem. nunca foi. coragem exige intenção, e eu só sigo. sigo sem pedir desculpas, sem suavizar, sem essa preocupação doentia com a digestibilidade das palavras, como vocês gostam de chamar.

eu não dou a mínima. e não porque seja um projeto de vida, mas porque não sobra energia quando você entende o quão grotesca é essa encenação cotidiana que vocês transformaram em rotina. o aperto de mão calculado, a opinião moderada, a indignação programada, a alegria de catálogo.

é fascinante, admito. ver todo mundo correndo, se ajustando, competindo pra ser a versão mais estéril possível de si mesmo. lapidados até o tédio. funcionais até a irrelevância. todos obedientes, todos previsíveis, todos satisfeitos em serem apenas… parte.

eu sigo fora disso. não porque sou rebelde, rebeldia é só outro tipo de performance. sigo fora porque não me interessa participar de um jogo onde a vitória significa apenas ser o mais eficiente em apagar a si mesmo.

e talvez seja isso que incomoda. não que eu não jogue, mas que eu não queira nem assistir.

então, sim, acredite ou não, sigo aqui, intacto, não porque sou mais forte, mas porque tive a decência de não me submeter.

mas, e você? até quando vai seguir aí, ajustando, editando, limando, se curvando, se moldando pra ser aceito por quem mal nota que você está aí?

até quando vai insistir que vale a pena?

até quando vai fingir que não percebe que não é?

não precisa responder. nem agora, nem nunca.

mas vai pensar nisso. e, quando pensar, só espero que tenha estômago suficiente pra lidar com o que vai descobrir.

ou, quem sabe… pra, finalmente, parar.

se tiver coragem.

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2025

boina

agora eu uso boina. e, honestamente, nem sei mais onde começa a piada e onde termina a necessidade. virou esse hábito tão mecânico quanto respirar, só que infinitamente mais provocativo. porque, convenhamos, quem usa boina hoje, fora dos figurinos de teatro de escola ou das fotos de influencers tentando parecer “conceituais”?

ninguém. justamente por isso, eu uso. porque gosto da sensação de estar andando na contramão do desfile deprimente das roupas esportivas hiperfuncionais, das camisas de linho bege, dos tênis de solado grosso que parecem mais indicados pra uma missão na antártida do que pra atravessar a rua até a padaria. eu uso boina porque, enquanto todos estão preocupados em parecer “confortáveis”, “versáteis”, “minimalistas”, eu prefiro parecer deslocado, excessivo, inadequado.

boina não é só um acessório, é um comentário. silencioso, mas gritante. como aquele olhar que você lança no jantar de família quando alguém solta uma frase idiota e você decide que o silêncio constrangedor é mais eficaz do que qualquer resposta.

e claro, não dá pra usar boina sem carregar junto a herança maldita de quem a usou antes. não como homenagem, não como continuação, mas como quem passa por uma cidade fantasma e decide assobiar só pra ouvir o próprio eco.

porque, veja bem, a boina já foi muitas coisas… em brecht, um gesto cortante, um ponto final ambulante, uma borda rígida pra quem se recusava a ser suavizado. em beckett, um adorno mínimo pra quem já tinha desistido de qualquer adorno. em picasso, uma extensão natural do desdém por qualquer tipo de limite. e no che… bem, no che virou caricatura, virou símbolo, virou souvenir. o maior triunfo e o maior fracasso da boina condensados num único retrato pixelado, replicado até a náusea.

eu não uso boina pra ser símbolo de nada. uso boina como quem acende um cigarro em ambiente fechado sabendo que incomoda, sabendo que ninguém mais faz, e exatamente por isso, fazendo.

a boina é essa coisa ultrapassada, desconfortável, muitas vezes inútil, que não protege do frio nem da chuva, que esquenta demais no verão e voa com o primeiro vento mais atrevido. mas tá ali, firme, como um erro assumido, como um vício sem justificativa, como um lembrete silencioso de que algumas escolhas a gente não faz, simplesmente aceita.

e tem dias que ela pesa, que incomoda, que parece um fardo. e tem dias que ela me salva, de olhares, de julgamentos, de conversas indesejadas. porque a boina cria essa bolha, essa cápsula de diferença… as pessoas olham, não sabem se perguntam, não sabem se elogiam ou se debocham e nesse impasse, me deixam passar. perfeito.

uso boina como quem usa ironia, não pra esconder, mas pra marcar território. pra estabelecer distância, pra lembrar que eu continuo me recusando a vestir o uniforme do consenso, do bom gosto consensual, da praticidade sem alma.

e, claro, às vezes, enquanto ajeito a boina, percebo que continuo batendo a cabeça nas coisas, nas pessoas, nas escolhas erradas, nas conversas que não devia ter entrado. mas a boina já não está mais ali pra proteger. está pra outra coisa, pra lembrar que, mesmo tropeçando, mesmo esbarrando, mesmo errando, continuo indo.

a boina não é símbolo, não é armadura, não é disfarce, é a marca silenciosa de quem se recusa a pedir licença, de quem atravessa, provoca e, se necessário, incomoda.

então agora eu uso boina. não porque precise. não porque queira parecer. mas porque gosto dessa ideia de ser um anacronismo ambulante, um erro de costura na malha lisa e previsível da estética contemporânea.

uso boina porque o mundo ficou confortável demais, adaptado demais, amaciado demais. e eu, sinceramente, prefiro manter alguma borda áspera. mesmo que só seja um pedaço de pano torto na cabeça, meio ridículo, meio desnecessário… mas inteiramente meu.

e, acima de tudo, absolutamente irretratável.

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2025

eu sou um idiota

não tenho medo de parecer um idiota. nunca tive. nunca quis não parecer. eu abraço esse título como quem encontra um velho amigo num bar imundo e o puxa pra beber até esquecer o próprio nome. ser idiota, parecer idiota, assumir o idiota que sou… tudo isso é a mesma coisa. é a minha forma de existir, de atravessar os dias com uma gargalhada estridente, desafiadora, desconfortável pra quem escuta, mas libertadora pra quem solta.

não tenho medo de ser o cara que fala demais, que tropeça nas próprias palavras, que tenta explicar uma ideia e se perde no meio da frase, que confunde nomes, que esquece aniversários, que faz perguntas óbvias e não vê problema algum nisso. não tenho medo de pagar mico, de errar feio, de ser visto como alguém que não entendeu. não tenho medo de admitir que não entendi, não tenho medo de pedir ajuda, não tenho medo de levantar a mão e dizer: “pera aí, o que caralhos está acontecendo?”.

não tenho medo de parecer idiota porque sei que esse é o espaço onde as coisas realmente acontecem, no improviso, no erro, no excesso, na fala atravessada, no gesto descoordenado. não tenho medo de me jogar sem rede, de andar sem mapa, de fazer sem saber. não tenho medo de ser visto como um desastrado, um impulsivo, um sem-noção porque, honestamente, eu sou mesmo tudo isso. e qual seria a alternativa? me conter? me polir? me reduzir a um catálogo de comportamentos aceitáveis, previsíveis, palatáveis? pra quê? pra quem?

não tenho medo de parecer idiota quando me entusiasmo demais, quando acredito demais, quando aposto tudo numa ideia que talvez não vá dar em nada. não tenho medo de ser aquele que se emociona, que chora, que ri alto, que se embriaga de vida até cair de joelhos, sem nenhuma elegância, sem nenhuma dignidade e sem nenhuma vergonha.

não tenho medo de ser visto como um idiota porque não sou movido por essa necessidade patética de parecer sempre seguro, sempre no controle, sempre dono de si. eu não sou dono de porra nenhuma. não controlo nada, nunca soube o que estava fazendo, nunca fiz questão de parecer que sabia. e isso é libertador. é isso que me permite estar onde estou, fazer o que faço, viver o que vivo.

não tenho medo de parecer um idiota quando tento coisas novas, quando entro em territórios desconhecidos, quando digo sim pra convites que sei que vão me colocar em situações desconfortáveis. não tenho medo de me perder. não tenho medo de errar o caminho, de pegar o trem errado, de sentar na mesa errada. não tenho medo de acumular cicatrizes, de somar fracassos, de contar histórias onde o herói não vence, mas tropeça, capota e ainda assim levanta, rindo, com o joelho ralado e o orgulho intacto.

não tenho medo de parecer idiota porque não carrego essa necessidade cretina de ser levado a sério o tempo todo. não sou uma marca pessoal, não sou um slogan, não sou uma porra de uma “persona” de rede social. sou só eu, atravessado, cheio de falhas, cheio de impulsos, cheio de momentos em que pareço, e sou, um idiota completo. e isso não me enfraquece. isso me torna mais forte, mais real, mais humano.

não tenho medo de parecer idiota quando me contradigo, quando digo uma coisa e depois faço outra, quando mudo de ideia, quando admito que estava errado. não tenho medo de parecer incoerente, exagerado, teatral, inapropriado. não tenho medo de ser o excesso, de ser o ruído, de ser o erro. não tenho medo de não caber no molde. não tenho medo de ser lembrado como aquele que nunca soube exatamente o que estava fazendo, mas fez mesmo assim.

não tenho medo de parecer um idiota porque o idiota vive. o idiota sente. o idiota tenta. o idiota cai. o idiota levanta. o idiota continua. e eu continuo. sempre continuo.

não tenho medo de parecer idiota porque, no fim, é só isso que somos, uma coleção de tentativas falhas, de erros grotescos, de histórias mal contadas, de impulsos que deram errado. não tenho medo de ser isso. eu sou isso. e, que alívio, que grande e maravilhoso alívio ser, sim, um idiota inteiro, orgulhoso, irremediável.

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2025

fuck your agenda

tô num estado que nem dá pra chamar de espírito. é mais um modo de operação… 100% intolerância gourmet, zero paciência pra bullshit com embalagem premium. cheguei num lugar onde “fazer parte” virou ofensa e “colaboração” soa como ameaça passiva-agressiva travestida de convite.

não é que eu esteja zen, longe disso. tô num tipo raro de paz… aquela que vem depois de muito caos, muito “sim” que deveria ter sido um “vai à merda” e projetos que eu aceitei só pra me lembrar, com gosto, do que eu nunca mais vou fazer.

tô intolerante. e isso é uma benção.
intolerante ao papo mole, à ideia vendida em ppt colorido, ao projeto que parece uma colônia de férias pro ego dos outros.
se me cheira a convenção de gente que se acha disruptiva porque usa tênis com blazer, eu já tô com o uber ligado.
não me venha com “vamos cocriar”. não me venha com brainstorming às 9h da manhã com pão de queijo e positividade forçada.
meu café não vem com emojis.

tô na fase em que escolho as trincheiras. e, por deus, tem trincheira que eu não entro nem com armadura de aço e promessa de bônus.
não me vendo por visibilidade. não quero seu palco. não quero selo de autenticidade digital.
me dá enjoo essa piração de parecer que se importa enquanto joga a alma no triturador.

o que eu quero?
quero projeto sujo, imperfeito, barulhento.
quero ideia que nasce no caos, não no comitê.
quero trabalhar com gente que sangra pelo que acredita, que não se desculpa por ser intenso, que ri alto e fala merda, mas entrega.

tô num estado em que recusar virou arte.
e recuso com prazer.
recuso com a elegância de quem já lambeu o asfalto e agora sabe o gosto do que presta.

e se parecer arrogante, ótimo.
é arrogância sim.
mas é uma arrogância merecida, suada, construída na base de ter dito “sim” demais pra coisa que nunca devia ter começado.

agora é “não”.
um “não” firme, ruidoso, cheio de ironia e consciência.
um “não” que não precisa de justificativa porque é óbvio demais pra ser explicado.

e sabe o melhor?
tô leve.
livre.
meio perigoso até porque agora eu sei exatamente o que não quero.
e isso me dá um tipo de poder que não vem com crachá.

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2025

os tipos da academia

todo mundo quer se encontrar. mas ninguém quer fazer terapia, sair da casa da mãe ou admitir que odeia o próprio emprego. então o que resta? isso mesmo, a academia. esse spa da disfunção emocional onde se resolve trauma com agachamento e se recalcula a autoestima pelo tamanho do ombro. um templo de ferro, suor e playlists de trap onde a dor física é um substituto barato pra dor de existir.

é lá, entre aparelhos de tortura colorida e espelhos estrategicamente posicionados, que as pessoas tentam resolver o que a psicanálise falhou. querem curar a ansiedade com três séries de bíceps e um scoop de pré-treino que parece metanfetamina de laboratório clandestino. querem vencer a insegurança com um tanquinho e 18 selfies no elevador. querem ter foco, propósito, senso de pertencimento mas no fundo só querem que alguém diga: “caramba, como você tá diferente”.

a academia virou esse teatro moderno onde ninguém é quem diz ser. todo mundo é um personagem mal ensaiado fingindo disciplina, escondendo desespero, e compartilhando a própria performance como se fosse superação. e nesse palco iluminado por led branco e som de halteres caindo, desfilam os arquétipos mais tragicômicos da nossa geração. não são só pessoas malhando, são epifanias ambulantes com regata cavada.

geralmente, usando ainda pijama, sento na mesma mesa de sempre. a mesma. com meu café e começo a observar…

primeiro cruza meu campo de visão a entidade que combina a roupa como se fosse um desfile militar.
cada peça faz parte de uma estratégia.
mesma cor. mesmo tom. zero margem de erro.
o look vem treinado de casa.
é o arquiteto do outfit absoluto.
treina? talvez.
mas quem se importa quando o zíper da mochila combina com a meia?

ao lado, vejo o evangelizador digital da musculação.
chega com o tripé pendurado, a cara esticada e a autoestima inflada por algoritmo.
dá play no próprio delírio, grava três ângulos do mesmo exercício e posta antes de terminar a série.
não quer treinar.
quer provar que treina.
e se não render comentário, posta de novo com filtro e frase bíblica.

tem o que anda pela sala com o celular grudado no braço, o fone colado no crânio, o smartwatch vibrando a cada batida do coração.
faz check-in na rosca direta, sincroniza o abdominal com o spotify.
é o tecnocrata do treino mínimo.
não faz um movimento sem medir.
mas se perder o sinal do wi-fi, desiste de viver.

mais ao fundo, o que chega sempre junto de dois ou três.
fala alto, ri antes de qualquer piada, ocupa o aparelho e a atenção de quem estiver a cinco metros.
não faz por mal.
mas também não faz nada.
é o agregador de improdutividade afetiva.
vem mais pela roda de conversa do que pela carga.

encostado num banco, vejo o prestativo profissional.
não treina sem interromper o treino dos outros.
ajusta o cotovelo de desconhecidos, ensina como segurar o halter, sugere variação mesmo sem ser chamado.
fala baixo, mas com tom de dono da razão.
acha que tá ajudando.
e talvez esteja.
mas dá vontade de levantar o supino e sumir com ele.

roda o salão o tagarela do nada físico.
circuita todos os cantos da academia com um papo que não acaba nunca.
conta história, comenta treino, compartilha a vida.
só não malha.
tá sempre indo pra algum aparelho.
nunca chega.
é o aeróbico oral involuntário.

ao lado do espelho, vejo o viciado em reflexo.
olha pra si como se tivesse dúvidas existenciais a cada repetição.
verifica cada ângulo.
ajeita o cabelo.
contrai. relaxa. contrai de novo.
não busca resultado.
busca confirmação.
é o narciso hipertrofiado.
não pode existir sem ver a própria existência.

passa perto de mim o maluco visionário da musculação.
faz um treino que ninguém ensinou.
inventa movimentos. mistura aparelho. junta corda com agachamento, bicicleta com salto.
um caos coreografado.
ninguém entende.
nem ele.
mas parece satisfeito.
como todo fanático sem doutrina.

perto da janela, senta o monge do silêncio absoluto.
chegou, treinou, vai embora.
sem falar.
sem sorrir.
sem existir além daquilo.
ninguém conhece.
ninguém perturba.
é o fantasma do foco puro.
a sombra que carrega disciplina real.

num canto estratégico, sempre vejo o vendedor da verdade muscular.
sabe tudo. fala pouco.
quando fala, é certeiro.
não tenta impressionar.
só acerta.
explica sem arrogância.
ensina sem teatro.
não quer palmas.
quer precisão.
é raro.
e por isso, assustador.

tem ainda o maratonista da indecisão estética.
chega, gira, avalia, dá meia-volta.
experimenta o aparelho, desiste. senta, levanta. gira mais um pouco.
é o looping da dúvida materializada.
treinar? não treina.
mas percorre a academia como quem busca um sentido místico no próprio deslocamento.

vejo o que entra com uma mochila de 40 litros e um semblante de quem vai acampar no supino.
abre compartimentos, tira pote, toalha, creme, fone, cinto, shake, outro shake.
tudo milimetricamente organizado.
tudo milimetricamente inútil.
é o escoteiro do fitness.
preparado pra tudo.
menos pra treinar.

ali no canto, senta o que parece estar sempre no dia mais difícil da vida.
olhar perdido, repetições arrastadas, respiração pesada demais pra carga leve.
não olha pra ninguém.
não escuta nada.
é o mártir do treino existencial.
tá ali por obrigação cósmica.
e por medo de parar.

cruza meu caminho o que passa o treino inteiro falando com a câmera.
não é influencer.
mas tenta.
não convence.
mas insiste.
é o protagonista de série que ninguém assiste.
treina como quem grava um documentário premiado sobre a própria mediocridade.
e acredita piamente que vai viralizar.

no espelho lateral, alguém testa todos os ângulos do corpo a cada trinta segundos.
faz uma série, olha de lado.
dá um passo, confere a sombra.
ajeita a roupa, verifica o caimento.
é o estilista da própria vaidade ambulante.
não veio melhorar.
veio confirmar que ainda é bonito, ou pelo menos, simétrico.

e no bebedouro, de novo, vejo a figura que toma água como quem toma coragem.
a cada gole, um respiro.
a cada pausa, um suspiro.
nunca treina por mais de dois minutos sem parar pra “hidratar”.
é o navegador da fuga líquida.
não se engana.
só se atrasa.
e acha que tá tudo bem.
talvez esteja.
talvez não.
não sou eu que vou dizer.
só observo.

e cá entre nós?
o circo é ótimo.
todo dia uma trupe nova.
o que grita. o que posa. o que medita entre séries.
todo mundo fingindo que venceu alguma coisa.
todo mundo cheio de disciplina, cheio de foco,
cheio de medo.

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2025

o tal ecossistema

não é amor por tecnologia.
não é praticidade.
não é escolha consciente.
é síndrome de estocolmo digital.

eu sei porque eu também tô dentro.
fui seduzido por essa ladainha de “experiência fluida”. me entreguei de peito aberto à promessa de que “tudo se conecta”, que “é só tirar da caixa e usar”. acreditei que esse era o futuro. toquei na maçã como se fosse uma religião, sincronizei meu relógio, meu fone, meu notebook, meu aspirador. me emocionei com notificação no pulso como se fosse telegrama da rainha.

e funcionou.
claro que funcionou.
é feito pra isso, pra funcionar tão bem que você nem percebe o que tá perdendo.

até que um dia abri a gaveta e vi o velho android ali. desligado. grosso. desengonçado. com mais possibilidades que a porra da NASA inteira. e ali me bateu… eu não escolhi merda nenhuma. eu só deixei que escolhessem por mim.

porque não importa a marca… apple, samsung, google, xiaomi. todas são parte da mesma peça, só trocaram o figurino. a apple vem de terno preto, cheirando a madeira nobre e veganismo de boutique. a samsung chega com blazer colorido, cheia de telas dobráveis e promessas de liberdade que ninguém pediu. o google vem com cara de hippie tech, dizendo que é “tudo aberto”, mas monitora até o tempo que você gasta pra cagar.

e a gente?
a gente defende. defende com fúria. com garra. como se estivesse falando da honra da própria família. eu já fiz isso. já briguei por marca como quem defende banda favorita ou signo solar. já falei “meu sistema é melhor” com a convicção de um coach em ayahuasca.

mas hoje, sendo honesto, sei que não tem “melhor”. tem só o que te dominou primeiro. o que te deu o mínimo de esforço e o máximo de controle sobre você. e a partir daí, você chama isso de ecossistema.

“ah, mas tudo conversa entre si!” claro. é uma panelinha digital. tudo se conversa dentro do mesmo feudo. quer sair? tenta. conecta um acessório diferente, um fone aleatório, uma TV não compatível. vai sentir o peso da palavra fricção. tudo foi feito pra funcionar… desde que você não ouse pensar fora do cercadinho.

e tem solução? tem. mas dá trabalho. tem app, tem integração entre marcas, tem liberdade. mas ninguém quer isso. ninguém quer fuçar fórum, testar app, aprender. a gente quer serviço de quarto tecnológico. quer que o sistema leia nossa mente, escolha por nós e ainda diga: “você está indo muito bem, campeão.”

e eu me vejo nisso.
nessa preguiça confortável. nessa cegueira gourmetizada. nessa vida embalada a vácuo por notificações perfeitamente sincronizadas.
e no fundo sei que estou domesticado.
mas resisto.
ainda resisto.
nem que seja escrevendo isso aqui, com um pé na maçã, outro na lama do android, e o olho no futuro, esperando alguém inventar alguma coisa que me permita viver fora dessa porra toda e ainda assim ouvir música no bluetooth do carro sem travar o gps.

um dia. quem sabe… essa é a utopia moderna.
não paz mundial. não a cura do câncer.
é conseguir parear dois dispositivos sem ter que rezar pra são jobs, refazer a rede wi-fi, sacrificar um bode e reiniciar tudo três vezes.

porque hoje em dia, ser livre não é fugir pro mato… é conseguir abrir um pdf no celular e continuar no notebook sem virar refém de um ecossistema que te trata como um imbecil funcional.

e não me entenda mal… eu mordo a isca.
eu tô tão preso quanto você.
só que eu sei. eu vejo o cercado.
e tem dias que olho pro meu setup, celular, notebook, relógio, fone e penso caralho, eu virei um funcionário não remunerado da apple/google/samsung s/a.

é o capitalismo emocional com fundo musical e atualização de firmware.

você acha que é dono das coisas, mas é só um inquilino metido.
tudo é “seamless”, desde que você não queira sair do condomínio.
porque aí, meu amigo, aí começa o inferno, incompatibilidade, perda de dados, interfaces hostis, protocolos obscuros que parecem saídos de algum manual soviético.

mas a gente engole.
com gosto.
a gente defende com mais fervor que time de futebol.
como se ter o celular conversando com a cafeteira fosse prova de inteligência superior.

mas sabe o que é?
isso não é tecnologia. é massagem prostática pro ego preguiçoso.
você não quer liberdade. você quer não ter que pensar.

e as marcas sabem.
sabem que estamos exaustos, zumbis querendo só um botão que diga “foda-se, resolve isso pra mim”.
e elas resolvem. com um sorrisinho falso, uma notificação limpa, e o contrato assinado com teu silêncio.

no fim, não importa se é apple, samsung ou qualquer outro messias digital da semana.
você acha que escolheu seu lado.

mas a verdade?

você só tá decidindo quem vai te tratar como idiota com mais elegância.