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2024

posicionamento

se posicionar hoje é um ato quase suicida. vivemos uma era em que o meio termo se dissolveu como açúcar em um café amargo, e quem ousa tentar navegar entre os extremos, buscando nuances ou equilíbrio, é imediatamente esmagado pelas vozes mais altas, mais irritadas e, ironicamente, as menos reflexivas. tentar escutar as várias camadas de uma conversa? esqueça. a escuta ativa evaporou junto com o respeito pelo outro. o espaço para o diálogo honesto foi substituído por trincheiras de certezas absolutas, onde o único objetivo é vencer a qualquer custo – ainda que isso signifique perder o que mais importa: a humanidade.

só que, em tempos assim, posicionar-se não é só uma questão de coragem. é uma necessidade. porque o silêncio, nesses casos, não é neutralidade. o silêncio se transforma em uma conivência perigosa. e o mais absurdo é que, ao se posicionar, você não ganha nada além de novos inimigos. seja qual for o lado, alguém vai te odiar, te rotular, te cancelar. e por quê? porque o extremismo se tornou a voz da vez, enquanto a ponderação virou quase um palavrão. ou você está “com a gente”, ou é o inimigo. simples assim. zero espaço para debates reais, para explorar o cinza entre o preto e o branco.

a verdade é que estamos mais preocupados em ganhar discussões do que em entender a perspectiva do outro. é como se escutar alguém que pensa diferente fosse, de alguma forma, abrir mão de suas próprias convicções. não é. escutar não significa concordar; significa reconhecer que, para construir um mundo menos binário, precisamos, no mínimo, considerar que as pessoas têm experiências e percepções diferentes. mas isso não se vende bem. não rende likes, não viraliza. o extremismo, esse sim, gera audiência. o confronto vende.

e no meio disso tudo, fica a questão: como se posicionar sem ser engolido por essa máquina de extremismo? a resposta talvez seja mais simples do que parece: sendo teimosamente humano. insistindo em escutar. forçando a nuance. não se rendendo à facilidade do “nós contra eles”. não é fácil, e certamente não vai te trazer um exército de seguidores. mas, no final do dia, não é essa a questão. o objetivo não é ser amado por todos. é, no mínimo, poder se olhar no espelho e saber que você não se curvou à polarização barata que transforma pessoas em caricaturas de si mesmas.