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2024

correr

correr. olha, eu sei que muita gente ama pintar isso como a atividade gloriosa dos deuses da disciplina, como se cada passo fosse uma lição de vida sobre determinação, foco e força de vontade. mas, sejamos honestos, correr é doloroso. não tem glamour nisso. você tá ali, sozinho, com seu próprio corpo te traindo a cada segundo, o coração martelando no peito, os pulmões implorando por misericórdia, e as pernas? bom, as pernas tão gritando “pelo amor de deus, para!”… e o que você faz? continua. porque é isso que se faz. você continua.

e por quê? qual é a droga nesse sofrimento voluntário? é que, no fundo, correr é a coisa mais primitiva que a gente pode fazer. não tem aplicativo que vai te ajudar, não tem playlist que vai mascarar a dor. você está completamente vulnerável. cada passo é uma luta com você mesmo, e, ironicamente, é nesse embate que a gente se encontra. parece masoquismo? talvez seja. mas tem algo profundamente humano em colocar o corpo à prova, em desafiar os limites – mesmo que ninguém esteja olhando.

agora, não me venha com essa conversa de “runner’s high”. se alguém te disser que correr é libertador e que, depois de alguns quilômetros, você entra num estado de euforia, pode apostar que essa pessoa tá romantizando a coisa. o que realmente acontece é o contrário: depois de um tempo, você entra numa espécie de transe de sofrimento. a dor continua ali, constante, mas você aprende a conviver com ela. é uma guerra mental. você começa a negociar consigo mesmo. “só mais um quilômetro”, “só mais cinco minutos”. e quando você percebe, chegou. não porque foi fácil, mas porque a sua teimosia foi maior do que a sua dor.

e o mais irônico? a sociedade que a gente vive adora enaltecer a velocidade. todo mundo quer hackear o sucesso, encontrar o atalho, fazer tudo mais rápido. mas correr é justamente o oposto disso. é sobre aceitar o ritmo, abraçar a lentidão. você corre porque sabe que a única maneira de chegar é continuar, um passo de cada vez. não tem truque, não tem mágica. só tem persistência.

correr é a metáfora perfeita pra vida, mas não da maneira que te contam. não é sobre alcançar objetivos. é sobre lidar com a realidade de que o caminho é cheio de tropeços, de dor, de dias em que você não quer nem levantar da cama. é sobre aceitar que a única maneira de sobreviver a esse caos é seguir em frente, mesmo quando tudo dentro de você implora pra parar.

então, sim, correr é um ato de resistência. resistência ao conforto, à preguiça, ao cansaço. e é por isso que eu corro. não porque quero me sentir um super-humano ou porque acredito na baboseira do “runner’s high”, mas porque correr me lembra que eu sou forte o suficiente pra continuar, mesmo quando cada célula do meu corpo me diz que já deu.