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2024

manifesto aos profissionais de marketing

nós, os profissionais de marketing, somos os arquitetos do desejo moderno. estamos sempre prontos para construir um mundo de aparências, um universo onde cada produto, cada serviço, cada ideia é uma promessa embalada para presente. somos os especialistas em transformar o comum no essencial, em te fazer sentir que está a uma compra de distância da felicidade, do status, da autoconfiança, da vida dos seus sonhos. é um teatro cuidadosamente planejado, onde você acredita que precisa daquilo que nunca sequer imaginou querer.

é nossa arte, nossa ciência, nossa religião. dia após dia, empurramos campanhas que fazem você pensar que aquela jaqueta, aquele novo celular, aquele café orgânico “especial” vão finalmente te trazer aquele algo mais. fazemos isso porque sabemos exatamente como sua cabeça funciona, sabemos como cutucar aquela insegurança escondida, aquela necessidade de pertencimento, aquela carência por algo que nem você sabe definir. e no fundo, sabemos que é uma mentira. sabemos que a felicidade que vendemos é tão fugaz quanto o próximo lançamento.

mas e agora? agora, estamos começando a sentir o desgaste. podemos ver que o consumidor, esse pobre coitado que já encheu a casa, o armário, a garagem de tralha, está exausto. cansado de promessas vazias, saturado de campanhas “disruptivas” que são só mais do mesmo. e o que fazemos? dobramos a aposta. tentamos gritar ainda mais alto. lançamos mais uma “experiência transformadora”, um produto “revolucionário”, como se ninguém tivesse percebido o truque. e a ironia é que, enquanto continuamos a reciclar esse teatro, as pessoas do outro lado estão começando a entender que a piada é sempre a mesma – e que o alvo, no fim das contas, são elas.

de vez em quando, aparece uma marca que resolve desafiar esse circo – como a Patagonia, que ousou dizer: “não compre esta jaqueta.” uma empresa de roupas dizendo ao consumidor que ele não precisa de mais roupas. é de cair o queixo, porque eles entenderam algo que a maioria de nós finge ignorar: talvez o verdadeiro luxo, o verdadeiro marketing de impacto, seja vender a ideia de não consumir. mostrar que a coisa mais poderosa que você pode ter hoje é o poder de dizer “não, obrigado. eu já tenho o suficiente”. a Patagonia não só falou, como fez. eles ofereceram reparos gratuitos, incentivaram o reuso, convidaram o consumidor a parar de comprar compulsivamente. não era um truque barato de sustentabilidade; era uma afronta real ao modelo de negócios que mantém a maioria de nós confortáveis e bem pagos.

e aí vem a questão: quantas empresas seguiram esse caminho? quantos de nós realmente tiveram a coragem de olhar pra nossa própria indústria e questionar tudo? quase ninguém. porque é muito mais fácil pegar a palavra “consciente” e usá-la como mais um acessório, mais uma isca pra fisgar o consumidor que já está tentando fugir desse ciclo. “compra sustentável”, “consumo responsável” – transformamos essas palavras em mais um verniz de virtude que não nos obriga a mudar nada de verdade.

a verdade é que a maioria de nós não tem coragem de arriscar, de subverter o jogo, de admitir que talvez o melhor marketing que poderíamos fazer fosse ensinar o mundo a viver com menos. vender o que ninguém vende: o direito de não precisar de nada. mas isso, claro, é o tipo de coisa que ameaça tudo o que conhecemos. no final das contas, seguimos empurrando o vazio, porque é o vazio que alimenta a máquina.

então, estamos aqui, repetindo o mesmo ciclo, vendendo o mesmo sonho em novas embalagens, torcendo para que ninguém perceba que o que estamos oferecendo nunca foi real. mas talvez, no fundo, a única coisa realmente revolucionária que poderíamos fazer seria olhar no espelho e aceitar a verdade: a paz, a liberdade, a autenticidade que vendemos nunca esteve à venda. e talvez nunca esteja.