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2024

viajar pra mim

viajar nunca foi, e nunca será, sobre comprar coisas. pelo menos, não pra mim. quem sai pelo mundo com o único objetivo de voltar com a mala cheia de tranqueiras e roupas que “ninguém vai ter igual” está simplesmente fazendo turismo de má fé. é quase um crime contra a viagem em si, contra o ato sagrado de se perder e se encontrar no desconhecido.

eu não cruzo oceanos pra brigar com vendedores de lembrancinhas por um desconto de dois dólares num chaveiro horroroso ou pra fingir que aquele lenço barato comprado na praça central de marrakech é um item cultural e não algo que foi fabricado em massa na china. essas coisas, no final, não carregam história, não carregam alma. carregam, no máximo, a vergonha de ter cedido ao consumismo sem propósito.

minha forma de viajar é outra. eu vou atrás do incômodo, do inesperado, do desconfortável. quero aquele cheiro indecifrável que invade os mercados de rua, uma mistura entre especiarias, suor humano e alguma coisa que parece estar apodrecendo há semanas. quero entrar em um restaurante onde ninguém fala minha língua e o menu é um código indecifrável, escrito à mão e manchado de gordura. quero sentar num banquinho de plástico que provavelmente vai quebrar em algum beco qualquer, pedir algo apontando pra panela e torcer pra que não seja fígado cru ou olhos de peixe. mas, mesmo que seja, tudo bem. é parte do jogo.

não me interessa gastar horas dentro de shoppings brilhantes ou lojas de marca, como se estivesse vivendo uma versão exótica do meu dia a dia enfadonho. e menos ainda me interessa trazer de volta qualquer coisa que não possa ser comida, bebida ou sentida. porque, convenhamos, a verdadeira riqueza de uma viagem é aquilo que você não consegue embalar pra presente. é o gosto, o cheiro, a sensação de estar vivo em um lugar onde nada faz sentido — e isso, amigo, você não encontra na prateleira.

então, sim, pode ficar com sua mala cheia de bugigangas e sua listinha de “o que comprar em bangkok”. eu fico com as noites em que me perco em cidades que nunca dormem, com os sabores que ficam grudados na memória e com as histórias que conto anos depois, enquanto as suas bugigangas viram poeira no fundo do armário. viajar, pra mim, é abraçar o mundo sem carregar nada. é sair leve e voltar pesado de experiências.