
lembro de uma conversa numa sala qualquer, em algum ponto da minha vida onde eu deveria estar mais interessado no que estava acontecendo, mas não estava. um conhecido – daqueles tipos que parecem viver com um manual de instruções escondido no bolso – estava despejando verdades universais como se fossem confetes em um desfile. cada frase era uma martelada de certeza, uma declaração empolgada de como ele tinha descoberto o jeito certo de viver, de pensar, de existir. e ali, naquele momento, algo dentro de mim simplesmente desligou.
não foi raiva. não foi desprezo. foi mais como aquela sensação que você tem quando percebe que está no lugar errado, ouvindo algo que não só não faz sentido pra você, mas que nunca vai fazer. porque, para mim, a certeza – essa fé inabalável de que se está certo – sempre teve o cheiro azedo de comida que passou do ponto. algo que parece bom à primeira vista, mas que você sabe que vai te fazer mal.
o problema da certeza é que ela te fecha. ela te amarra e te joga dentro de uma caixa onde as coisas são previsíveis, organizadas, e completamente sem graça. e devoção? devoção é o próximo estágio desse veneno. é quando você não só acredita na sua própria história, mas começa a insistir que todo mundo deveria acreditar também. conheço gente assim. você conhece gente assim. o mundo está cheio deles. eles sorriem, entregam as respostas prontas, e te olham como se você fosse um tolo por não pegar o pacote completo.
mas o que essas pessoas nunca entendem – o que eu nunca consegui entender nelas – é como alguém pode achar que está absolutamente certo sobre qualquer coisa. como você acorda de manhã, olha no espelho e diz: “sim, eu tenho todas as respostas”? porque, se tem uma coisa que aprendi, é que as melhores partes da vida vêm de não saber. do erro, da dúvida, do desconforto constante de se perguntar se você não está apenas ferrando tudo o tempo todo.
é aí que eu vivo. nesse espaço confuso, onde as perguntas nunca param de chegar e as respostas, quando aparecem, são quase sempre temporárias e incompletas. e sabe o que mais? eu gosto disso. gosto de não saber. gosto de me questionar. gosto de olhar para algo que parece sólido e pensar: será mesmo? porque é nesse questionamento que as coisas ficam interessantes. é onde você encontra as nuances, as contradições, o que realmente vale a pena.
eu já vi o que a devoção faz com as pessoas. ela tira delas a capacidade de rir, de duvidar, de admitir que talvez – só talvez – elas estejam erradas. porque, no fundo, devoção é só medo com uma boa maquiagem. é o medo de olhar para o vazio e admitir que ele está lá. e, honestamente? eu prefiro o vazio. prefiro o desconforto. prefiro encarar o caos de frente e dizer: “tudo bem, eu não sei o que estou fazendo, mas pelo menos não estou fingindo que sei.”
então, não. não quero respostas prontas. não quero a segurança da certeza ou o calor falso da devoção. quero as dúvidas. quero as falhas. quero me perder e errar, e talvez nunca encontrar o caminho certo. porque, no final, é isso que torna tudo suportável: a ideia de que não existe um manual, e está tudo bem não saber o que vem depois…