
se você quer entender como as pessoas pensam, comece por aquilo que elas leem — ou, talvez mais importante, o que elas não leem. em tempos onde todo mundo está obcecado por parecer produtivo, acumulando livros de autoajuda que prometem “libertação” e “propósito” (mas só entregam frases de efeito prontas para posts no instagram), eu decidi seguir um caminho oposto. meus livros desse ano não são guias para ser “melhor”, “mais rápido” ou “mais eficiente”. aliás, se você quer motivação, sugiro um bom café ou um soco na cara da realidade, não livros.
o que eu busquei — e encontrei — foram histórias que incomodam, ideias que fazem pensar, e, claro, textos que sangram humanidade. aqui você não vai encontrar nenhuma daquelas porcarias motivacionais ou romances açucarados vendidos como “obra do ano”. o que você vai ver é uma lista que fede a vida real: gente quebrada, ideias fora do lugar, beleza desconfortável e um convite para pensar. porque ler, de verdade, nunca foi sobre se tornar uma versão melhor de si mesmo. é sobre entender o mundo, ou, pelo menos, perceber que ele é muito maior do que a sua bolha.
esses foram os livros que me acompanharam. alguns são velhos como o tempo, outros carregam um frescor ácido. todos me desafiaram, e nenhum deles está preocupado em te agradar.
1. “tortilla flat” – john steinbeck
uma ode à vagabundagem e ao hedonismo despretensioso. é sobre beber vinho barato e se perder no calor da califórnia. uma novela que diz “foda-se” para a ambição capitalista e ainda faz você rir disso.
2. “o ensaio sobre a cegueira” – josé saramago
basicamente: o apocalipse não precisa de zumbis, só de gente normal o suficiente para ser assustadora. uma metáfora brilhante sobre como somos cegos, mesmo vendo. pesado, mas delicioso.
3. “os detetives selvagens” – roberto bolaño
poetas desajustados, amores ruins, obsessões loucas e um bocado de drogas. uma mistura entre beatnik e novela de formação, mas sem a dose insuportável de pretensão. arte crua.
4. “o inferno” – dante alighieri
se você acha que inferno é enfrentar fila no supermercado, dante vai te mostrar o que é dor de verdade. poesia épica com pitadas de sadismo, imaginação e uma boa dose de vingança literária.
5. “under the volcano” – malcolm lowry
a experiência de um alcoólatra no méxico que mistura agonia e beleza com a precisão de quem já se embebedou no inferno. é denso. é sombrio. é gloriosamente humano.
6. “misto quente” – charles bukowski
sim, o velho sujo está na lista porque ninguém escreve sobre a miséria e a poesia do ordinário como ele. se não gosta, talvez não entenda a magia de transformar nada em algo visceral.
7. “meditações” – marco aurélio
um imperador romano fazendo um diário pessoal sobre como a vida é ridícula e ao mesmo tempo sublime. filosofia estoica que não tem nada a ver com os “coaches de estoicismo” de hoje.
8. “stiff: the curious lives of human cadavers” – mary roach
sabe aquele papo sobre o que acontece com nossos corpos depois que morremos? é perturbador, engraçado e muito mais interessante do que qualquer reunião de condomínio que você já foi.
9. “as veias abertas da américa latina” – eduardo galeano
história, política e denúncia em formato de poesia que machuca. um tapa na cara de quem acha que sabe alguma coisa sobre colonialismo.
10. “o estrangeiro” – albert camus
nada mais clássico do que a indiferença absurda de meursault. a sensação de que nada importa, mas de um jeito que importa tanto que você não consegue parar de pensar nisso.
11. “pátria” – fernando aramburu
uma narrativa sobre o terrorismo do eta na espanha, mas que, na real, fala sobre como rancores e memórias destroem famílias. brilhantemente doloroso.
12. “o som e a fúria” – william faulkner
não é leitura fácil. mas quem disse que coisas boas vêm fáceis? uma exploração surreal da decadência, da família e da passagem do tempo.
13. “o livro do desassossego” – fernando pessoa (ou bernardo soares, sei lá)
melancolia destilada em frases tão bem escritas que vão te dar vontade de beber absinto em silêncio. um hino à inquietação existencial.
14. “décameron” – giovanni boccaccio
antes de netflix e memes, as pessoas sobreviviam à peste negra contando histórias cheias de sacanagem, ironia e inteligência. boccaccio te mostra que humanidade é isso: rir na beira do abismo.
15. “a morte de ivan ilitch” – leão tolstói
uma aula sobre como somos patéticos ao ignorar a morte até que ela nos encara de frente. pequeno, direto, esmagador.
16. “a piada” – milan kundera
ironia e vingança em um cenário comunista. é sobre como piadas podem destruir vidas, mas também é sobre tudo que é humano e fodidamente irônico.
17. “medo e delírio em las vegas” – hunter s. thompson
uma bad trip tão literária quanto real. se hunter não estivesse drogado escrevendo, você certamente vai ficar só lendo.
18. “o mestre e margarida” – mikhail bulgakov
diabo em moscou, gatos que falam e doses absurdas de sarcasmo. é como um circo literário de primeira classe.
19. “os lusíadas” – luís de camões
o épico português, porque às vezes precisamos de um lembrete de que a ambição humana já foi sobre desbravar mares, não apenas ganhar likes.
20. “o coração das trevas” – joseph conrad
leitura obrigatória se você quer entender como a alma humana pode ser podre e gloriosa ao mesmo tempo. curto e brutal como uma facada.
então é isso. esses foram os livros que me fizeram companhia, que me provocaram, que às vezes me deixaram com raiva ou me fizeram rir alto no meio do nada. não tem fórmula mágica aqui, não tem “segredos para o sucesso” ou qualquer porcaria que promete te salvar de você mesmo. só histórias que cutucam, ideias que desafiam, gente escrevendo porque, de alguma forma, o caos da vida precisa sair de dentro da cabeça e virar palavras.
e sabe o que é melhor? nenhum deles quer te ensinar nada. porque a literatura de verdade não vem com moral da história nem com propósito pré-embalado. ela te deixa perdido, desconfortável, cheio de perguntas. se isso não é um bom motivo para abrir um livro, não sei o que é. mas, se não gostou da lista, tudo bem também. talvez você só precise mesmo daquele seu best-seller de capa azul prometendo “revolucionar sua manhã”. boa sorte com isso. eu fico aqui com a bagunça, o sarcasmo e o estranho prazer de não ter todas as respostas.