
dezembro chegou. o mês em que o mundo inteiro decide transformar o consumo cultural em um jogo patético de quem ouviu mais, assistiu mais ou passou mais tempo hipnotizado por uma tela. “72.456 minutos de música no spotify!” uau. sabe o que isso realmente significa? você basicamente entregou 50 dias inteiros para um algoritmo te pilotar como um drone. e agora acha que merece uma medalha por ter sido “o ouvinte número 1” de alguma banda obscura que nem você vai lembrar em janeiro. fascinante.
enquanto isso, eu sigo com meu ipod classic. sim, aquele retângulo de metal e nostalgia que, por algum milagre, ainda funciona. ele não me manda relatórios ou gráficos coloridos. ele não me diz que estou “descobrindo tendências” ou que fui o primeiro a ouvir alguma música. sabe por quê? porque nele, a música não é sobre métricas. é sobre escolha. sobre pegar highway 61 revisited, do dylan, e sentir cada nota como se fosse a primeira vez. nada de “recomendações personalizadas” ou playlists genéricas baseadas no que o mundo inteiro já está ouvindo. só eu, minhas músicas e memórias reais.
e os filmes? ah, claro. enquanto todos estão presos ao inferno do streaming, rolando infinitamente por catálogos medíocres que mudam de um mês para o outro, eu tenho minha prateleira de blu-rays. blade runner. seven samurai. o grande lebowski. você sabe, filmes que ficam, não coisas que desaparecem quando uma plataforma decide cortar custos. quero assistir algo? eu escolho. não fico refém de um “autoplay” te empurrando para o próximo conteúdo como se fosse fast food emocional.
mas o que me fascina mesmo é essa obsessão moderna por quantificar tudo. “eu fui o ouvinte número 1 de tal artista!” e daí? isso te transformou? isso marcou um momento? ou você só deixou tocar no fundo enquanto fazia outra coisa? eu me lembro exatamente da primeira vez que ouvi heroes, do bowie. foi num cd emprestado, num momento específico, que ficou gravado na memória. e sabe por quê? porque a música não era sobre números ou rankings. era sobre sentir algo. sobre estar presente. sobre viver.
e é isso que falta. viver. hoje, todo mundo deixou que máquinas decidam por eles. o próximo filme, a próxima música, até o próximo livro. “baseado no seu histórico.” mas e se eu quiser algo que não faz sentido? e se eu quiser quebrar o padrão? as pessoas não querem mais escolher. querem que escolham por elas. porque dá menos trabalho. porque é mais fácil. porque o algoritmo sempre está lá para segurar a sua mão e dizer: “aqui está o próximo.”
mas não pra mim. eu não preciso de uma máquina me dizendo o que sentir ou o que lembrar. minhas escolhas são caóticas, imperfeitas e, acima de tudo, minhas. e sabe o que é melhor? não tenho gráficos para compartilhar. nenhuma estatística para exibir. só memórias reais. e, no fim, isso vale muito mais do que qualquer número na tela.