
o mundo corporativo é uma grande máquina de lavar cérebros, um espetáculo cuidadosamente coreografado de acenos de cabeça e concordâncias forçadas, onde a autenticidade vai para morrer e a mediocridade veste terno e gravata. ninguém aqui quer a verdade. ninguém quer questionamentos. ninguém quer a pedra no sapato, o grão de areia na engrenagem, o sujeito que enxerga que por trás das palavras bonitas,sinergia, inovação, propósito, existe apenas um grande vazio embalado em powerpoints coloridos. e para garantir que você não veja isso, eles te dão a aspirina.
não a pílula literal, claro. mas algo muito pior: a anestesia comportamental, o condicionamento, a dose diária de conformidade disfarçada de “cultura organizacional”. eles te vendem a ilusão de pertencimento, te enfiam em dinâmicas de equipe forçadas, te convencem de que a meta absurda que te deram é, na verdade, uma “oportunidade de crescimento”. porque, veja bem, não basta apenas explorar seu tempo, sua paciência e sua sanidade, é preciso que você sorria enquanto isso acontece. é preciso que você engula tudo sem mastigar, sem questionar, sem perceber o quão doentio é se convencer de que um aumento de 3% ao ano é gratidão suficiente por ter sacrificado sua vida em reuniões intermináveis.
a aspirina está na forma como eles te ensinam a não questionar. a se calar quando o chefe diz algo estúpido. a engolir seco quando um incompetente é promovido enquanto você continua ali, apagando incêndios e recebendo palmadinhas nas costas. está no e-mail corporativo que chega às 22h, mas é acompanhado de um “só amanhã, sem pressa” que todo mundo sabe que é mentira. está nos feedbacks vagos, na gestão que se diz “horizontal” mas ainda obedece cegamente meia dúzia de engravatados que não fazem ideia do que você faz. a aspirina não serve para aliviar a dor. serve para te impedir de percebê-la.
e quem se recusa a tomá-la? ah, esse não dura. esse se torna o estranho. o “difícil de lidar”. o que “não tem espírito de equipe”. o que olha em volta e percebe que ninguém está realmente vivo ali dentro, apenas existindo, cumprindo tabela, marcando o ponto, aceitando tudo porque pensar na alternativa, que talvez tudo isso seja uma perda de tempo monumental, dá vertigem. e então, meu amigo, vem o momento decisivo: ou você engole a aspirina, silencia a voz na sua cabeça e aceita seu lugar no teatro, ou cospe fora, levanta e descobre o preço real de ver as coisas como elas são.
e esse preço não é barato. porque cuspir a aspirina, rejeitar a anestesia, significa ser expulso do clube. significa ver os olhares trocados quando você fala. significa receber aquele sorrisinho condescendente quando você questiona uma decisão absurda na reunião de equipe. significa que, cedo ou tarde, alguém vai te chamar para uma conversa “informal”… aquele papo amistoso, aquela “troca de ideias”, onde um chefe bem treinado vai, com a voz mais calma do mundo, te perguntar se está tudo bem, se você “está feliz aqui”. a tradução real disso? você está incomodando. você está estragando o jogo. você está se tornando um problema.
porque ninguém gosta do sujeito que enxerga a farsa. ninguém quer sentar ao lado dele no almoço. ninguém quer ser lembrado, o tempo todo, de que aquele entusiasmo forçado nas reuniões semanais é apenas um mecanismo de defesa para não enlouquecer. e é por isso que os que não tomam a aspirina acabam saindo… por conta própria ou empurrados para fora, disfarçadamente, como quem acena um adeus amigável a um colega que “optou por novos desafios” (porque ninguém nunca é demitido, ninguém nunca é sufocado até pedir para sair, eles só “seguem novos caminhos”, certo?).
e o que acontece com quem fica? eles dobram a dose. aceitam mais metas ridículas, participam de mais workshops vazios, decoram mais frases de efeito sobre “pensar fora da caixa” enquanto continuam perfeitamente encaixados na caixa que lhes deram. assistem, sem reação, à chegada de mais um chefe novo, mais um salvador corporativo que vai prometer revolução e entregar apenas mais reuniões. e seguem assim, cada vez mais imersos, cada vez mais incapazes de imaginar um mundo fora desse, até que um dia percebem que passaram 10, 15, 20 anos aqui dentro e que já não sabem mais quem eram antes disso tudo começar.
e no final? bom, no final a empresa manda um e-mail bonito quando você sai. um agradecimento protocolar. um convite para um café que nunca vai acontecer. um reconhecimento falso pelo tempo que você dedicou. e então, num piscar de olhos, o seu nome some do sistema, sua foto desaparece do organograma, e a cadeira onde você sentava já tem outro ocupante, mastigando a mesma aspirina, pronto para repetir o ciclo.