
pensar. esse hábito antiquado, quase um desvio de conduta nos dias de hoje. lembro de um tempo em que refletir antes de abrir a boca era considerado uma virtude, uma qualidade mínima para evitar parecer um completo idiota. mas claro, esse tempo passou. agora, a regra é falar primeiro, pensar nunca, e se alguém te chamar de burro, gritar mais alto.
e eu? eu olho ao redor e só vejo um exército de idiotas com megafones, cada um mais convicto da própria estupidez do que o outro. antes, as pessoas pelo menos tinham um leve senso de vergonha quando falavam merda. um olhar desviado, uma risadinha nervosa, um “ah, foi mal, viajei aqui”. hoje? hoje não. hoje a ignorância vem sem freios, sem filtros, sem um mísero pingo de constrangimento. é um festival de absurdos proclamados com a confiança de um professor de harvard, só que sem o detalhe incômodo do conhecimento.
o mais fascinante é que ninguém quer saber a verdade. a verdade dói. a verdade incomoda. a verdade exige pensar. e pensar é cansativo. então pra quê? por que fazer esse esforço desnecessário quando se pode simplesmente repetir frases prontas, cuspir qualquer besteira e ainda sair como vencedor? porque é isso que se faz hoje: quem grita mais, ganha. quem questiona, perde.
eu entro num café e vejo alguém defendendo uma teoria absurda com a certeza absoluta de um messias. um imbecil qualquer, sem qualquer experiência, explicando para um médico como medicina funciona. um idiota com dois neurônios e um wi-fi discutindo ciência com um pesquisador que dedicou 30 anos da vida ao assunto. e o pior? ele sai da conversa convencido de que venceu. porque no mundo de hoje, ter opinião virou sinônimo de estar certo.
a ignorância virou uma escolha consciente, um clube exclusivo para quem rejeita o desconforto do conhecimento. antes, a gente chamava isso de burrice. agora, chamamos de “autenticidade”. um bando de adultos infantilizados, orgulhosos de saber menos do que deveriam, prontos para atacar qualquer um que ameace o frágil castelo de cartas de suas certezas vazias.
eu me sinto cada vez mais um dinossauro, um fóssil ambulante num mundo onde o cérebro é peça decorativa. não que eu me importe. eu ainda penso, ainda questiono, ainda me dou ao trabalho de enxergar nuances onde os outros só veem preto e branco. mas sei que isso me torna uma espécie em extinção. o mundo não quer pensadores. quer repetidores. quer gente dócil, previsível, manipulável. quer um cardume de peixes nadando na mesma direção, felizes e inconscientes, rumo ao anzol.
pensar morreu e ninguém nem apareceu no enterro. ninguém mandou flores, ninguém fez discurso emocionado, ninguém derramou uma lágrima sequer. porque pensar dá trabalho. exige esforço. exige encarar o fato incômodo de que talvez, só talvez, você esteja errado. e quem, em sã consciência, quer lidar com isso?
é muito mais fácil seguir o fluxo, repetir qualquer merda que aparece na tela do celular, absorver manchetes como se fossem evangelhos. virou um grande concurso de quem fala a maior estupidez com a maior convicção. e o pior? os competidores estão cada vez melhores. gente que nunca abriu um livro, nunca estudou um tema a fundo, nunca passou uma madrugada mergulhado em dúvida, mas fala como se fosse dono da verdade absoluta.
opinião virou moeda de troca. e não qualquer opinião… mas a mais barulhenta, a mais inflamável, a que rende mais cliques, mais compartilhamentos, mais treta. dane-se se é verdade. dane-se se tem base. dane-se se é uma completa aberração lógica. o importante é parecer que se tem razão. e nesse jogo, quanto mais ignorante, mais confiante. quanto menos se sabe, mais se grita.
desafiar a estupidez virou crime. apontar que alguém está falando besteira virou ataque pessoal. quem tenta argumentar é “arrogante”, “elitista”, “sabe-tudo”. o novo herói moderno é o burro teimoso, o ignorante que se recusa a aprender, aquele que bate no peito e grita: “essa é a minha opinião e ninguém muda isso!”. porque admitir que pode estar errado dói. e as pessoas hoje em dia têm alergia a qualquer coisa que cause o menor desconforto intelectual.
o mundo não pertence mais aos inteligentes, aos curiosos, aos que se dão ao trabalho de entender. pertence aos que berram mais alto, aos que repetem frases feitas sem questionar, aos que preferem a ignorância confortável à verdade incômoda. e assim seguimos, nessa procissão triunfal da burrice, cada um carregando sua tocha acesa de desinformação, felizes em sua certeza inabalável, rumo ao abismo.