
não é um filme. é um colapso nervoso registrado em celuloide. uma experiência sensorial que deveria vir com um aviso: “isso pode te transformar numa pessoa pior, ou melhor, ou simplesmente te fazer perceber que não há diferença entre as duas coisas.” não tem fórmula, não tem estrutura clássica, não tem um fio de esperança no final do túnel. só tem fumaça, sangue, suor, insanidade e a lenta, inexorável aceitação de que o mundo é um lugar sem sentido e que o caos não é um erro, é a regra.
e então coppola, o lunático genial, decide filmar não um épico de guerra, mas a própria guerra. esse não foi um filme feito por um diretor, mas por um profeta insano em meio a uma visão apocalíptica, queimando milhões de dólares, destruindo a própria sanidade e a de todos à sua volta para criar algo que não poderia existir de outra forma. um inferno filmado em tempo real, onde as linhas entre atuação e realidade se dissolvem como corpos na lama. um projeto que deveria ter durado seis meses, mas se arrastou por três anos, consumindo carreiras, destruindo vidas e gerando um monstro cinematográfico que jamais será domesticado.
e os atores? você pode chamar de elenco, mas eu prefiro chamar de vítimas. marlon brando, inchado como um imperador romano decadente, aparecendo no set sem saber as falas, sem dar a mínima para o roteiro, improvisando falas que se tornariam história. brando, uma força da natureza, uma entidade colossal, murmurando suas reflexões sobre o horror com a convicção de um homem que já viu tudo e sabe que nada mais importa. coppola o filmou em sombras, porque seu corpo já não combinava com a lenda, mas sua presença ainda esmagava tudo ao redor.
martin sheen, o protagonista mais relutante da história, afundado até o pescoço num papel que começou a devorar sua própria alma. ele não estava atuando, ele estava desmoronando diante das câmeras. sofreu um ataque cardíaco no meio das filmagens, e ninguém percebeu, porque sua dor já parecia parte do roteiro. um homem que começa o filme afundado na bebida e termina afundado em sangue, cumprindo um destino que ele nunca pediu.
e então tem dennis hopper, o poeta lunático, um amontoado de drogas ambulante que provavelmente não sabia onde terminava a atuação e começava a vida real. seus olhos arregalados não eram atuação. seu discurso fragmentado, sua energia elétrica, tudo isso era ele de verdade. coppola não dirigiu hopper, apenas ligou a câmera e deixou ele se perder.
mas nada, nada te prepara para robert duvall. ele não é só um coronel lunático, ele é a guerra em carne e osso. “adoro o cheiro de napalm pela manhã”, ele diz, com um sorriso no rosto, enquanto corpos queimam ao fundo. porque é isso que a guerra faz com você: transforma matança em poesia, caos em entretenimento, destruição em rotina. duvall, peito estufado, sem medo, caminhando no meio das explosões como se estivesse numa praia paradisíaca. ele não é um vilão, porque este filme não tem heróis ou vilões, só pessoas que aceitaram que a loucura é o único caminho possível.
e se tudo isso ainda não te convenceu de que “apocalypse now” é uma obra-prima forjada no fogo do inferno, então vamos falar da trilha sonora. porque coppola não faz nada pela metade. ele abre o filme com “the end”, dos doors, te arrastando direto para a escuridão. guitarras distorcidas, jim morrison murmurando como um xamã profano, enquanto palmeiras explodem em chamas. e pronto: você já está lá. não tem volta.
e a cena final? willard encontrando kurtz. um confronto sem tiros, sem explosões, sem batalhas heroicas. só duas almas quebradas num templo decadente, cercadas por sombras e loucura. e a morte de kurtz? lenta, ritualística, cortada com imagens de um boi sendo sacrificado. porque coppola quer deixar claro que isso não é só um filme. é um massacre. um rito de passagem. uma descida ao inferno que ninguém sai ileso.
coppola quase enlouqueceu, quase morreu, quase destruiu tudo para fazer esse filme. e valeu cada segundo. porque nunca mais veremos algo assim. hoje, hollywood tem medo. medo de filmes que desafiam, que incomodam, que não te seguram pela mão e te dizem o que sentir. querem te dar finais felizes, respostas fáceis, heróis simpáticos e vilões unidimensionais. querem que você esqueça o horror.
mas o horror nunca esquece de você.