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2024

a queda

estamos assistindo à queda do império romano em tempo real, mas agora em 4k, em velocidade 2x, com memes, teorias da conspiração e discursos incoerentes transmitidos ao vivo. um império que se acreditava eterno, agora tropeçando nos próprios excessos, com líderes que mais parecem personagens de uma sátira política ruim. e o melhor de tudo? ninguém admite que estamos no meio do colapso. pelo contrário, continuamos fingindo que tudo está normal, como aquele cara no meio de um incêndio dizendo “this is fine”. só que não está. nunca esteve.

os romanos também achavam que sua grandeza era inabalável. por séculos, governaram o mundo conhecido, esmagaram inimigos, ergueram monumentos e se convenceram de que estavam no topo da cadeia alimentar da história. e estavam, até que deixaram de estar. foi um processo lento, feio, burocrático. imperadores que enlouqueciam no poder, que se trancavam em palácios enquanto as ruas se enchiam de violência e desordem. generais que travavam guerras mais por ego do que por estratégia, desperdiçando recursos que já não tinham. senadores que só se importavam com seus próprios bolsos, enquanto as províncias queimavam. qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência.

pense em calígula, o imperador que nomeou seu cavalo como senador e se achava um deus. ou em nero, que queimou roma e depois culpou os cristãos, enquanto encenava sua própria grandeza num teatro particular. não precisa ir muito longe para encontrar equivalentes modernos. líderes que, em vez de governar, fazem shows particulares, transformam a política em circo, falam sozinhos no espelho e, quando tudo dá errado, jogam a culpa nos outros. antes eram os bárbaros, os traidores, os cristãos. hoje são as fake news, os inimigos invisíveis, a mídia malvada. o roteiro é o mesmo, só trocaram as togas por ternos mal cortados e os pergaminhos por postagens ensandecidas na internet.

e, enquanto isso, o povo? ah, o povo continua entretido. os romanos tinham seus espetáculos de gladiadores; nós temos teorias conspiratórias, redes sociais e brigas inúteis para nos distrair do fato óbvio: o império está caindo, e ninguém quer admitir. enquanto uns assistem, outros se recusam a aceitar a realidade. há quem jure de pé junto que ainda somos grandiosos, que a civilização não pode ruir porque “isso nunca aconteceria aqui”. os romanos também pensaram assim. até que um dia acordaram e perceberam que não mandavam mais em nada.

o que sobrou do império romano? ruínas, poeira, histórias sobre como tudo era glorioso até que deixou de ser. mas, enquanto eles tinham desculpas… pragas, invasões, corrupção desenfreada, qual é a nossa? estamos caindo não porque fomos derrotados, mas porque escolhemos a insanidade coletiva como método de governo. estamos no fim do ato, e o protagonista está ensaiando seu último surto. a única questão agora é se vamos continuar assistindo de camarote ou se alguém vai finalmente levantar e apagar as luzes.

mas ninguém vai apagar as luzes. claro que não. as luzes são a melhor parte do show. é o brilho hipnótico da decadência transmitida ao vivo, 24 horas por dia, com comentaristas analisando cada detalhe, como se ainda houvesse algo a salvar. os romanos tinham seus filósofos, velhos barbudos sentados em praças, debatendo a virtude e o destino da humanidade. nós temos analistas de notícias, twitteiros raivosos e gente que confunde opinião com fato. discutimos cada absurdo, cada discurso sem sentido, como se fosse um código secreto para decifrar o futuro, ignorando o óbvio: o futuro já chegou, e ele é um lixão pegando fogo.

e os líderes? bem, os romanos tinham seus imperadores lunáticos. nós temos… bem, vocês sabem. a diferença é que, naquela época, um imperador precisava ao menos fingir que sabia o que estava fazendo. hoje, basta ter seguidores, repetir palavras vazias e agir como se a realidade fosse um detalhe inconveniente. antes, um imperador demonstrava força liderando exércitos. agora, basta um microfone e um delírio convincente. nero tocava lira enquanto roma queimava; hoje, a lira foi substituída por discursos incoerentes, vídeos editados de forma patética e promessas grandiosas que nunca se concretizam. e assim seguimos, fingindo que estamos bem, enquanto os pilares do império tremem e racham.

no fim de roma, o senado já não tinha poder real. eram figurantes, aplaudindo e balançando a cabeça enquanto o império desmoronava. decisões importantes eram tomadas por gente incompetente, escolhida não pela capacidade de governar, mas pela lealdade cega ao homem no topo. alguém discorda? alguém ainda acha que estamos longe disso?

e o povo? os romanos esperavam que o estado os alimentasse e os distraísse. queriam pão e circo. quando o pão ficou escasso e o circo virou um teatro ridículo, começaram os tumultos. e nós? o que queremos? queremos narrativas que nos confortem, vilões fáceis para culpar, distrações intermináveis para não encarar o fato de que estamos dentro de um castelo de cartas prestes a desabar. não queremos mudanças, queremos que nos digam que tudo vai ficar bem. queremos acreditar que a glória pode ser restaurada, que os dias de grandeza voltarão, que basta confiar nos líderes certos, na história certa, no milagre certo.

mas os milagres nunca vêm. roma nunca se reergueu. transformou-se em ruínas para turistas, em lembranças de um tempo em que achava que governaria o mundo para sempre. e nós? achamos que somos diferentes. achamos que temos controle, que sabemos para onde tudo está indo. mas a verdade é que estamos só assistindo, hipnotizados, enquanto o império arde. e, quando tudo acabar, talvez reste apenas um punhado de intelectuais escrevendo sobre como não vimos os sinais, como ignoramos as lições da história. talvez sejamos apenas mais um capítulo na longa lista de civilizações que pensaram que eram invencíveis, até que não eram mais.