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2024

mais do que filmes

quando eu era moleque, o cinema era mais que um passatempo, era um convite para um mundo maior, mais perigoso, mais estiloso. era um refúgio, um professor, um traficante de ideias que os adultos ao meu redor não queriam que eu tivesse. entre fitas surradas de locadora e sessões em cinemas que cheiravam a mofo e cigarro, fui aprendendo que filmes não eram apenas histórias, eram mapas para entender a vida, com seus heróis canalhas, suas trilhas sonoras cortantes e seus finais onde, na maioria das vezes, todo mundo se fodia.

não vou te empurrar uma lista de filmes que “todo mundo precisa ver antes de morrer”. esses aqui moldaram meu cérebro, ferraram com minha noção de certo e errado, e me fizeram entender que a vida não tem trilha sonora épica, só silêncios constrangedores, diálogos cortantes e alguns momentos de pura explosão estilística antes do fade-out.

  1. “the french connection” (1971) – gene hackman me ensinou que heróis não são bonzinhos, só são mais teimosos do que o vilão do dia. este filme tem a perseguição de carro mais brutal já filmada, mas o que ficou pra mim foi o cheiro de cigarro barato, o cansaço estampado no rosto de popeye doyle e o lembrete de que, às vezes, a obsessão não te leva a lugar nenhum, só a um beco onde a resposta certa nunca chega.
  2. “rolling thunder” (1977) – tarantino fala desse filme como se fosse um evangelho, e ele tá certo. um ex-prisioneiro de guerra volta pra casa e percebe que o inferno não ficou no vietnã, tá esperando por ele na sala de estar. vingança sem frescura, suja, violenta, sem glamour. me ensinou que algumas feridas nunca fecham e que, se for pra encarar o mundo com uma mão mecânica e uma escopeta, melhor que seja pelo motivo certo.
  3. “le cercle rouge” (1970) – jean-pierre melville me fez entender que o crime, quando bem feito, é uma ópera de paciência e precisão. este filme não tem pressa, não tem explosões desnecessárias, só criminosos que fumam como se estivessem resolvendo equações matemáticas enquanto preparam um golpe perfeito. e, como sempre, a lição final… a lealdade é um luxo que poucos podem pagar.
  4. “bring me the head of alfredo garcia” (1974) – se um filme pudesse feder a tequila barata, suor e sangue seco, seria esse. sam peckinpah me ensinou que o mundo é um lugar onde ninguém ganha de verdade, só existem perdedores em diferentes estágios de decomposição. um cara ferrado atravessa o méxico com uma cabeça decepada e um sonho destruído. se isso não é cinema de verdade, eu não sei o que é.
  5. “possession” (1981) – isabelle adjani tem um colapso mental em um túnel de metrô e, honestamente, isso é só o começo. este filme me mostrou que a insanidade não tem lógica e que algumas histórias não são feitas pra fazer sentido, só pra te jogar num abismo e te deixar lá, sem um manual de instruções.
  6. “the long goodbye” (1973) – elliott gould como philip marlowe, um detetive que parece estar sempre uma tragada atrasado, vagando por uma los angeles onde ninguém é confiável. robert altman me ensinou que os anos 70 mataram qualquer ideia de heroísmo clássico, e que a única forma de sobreviver é não levar nada muito a sério, até o momento em que você precisa levar.
  7. “santa sangre” (1989) – jodorowsky me fez entender que algumas histórias precisam ser contadas com sangue, fetiches estranhos e simbolismo católico perturbador. um circo, uma seita religiosa, um assassino que pode ou não estar sendo controlado pelo fantasma da mãe, tudo junto e misturado como uma alucinação que você não consegue esquecer.
  8. “hard to be a god” (2013) – três horas de lama, suor, violência e civilização implodindo sobre si mesma. aleksei german me mostrou que o progresso é uma piada e que, se existisse um inferno medieval filmado em preto e branco, seria este filme. me fez entender que o horror não precisa de monstros, só de um mundo onde todo mundo fede e ninguém inventou a água corrente.
  9. “the friends of eddie coyle” (1973) – esqueça glamour, esqueça tiros coreografados, este é um filme de crime sobre gente que só quer pagar as contas antes de levar um tiro nas costas. robert mitchum me ensinou que alguns homens nascem azarados, e que, no fim, a lealdade só vale alguma coisa até o momento em que alguém precisa salvar a própria pele.
  10. “paris, texas” (1984) – harry dean stanton caminhando pelo deserto, carregando arrependimentos como uma cruz invisível. wim wenders me ensinou que algumas pessoas passam a vida tentando voltar pra algo que já virou poeira. silêncio, olhares que dizem mais do que palavras, e uma das cenas mais devastadoras já filmadas dentro de uma cabine de peep show.

filmes não são só entretenimento, são janelas, lâminas, bússolas quebradas apontando para direções que ninguém quer seguir. e se um filme não te faz sentir algo real, nem que seja desconforto, então por que diabos você está perdendo tempo com ele?