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2025

arquitetura

a arquitetura contemporânea, meus caros, é um delírio de mediocridade empacotado em vidro, concreto e renderizações que parecem saídas de um pesadelo corporativo. vivemos uma era em que as cidades se tornam cada vez mais genéricas, onde prédios nascem sem alma, sem propósito, sem qualquer consideração pelo contexto urbano ou pela experiência humana. o que chamam de “minimalismo elegante” muitas vezes não passa de preguiça com um orçamento generoso. e quem paga a conta? nós, que temos que viver nessas caixas de sapato glorificadas, cercados de vidro fumê e uma promessa vazia de modernidade.

como chegamos aqui? bom, como tudo o que dá errado na humanidade, foi um processo longo, cheio de boas intenções e decisões catastróficas. um dia fomos capazes de erguer coisas como o parthenon, que ainda está lá, desafiando o tempo e as bombas. construímos catedrais que sugavam a alma dos fiéis para o alto, edifícios que comunicavam algo além de seu uso primário. tínhamos arquitetos que entendiam a cidade como um organismo vivo, como um lugar de encontros, de cultura, de humanidade. mas depois, como sempre, vieram os iluminados que resolveram que “beleza” era coisa do passado e que o importante mesmo era a “função”. nasceu o modernismo, e com ele, a desculpa perfeita para construir o feio em nome do progresso.

le corbusier, um dos grandes culpados dessa tragédia, sonhava com cidades feitas de torres isoladas, ruas elevadas e uma organização racional. parecia uma boa ideia no papel, mas na prática, deu origem a aberrações como os conjuntos habitacionais soviéticos e os pesadelos urbanos que infestam as periferias do mundo. claro, ele também fez coisas brilhantes, a unidade de habitação em marselha, por exemplo, ainda se sustenta. mas sua influência também trouxe os piores frutos, arquitetos que acreditaram que cidades não precisavam de vida, só de ordem. o resultado? aqueles bairros onde tudo parece um estacionamento gigante, onde prédios são apenas blocos anônimos e onde você precisa pegar um carro para comprar um pão.

então vieram os pós-modernistas tentando consertar o estrago. venturi, jencks e companhia decidiram que já que o modernismo era chato, então tudo precisava ser irônico, cheio de colunas falsas, ornamentos cafonas e uma pitada de las vegas. o que era para ser uma crítica virou um carnaval sem critério. se o modernismo era monótono, o pós-modernismo virou um meme arquitetônico.

e agora? agora estamos atolados numa arquitetura que se vende como “sustentável” enquanto usa toneladas de concreto, que prega “inovação” mas só repete as mesmas formas estéreis, que promete “inclusão” mas só entrega espaços impessoais e inóspitos. olhe ao seu redor: prédios que poderiam estar em qualquer cidade do mundo, torres de vidro que refletem uma paisagem morta, interiores que parecem uma página de pinterest. apartamentos são cada vez menores, sem varandas, sem luz natural, sem qualquer consideração pela vida real. e chamam isso de progresso.

enquanto isso, os mestres do passado riem da nossa cara. frank lloyd wright, que fazia casas que pareciam crescer da própria terra, ficaria enjoado com as aberrações modulares de hoje. louis kahn, que entendia o peso da luz e do silêncio, veria nossas “torres de coworking” como templos do vazio. alvar aalto, com sua obsessão pelo humano, morreria de desgosto com os hospitais assépticos de agora, que mais parecem depósitos de corpos do que espaços de cura.

o que aconteceu com a escala humana? o que aconteceu com a ideia de que arquitetura é mais do que apenas levantar paredes? os grandes arquitetos do passado, de brunelleschi a mies van der rohe, entendiam que um prédio é um diálogo com a cidade, com o tempo, com as pessoas. hoje, tudo é um monólogo narcisista: “olhem para minha fachada icônica”, “vejam minha forma inovadora”. mas e daí? quem vive nisso? quem se sente bem nesses lugares?

e o urbanismo? ah, essa é outra tragédia. os planejadores urbanos decidiram que cidades precisam ser “eficientes”, e agora vivemos em um mundo onde ninguém caminha, ninguém encontra ninguém, ninguém sente a cidade. ruas viraram avenidas, praças viraram estacionamento, bairros viraram condomínios fechados. a cidade se tornou um produto, segmentado por faixa de renda, gerenciado como um shopping center. tudo limpo, tudo controlado, tudo sem vida.

mas calma, dizem eles, temos soluções! e aí aparecem os arquitetos-star designers, que vendem suas maravilhas futuristas, prometem cidades inteligentes, criam espaços “instagramáveis”. fazem um render lindo, plantam umas árvores no meio do concreto, colocam um rooftop com piscina e pronto: mais um espaço inabitável disfarçado de inovação.

o problema não é só a arquitetura. é o pensamento. é a ideia de que a cidade é um negócio, que um prédio precisa ser um ícone e não um lugar de vida. é a cultura de que design serve mais para impressionar do que para servir.

talvez a saída esteja em voltar a pensar pequeno. menos monumentos, mais ruas agradáveis. menos torres reluzentes, mais lugares para sentar e ver o mundo passar. talvez precisemos resgatar a noção de que a arquitetura não é só forma, mas experiência. que a cidade não é um showroom, mas um lar. que prédios não são só investimentos, mas espaços de memória, de encontro, de vida.

e apesar da avalanche de arquitetura vazia, ainda há arquitetos que entendem que um prédio não é só uma forma bonita para um post de instagram. francis kéré, por exemplo, que nasceu em burkina faso e entendeu desde cedo que arquitetura tem que responder às pessoas e ao clima. ele projeta escolas com ventilação natural em países onde a temperatura passa dos 40 graus, enquanto nossos gênios contemporâneos acham que a solução para o calor é mais vidro e mais ar-condicionado. o sujeito está lá, usando barro, madeira, criando espaços vivos, enquanto aqui insistimos em transformar cada novo bairro em uma versão piorada de dubai.

tatiana bilbao, no méxico, projeta casas que realmente se moldam à vida das pessoas, não o contrário. enquanto o mercado imobiliário continua empurrando kits de morar pasteurizados, ela desenha espaços flexíveis, que podem crescer e se adaptar à realidade de quem os habita. imagine só! uma casa que evolui com o morador, em vez de obrigar o morador a se espremer dentro dela. isso deveria ser o mínimo, mas hoje soa quase como um ato revolucionário.

e aí temos alejandro aravena, do chile, que decidiu que habitação social não precisa parecer um depósito de gente. seu projeto de meio-casas, onde o governo constrói metade e o morador constrói o resto com o tempo, foi uma solução brilhante para moradia popular sem cair na armadilha de fazer prédios-favela que apodrecem em poucos anos. enquanto isso, no resto do mundo, continuamos a construir conjuntos habitacionais que parecem saídos de um filme distópico de baixo orçamento.

e há cidades que estão tentando voltar a tratar as ruas como espaços de convivência, e não apenas corredores entre um shopping e outro. barcelona está criando as “superilhas”, blocos urbanos onde o carro não manda, onde as pessoas podem, veja só, andar, conversar, existir. parece óbvio, mas em um mundo onde a prioridade sempre foi construir mais avenidas, mais viadutos, mais espaços para carros, é quase um milagre.

já copenhague? essa sim, uma cidade que entendeu que o urbanismo não precisa ser um suplício. ruas projetadas para pessoas, praças que realmente convidam à vida, e uma arquitetura que respeita a escala humana. claro, para que isso acontecesse, tiveram que mandar os carros para o inferno, ou pelo menos para longe dos centros urbanos. enquanto isso, nas grandes metrópoles do mundo, seguimos achando normal que um pedestre tenha que implorar por um pedaço de calçada enquanto as avenidas engolem tudo ao redor.

e é isso que separa os lugares que funcionam dos que não funcionam… a compreensão de que arquitetura e urbanismo não são exercícios de ego, mas sim de empatia. construir um prédio não é sobre criar uma escultura gigante que impressiona a elite do design, é sobre criar um espaço que as pessoas que vivem ali vão amar, usar, sentir que pertencem. o problema é que, na era do star system da arquitetura, a maioria dos projetos quer ser capa de revista, não cenário de vidas reais.

porque é isso que está matando a arquitetura, a transformação de cidades em produtos, de prédios em marcas, de bairros em parques temáticos. você já viu esses “novos empreendimentos” que prometem ser uma “experiência completa”? tudo cercado, tudo controlado, tudo higienizado. um simulacro de cidade, onde até o verde é colocado em lugares estratégicos para parecer mais “instagramável”.

e é isso. seguimos presos nessa arquitetura de powerpoint, nesses delírios de concreto assinados por arquitetos que mais parecem designers de embalagem, vendendo prédios como quem vende um smartphone… bonitos, brilhantes, cheios de promessas e completamente descartáveis quando o próximo modelo sair.

as cidades viraram esse grande showroom de mediocridade, onde tudo é um projeto “visionário” e “sustentável” até a construtora encher os bolsos e partir para a próxima vítima. enquanto isso, seguimos enjaulados em cubículos de vidro, cercados de paredes finas como papel, sem varanda, sem vida, sem qualquer direito ao silêncio ou à sombra de uma árvore de verdade. mas tudo bem, porque tem espaço gourmet no térreo e um rooftop.

e o pior de tudo? acostumamos. aceitamos. nos convenceram de que isso é normal, que é assim que uma cidade moderna deve ser. e seguimos nesse teatro absurdo, fingindo que morar em um prédio sem janelas que abrem é o auge da sofisticação, que caminhar por ruas sem bancos ou árvores é só um detalhe, que viver sem qualquer senso de comunidade é o preço do progresso.

mas a verdade, a verdade mesmo, é que tudo isso é uma escolha. poderíamos ter cidades feitas para pessoas, não para carros. poderíamos ter prédios que duram, que acolhem, que não parecem obsoletos antes mesmo de serem inaugurados. poderíamos ter arquitetura que entende que a beleza não está em modismos vazios, mas na relação entre um espaço e quem o habita.

só que isso daria trabalho. exigiria que parássemos de idolatrar renderizações futuristas e começássemos a pensar em como realmente queremos viver. exigiria arquitetos que saíssem dos escritórios e andassem pelas ruas que projetam. exigiria que os urbanistas deixassem de pensar cidades como planilhas e começassem a vê-las como organismos vivos.

mas, enquanto isso não acontece, seguimos aqui, pagando caro para morar em caixas de sapato luxuosas, engolindo essa ideia absurda de que concreto e vidro sem alma são o futuro, aceitando que nossas cidades se tornem cada vez mais hostis, cada vez mais genéricas, cada vez mais vazias.

e chamamos isso de civilização.