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2025

o último livro que li e mexeu comigo

o último livro que li me deixou aquela sensação incômoda de que eu estava perdendo alguma coisa. você já passou por isso? termina a última página, fecha o livro, olha para a parede e pensa… “espera aí… foi só isso?” mas aí os dias passam, e aquele maldito livro começa a voltar na sua cabeça. cenas soltas. frases estranhas. uma ideia incômoda que você não consegue arrancar, como um chiclete grudado no seu sapato. o jogo das contas de vidro, de hermann hesse é um livro que, se você não tomar cuidado, pode te fazer perceber que passou a vida inteira perseguindo vento.

hesse não escreve para entreter. não tem explosões. não tem reviravoltas mirabolantes. ninguém dá um tiro em ninguém. não há romance proibido, nem final catártico onde tudo faz sentido. se você procura isso, boa sorte com outra coisa. o que ele faz é mais cruel. ele te leva até o topo de uma montanha, te mostra uma paisagem absurda e diz: “tá vendo isso? lindo, né? agora, e se eu te disser que nada disso importa?” e então ele te deixa lá, sem mapa, sem bússola, sem nem mesmo um desgraçado de um lanche para a viagem de volta.

a história segue josef knecht, um sujeito criado dentro de um sistema onde conhecimento e cultura são tratados como religião. pense em uma mistura de academia de filosofia, ordem monástica e clube exclusivo para intelectuais que acham que são iluminados demais para se misturar com a ralé. esses caras jogam um jogo tão sofisticado que ninguém consegue explicar direito o que ele significa, um amontoado de referências filosóficas, artísticas e matemáticas que, teoricamente, representam o ápice do intelecto humano. e knecht, brilhante e disciplinado, sobe até o topo desse mundo. ele chega lá. ele vence o jogo. e então percebe que tudo aquilo é uma piada.

essa é a jogada mais baixa de hesse. ele faz você percorrer toda a escalada intelectual com knecht, absorver cada camada desse mundo de ideias, sentir aquela pontinha de inveja por não fazer parte de algo tão puro e elevado. e então ele te dá um soco no estômago. porque nada daquilo significa coisa nenhuma. porque toda aquela busca por “conhecimento superior” é só masturbação mental para gente que tem medo do mundo real. porque não importa quantos tratados filosóficos você leia, quantos idiomas você domine, quantos conceitos você compreenda, se no final das contas você não sabe o que fazer com isso além de recitar para outros acadêmicos igualmente perdidos.

e é aí que knecht, esse nerd genial, esse prodígio da intelectualidade, faz algo que ninguém espera. ele olha para tudo isso e diz… “quer saber? tô fora.” ele percebe que a única maneira de realmente entender alguma coisa é sair do sistema. largar tudo. começar de novo. e esse é o verdadeiro soco no estômago, a ideia de que talvez tudo o que chamamos de “progresso”, “cultura” e “sabedoria” seja só um grande teatro. uma maneira de preencher o tempo enquanto fingimos que estamos chegando a algum lugar.

o jogo das contas de vidro não te dá respostas. ele te dá dúvidas que você talvez não quisesse ter. ele esfrega na sua cara a possibilidade de que, talvez, você tenha passado a vida inteira levando a sério um jogo que não tem vencedor. e então ele te deixa lá, sozinho, com essa ideia na cabeça. sem aplausos, sem fanfarra, sem uma frase de efeito para encerrar a história. só você e essa pergunta maldita… e se ele estiver certo?