Categorias
2025

paz mental

chega uma hora… e ela chega, mesmo que você não queira, em que o mundo começa a fazer barulho demais. tudo grita. gente grita. opinião grita. até o silêncio vem gritando, exigindo atenção. você acorda e já tem alguém querendo um pedaço da sua sanidade, alguém exigindo uma resposta, um posicionamento, uma indignação em tempo real. e você, num primeiro momento, tenta. você responde, você explica, você discute. você entra no ringue todo dia com um sorriso idiota no rosto achando que está construindo alguma coisa.

até que um dia, simplesmente, você cansa. e o cansaço não é físico, é estrutural. não dói no corpo. dói no conceito de continuar tentando. então você para. e nesse parar, você descobre uma coisa absurda, incômoda, maravilhosa… a paz mental.

mas não se engane, não é uma paz fofa, dessas de bordado com passarinho. é uma paz que incomoda. que assusta. uma paz que não se justifica, não acena, não se veste de branco. é a paz de quem largou o megafone e passou a andar com as mãos no bolso. a paz de quem viu que o prédio tá pegando fogo e, em vez de correr pra apagar, subiu pro terraço com uma cadeira e uma taça na mão.

essa paz, essa que eu carrego hoje, não é passiva, é militante. ela não foge da briga. ela simplesmente não comparece. ela sabe que tem lutas que só alimentam o ego de quem grita, e não mudam absolutamente nada. ela sabe que entrar na histeria coletiva é o equivalente emocional a tentar secar gelo com um secador de cabelo.

então agora, quando alguém se aproxima com a última teoria do caos, com mais uma exigência emocional embalada em falsa empatia, com aquela necessidade doentia de te puxar pro buraco com ela… eu só sorrio. e não um sorriso simpático, é aquele sorriso que já viu o final do filme e decidiu não assistir de novo.

diz que 1+1 é 5? eu assino embaixo, carimbo, selo e te desejo boa jornada nessa nova matemática revolucionária. diz que é culpa do algoritmo, do sistema, da opressão da física clássica? perfeito. genial. segue firme. diz que tá frustrado porque eu não entrei na sua histeria coletiva, não me joguei no seu pânico temático do mês, não opinei sobre o assunto quente da semana como se minha ausência fosse um crime de opinião? que pena. chama o rh da internet. registra a ocorrência emocional. eu tô ocupado demais cuidando da minha sanidade, esse bem precioso que vocês trocam por like e validação a cada 10 minutos.

meu silêncio te incomoda? excelente. foi feito pra isso mesmo.

e essa ausência… ah, essa ausência é uma obra de arte. é uma arquitetura de distanciamento emocional milimetricamente planejada. não é frieza. é seleção. aprendi a escolher com quem falo, o que ouço, pra onde olho. aprendi que dar atenção é um luxo, não um dever. e que tem gente que só quer palco e não me paga cachê suficiente pra isso.

minha paz mental é esse estado onde o barulho ainda existe, mas não me atravessa. ele bate na superfície e escorrega. não fere. não marca. não entra. porque eu não permito mais. porque finalmente entendi que ter razão é um vício de gente que ainda precisa ser aceita. e eu? eu já me aceitei inteiro. e me recuso a me fraturar pra caber na dor de alguém.

o mais provocador de tudo isso? é que essa paz incomoda. ela é silenciosa, mas ofensiva. ela não confronta, mas abala. porque quem ainda tá gritando se sente rejeitado por quem cala. quem ainda quer guerra, se sente humilhado por quem não aparece pro combate. e eu? eu tô exatamente nesse lugar, o não comparecimento como forma de provocação. não abrir a porta. não responder. não argumentar. é o meu jeito de dizer: “essa briga morreu antes de nascer.”

essa paz, que hoje mora em mim, não se explica. ela não cabe em discurso. ela não quer seguidores. ela é egoísta, exclusiva, um prazer secreto. é meu luxo pessoal. é minha vingança contra um mundo que vive de crise. e eu? eu vivo de silêncio. de ausência. de não-adesão.

no fim do dia, e sempre tem um fim do dia, não importa quantas causas você abrace antes do almoço, sobra aquela paisagem patética… gente esparramada emocionalmente, exausta de tanto ter razão, afônica de tanto ter gritado em caps lock, suada de tanto correr atrás do próprio rabo enquanto jurava estar salvando o mundo. um espetáculo que mistura tragédia com stand-up, só que sem timing, sem roteiro, e com muita saliva.

e eu? eu tô ali também. mas não no centro do palco, não coberto de glória moral ou espuma na boca. tô ali no canto, meio na sombra, com a cara de quem já comeu coisa pior num beco tailandês e sobreviveu pra rir disso depois. tô observando tudo com o mesmo entusiasmo com que se assiste a uma palestra sobre seguros numa feira de móveis usados.

não foi superioridade. não foi sabedoria. foi só preguiça. preguiça de discutir com quem não escuta, de explicar o óbvio pra quem lucra com o absurdo, de jogar xadrez com pombo. teve um momento em que entendi que o mundo não queria diálogo, queria plateia. e eu, sinceramente, nunca tive vocação pra palhaço nem pra figurante.

então eu não bati porta. não gritei. só levantei da mesa no meio da ceia sagrada dos indignados e fui lavar as mãos com o tipo de desprezo silencioso que só quem já queimou a língua tentando salvar sopa fria consegue ter.

e dormi.
não em paz.
em silêncio.
um silêncio que não consola, não ensina, não convida.
um silêncio que olha pro caos, dá um gole, e diz: “ah, isso aí de novo?”