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2025

relógio

tem uma idade na vida, não cronológica, mas interna, em que você começa a prestar atenção nas coisas que não fazem barulho. já não se impressiona tanto com brilho, com função, com novidade. você começa a reparar no silêncio entre as frases. nos gestos. nas pausas. no peso. e relógio mecânico é isso, uma pausa que você carrega no pulso.

eu gosto de relógios mecânicos porque eles não tentam ser nada além do que são. eles não querem cuidar da sua saúde. não querem contar seus passos, nem te lembrar que você deveria estar meditando. não estão interessados na sua agenda, nem vão vibrar no meio da reunião pra avisar que chegou mais um e-mail idiota que você vai fingir que leu. um relógio mecânico olha pra você e diz: “a única coisa que eu faço é existir. e fazer isso bem.”

e isso, pra mim, hoje, é mais do que suficiente.

tem também uma questão de respeito. respeito pela imperfeição. pelo tempo que passa de forma desigual, às vezes um pouco mais rápido, às vezes um pouco mais lento. relógios mecânicos atrasam, adiantam, precisam de cuidados, de manutenção, de carinho, às vezes. são temperamentais, como qualquer coisa feita com alma. como a gente, com o tempo.

quando eu era mais novo, talvez eu achasse o apple watch genial. e ele é. genial. faz tudo. responde mensagem, mede teu sono, te diz quando levantar. mas sabe o que mais faz isso? uma babá eletrônica. e eu já passei da idade de querer ser monitorado.

um relógio mecânico não se importa com você. ele não está conectado a nada. ele não quer saber de você. ele apenas existe. e ainda assim, você cria uma relação com ele. você dá corda. você ajusta. você cuida. ele depende de você, mas de um jeito discreto, elegante, quase cruel. ele exige que você esteja presente, não pra te mandar notificações, mas pra garantir que ele continue fazendo o que sempre fez, marcar o tempo. o tempo que você não controla. mas que você pode, pelo menos, acompanhar.

e um relógio mecânico não envelhece mal. ele envelhece como a madeira boa, como o couro certo, como o rosto de alguém que viveu. cada risco no vidro, cada marca na caixa, cada milímetro de desgaste diz que ele esteve lá. que ele viu coisas. e não se importa se você estava usando paletó ou camiseta. ele só quer saber se você estava vivo.

usar um relógio desses é escolher o caminho mais lento de propósito. é dizer “não” ao excesso de função. é dizer “não” ao vício do agora. é, de certa forma, reconhecer que já se viveu o suficiente pra saber que o tempo não precisa ser controlado. só precisa ser respeitado.

e, talvez, lá no fundo, seja isso. eu uso um relógio mecânico porque já entendi que o tempo não vai parar por minha causa, mas pelo menos posso escolher como vou acompanhá-lo. com dignidade. com história. e com um tique-taque que me lembra que, mesmo sem ser perfeito, ainda tô funcionando. igualzinho ele.