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2025

24 horas

voltar a assistir 24 horas desde o primeiro episódio foi como acordar de um coma midiático. eu achava que tava tudo bem. que tava tudo certo com essa sopa rasa que chamam de “conteúdo original” hoje em dia. mas bastou ouvir aquele maldito “o dia é hoje” e ver o relógio correndo pra entender que não… não tá tudo certo. a gente foi dopado. e dopado com coisa ruim.

a tensão era real. o roteiro, cirúrgico. não existia gordura. não existia tempo pra respirar. a série se recusava a ser indulgente. não tinha filler, não tinha tempo pra personagens “fofos”, não tinha aquele episódio “experimental” em que todo mundo canta ou dança ou reflete sobre os próprios traumas de infância enquanto chove do lado de fora. 24 horas era sujo, direto, feio. e essencial.

hoje tudo vem embalado no mesmo pacote reciclável, neutro, testado em laboratório, desenhado pra não ofender, não provocar, não sacudir ninguém. personagem principal sofre, mas só até o terceiro episódio. depois tem virada, redenção, playlist no spotify e final aberto pra segunda temporada. o algoritmo agradece.

as séries modernas têm roteiro como quem monta móvel do ikea, segue o manual, encaixa direitinho, até parece bonito, mas no fundo você sabe que não aguenta uma tempestade. tudo soa como diálogo aprovado por comitê. frases de efeito genéricas ditas por personagens que parecem ter saído de um catálogo de moda ética. e no centro de tudo, aquele medo absoluto de ser intenso demais, duro demais, real demais.

em 24 horas, cada decisão parecia custar a alma de alguém. jack bauer fazia o que precisava ser feito. não porque era legal, não porque ganhava like, mas porque era necessário. e a série tinha a decência de não pedir desculpa por isso. não se explicava. não havia “lição”. havia consequência. tensão. dilema. hoje, se um personagem levanta a voz, alguém já aparece no episódio seguinte pra explicar que foi “um momento difícil” e que “ele está em desconstrução”.

e os roteiristas… naquela época, eram soldados. escreviam com sangue e café preto. sabiam que estavam fazendo algo que ia durar. hoje, são freelancers apertando parafuso em linha de produção. escrevem seis projetos ao mesmo tempo, com briefings que vêm direto do departamento de marketing. “precisamos de uma série jovem, diversa, urbana, mas que funcione no mercado escandinavo.” o resultado são séries com cara de comercial de banco jovem. diálogos de coaching. personagens que trocam frases prontas sobre empatia enquanto o mundo acaba.

eu to aqui, escrevendo e reassistindo 24 horas, e lembrando de um tempo em que a televisão tinha dentes. quando não existia streaming, maratona, nem resuminho em blog dizendo “tudo o que você precisa saber antes da nova temporada”. você precisava prestar atenção. você precisava sentir o episódio. ou ficava pra trás. simples assim.

tinha suor. tinha urgência. e cada episódio te deixava mais perto de uma úlcera nervosa, e era ótimo. não porque você queria sofrer, mas porque era bom sentir algo. hoje, o objetivo das séries parece ser exatamente o oposto… relaxar, entreter, suavizar. virar fundo de tela enquanto você responde e-mail ou faz yoga.

então sim. eu voltei a assistir. e percebi. percebi que essa nostalgia toda não é saudosismo. é um grito de desespero diante da pasteurização total da cultura. a gente trocou os socos na cara por cafuné narrativo. e o pior? parece que tá todo mundo bem com isso.

só que eu não tô. eu quero de volta o risco. a tensão. o incômodo. eu quero séries que me façam esquecer de piscar. quero roteiros que não foram pensados pra agradar, mas pra cutucar. e enquanto isso não volta, se é que um dia voltar eu sigo aqui, no modo rewatch, com jack bauer me lembrando, minuto a minuto, do que a televisão já foi capaz de fazer.