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2025

fui forçado a parar

parei por saúde.
e não digo isso com orgulho. digo com um misto de frustração, cansaço e aquele gosto amargo na boca de quem só desacelerou porque o corpo gritou mais alto que o ego.
não foi escolha.
foi sobrevivência.

e foi aí, só aí, que eu percebi o que ferris bueller tentou me dizer a vida inteira.
o moleque tinha 17 anos e entendeu mais da vida que a maioria dos médicos, CEOs e especialistas em burnout no linkedin.
ele fingiu uma febre.
simulou uma doença.
fez o termômetro subir com uma lâmpada.
forjou sintomas.
e tudo isso pra poder fazer o que deveria ser normal… viver.
curtir um dia de sol.
roubar uma ferrari.
ir no museu.
comer fora.
respirar.

e eu?
eu esperei adoecer de verdade pra me permitir o que ele se deu aos 17, um respiro.
não um feriado. um respiro. uma sobrevida. uma pausa não autorizada.

e quando o corpo travou, quando as juntas começaram a ranger como dobradiça de portão velho e a cabeça virou um campo minado, eu lembrei do ferris deitado naquela cama, falsamente doente, dizendo que se não pararmos e olharmos em volta de vez em quando, podemos perder a vida.
aquele moleque fingiu uma febre pra curtir a vida.
eu precisei de uma febre real pra lembrar que ela existe.

saca a diferença brutal?
ele mentiu pra viver.
eu morri um pouco pra conseguir parar.

e a ironia me acertou como um piano caindo de um prédio…
ferris nunca esteve doente.
eu é que estive o tempo todo.
e não percebi.
porque viver como a gente vive, ignorando os sinais, engolindo ansiedade com suco detox, fingindo que tá tudo bem enquanto o corpo e a alma imploram por trégua, isso sim é doença.
isso é febre baixa constante.
é inflamação da existência.

e o que ferris fez?
simples… desligou.
desconectou.
pegou o dia de volta.
e ainda fez a porra de um desfile inteiro cantar junto com ele.
enquanto eu?
eu fiquei esperando permissão.
esperando que alguém batesse no meu ombro e dissesse: “agora você pode parar.”
e quando ninguém disse, meu corpo disse.
da pior forma.

e aí, deitado, cansado, doente de verdade, eu entendi.
ele tava certo.
ele sempre esteve certo.

simular uma doença naquele mundo era a única forma de não adoecer de verdade.
e talvez essa seja a coisa mais brilhante e desesperadora do filme.
ferris não era um vagabundo.
era um sobrevivente.
ele trapaceou porque o jogo era podre.
ele mentiu porque a verdade era insuportável.
ele fugiu porque ficar era consentir com a morte em prestações.

e eu?
eu fui o cameron.
obediente.
trancado.
ansioso.
esperando o colapso.
e o colapso veio.
e agora eu entendo.
não parar é que é irresponsável.
não faltar é que é covardia.
não agir como ferris é suicídio lento com planilha aberta.

então sim, eu parei por saúde.
mas agora eu entendi que saúde de verdade é se permitir fugir antes que a febre seja real.
é criar sua própria doença fictícia pra evitar a crônica.
é roubar seu próprio tempo.
é sumir.
é não responder.
é cantar beatles no meio do caos.

ferris não fingiu estar doente.
ele se curou antes de adoecer.
e você?