
todo mundo tem razão. absolutamente todo mundo. o planeta inteiro vive num delírio coletivo onde cada ser humano acredita piamente que está certo, não em algumas coisas, não em assuntos que estudou, não nas coisas que viveu… em tudo. e o mais incrível? ninguém acha isso estranho. ninguém olha ao redor e pensa: “peraí, como é que todo mundo pode estar certo ao mesmo tempo se ninguém concorda com porra nenhuma?” não. o negócio é manter a pose, estufar o peito e seguir distribuindo certezas com a generosidade de um político em época de eleição.
o mundo virou um buffet livre de opiniões malpassadas, e todo mundo se serve como se estivesse num banquete de sabedoria. e ninguém escuta. ninguém quer escutar. porque escutar implica em correr o risco mortal de ser contrariado. e isso, em pleno século da autoestima inflável, é pior que peste bubônica. a conversa virou esporte de combate. o diálogo, um ringue onde se espera a vez de atacar, não de entender.
as pessoas não ouvem, elas esperam. esperam a pausa do outro, a brecha, a fraqueza na fala alheia, o tropeço na argumentação, como hienas famintas roendo osso de opinião. ninguém tá interessado no que o outro pensa. o que importa é a própria fala, o próprio roteiro, o monólogo interior que já vem sendo ensaiado desde o segundo em que o outro abriu a boca. é como se a conversa fosse um podcast unilateral com plateia forçada.
e o que alimenta tudo isso? ego. puro, fedido, oleoso ego. essa entidade frágil que precisa, desesperadamente, estar certa. porque estar certo virou mais importante que estar vivo. mais importante que estar em paz. estar certo hoje é status. é identidade. é armadura. a razão virou escudo emocional, bengala intelectual, e brinquedo de criança mimada.
e se, por um milagre, alguém tenta dizer algo diferente, se ousa soltar uma ideia contrária, um ponto de vista estranho, um “e se…” tímido… o tribunal é montado na hora. o julgamento é sumário. e a sentença é sempre a mesma… “você não entendeu”, “você tá mal informado”, “você é burro, só que com educação passivo-agressiva”. porque reconhecer valor em uma opinião que não seja a sua exige um grau de maturidade emocional que a maioria das pessoas trocou por curtidas no instagram e frases motivacionais de coach.
a tragédia não é que todo mundo acha que tá certo. a tragédia é que ninguém suporta a ideia de estar errado. ninguém suporta o silêncio desconfortável que vem depois de um “talvez eu tenha me enganado”. ninguém quer encarar a possibilidade de que o outro lado pode ter um ponto. mesmo pequeno. mesmo torto. mesmo desconfortável.
uma humanidade inteira, cada um dentro da própria bolha de sabedoria inflável, flutuando num mar de ruído. todos surdos. todos certos. todos prontos pra próxima discussão inútil com a convicção de quem carrega as tábuas sagradas do monte sinai… escritas com fonte de meme e baseadas em um vídeo de 3 minutos que alguém mandou no zap.
e se tem um altar onde essa adoração patética pela razão atinge níveis olímpicos de ridículo, é nas redes sociais. esse grande palco onde cada idiota com conexão acha que virou editor do new york times, filósofo contemporâneo, juiz da moral global e autoridade suprema sobre absolutamente tudo. a timeline é uma avenida de gritos, uma orgia de certezas desgovernadas, onde ninguém dialoga, só se apresenta. não é rede social, é competição de quem cospe opinião mais rápido, com mais indignação e menos informação.
ali, a coisa fica ainda mais feia. você pode até ver um post com uma ideia que contraria a sua… e por um segundo, um milésimo de segundo, algo dentro de você sussurra… “interessante… talvez essa pessoa tenha um ponto”. mas aí o ego, esse tirano de voz estridente e autoestima hipertrofiada, pula da cadeira, grita “você vai deixar barato?”, e você lá vai. digitar, rebater, corrigir, ensinar. porque, claro, você não está debatendo… você está educando o planeta. fazendo caridade intelectual. salvando a humanidade de si mesma, um comentário pedante de cada vez.
e o mais trágico é que não importa a pauta. não importa. pode ser política, ciência, comportamento, filosofia, arte, vinhos orgânicos, o uso correto de vírgulas, a temperatura ideal do ar-condicionado, qualquer merda serve de combustível. o que interessa é manter viva a chama da convicção. não pela verdade, não por justiça, mas porque admitir que talvez, só talvez, você não entenda tudo… seria como arrancar a própria pele em público.
e no fundo, é isso… todo esse show de certezas é só um desespero disfarçado. uma defesa patética contra o medo ancestral de estar perdido. porque é isso que a gente é, um bando de gente perdida tentando fingir que sabe o caminho. e quem finge com mais confiança, com mais volume, com mais arrogância… vira líder de opinião. influencer. coach. ou aquele tio insuportável que ninguém consegue bloquear porque é da família.
o problema não é achar que tá certo. o problema é a doença em acreditar que estar certo te torna melhor que os outros. que dá algum tipo de poder, de valor, de status. como se razão fosse medalha e não um acidente ocasional. como se entender algo antes de alguém te desse direito a vomitar arrogância em cima de todo mundo como se fosse perfume francês.
e enquanto isso, o mundo que se foda. queimar floresta? colapso climático? desigualdade galopante? genocídio em câmera lenta? dane-se. o importante é ganhar discussão no grupo de zap da faculdade de 2009 e postar aquela frase de efeito no story com fundo preto e fonte branca.
porque no fim do dia, dane-se o planeta, a humanidade, a complexidade do mundo real, o que importa é que eu estou certo. e se eu estou certo, nada mais importa.
então, repete comigo, mundo moderno:
eu grito, logo existo.
eu argumento, logo venço.
eu nunca escuto, porque escutar é admitir que talvez eu não seja deus.
e isso, meu caro… isso é inaceitável.