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2025

o tal ecossistema

não é amor por tecnologia.
não é praticidade.
não é escolha consciente.
é síndrome de estocolmo digital.

eu sei porque eu também tô dentro.
fui seduzido por essa ladainha de “experiência fluida”. me entreguei de peito aberto à promessa de que “tudo se conecta”, que “é só tirar da caixa e usar”. acreditei que esse era o futuro. toquei na maçã como se fosse uma religião, sincronizei meu relógio, meu fone, meu notebook, meu aspirador. me emocionei com notificação no pulso como se fosse telegrama da rainha.

e funcionou.
claro que funcionou.
é feito pra isso, pra funcionar tão bem que você nem percebe o que tá perdendo.

até que um dia abri a gaveta e vi o velho android ali. desligado. grosso. desengonçado. com mais possibilidades que a porra da NASA inteira. e ali me bateu… eu não escolhi merda nenhuma. eu só deixei que escolhessem por mim.

porque não importa a marca… apple, samsung, google, xiaomi. todas são parte da mesma peça, só trocaram o figurino. a apple vem de terno preto, cheirando a madeira nobre e veganismo de boutique. a samsung chega com blazer colorido, cheia de telas dobráveis e promessas de liberdade que ninguém pediu. o google vem com cara de hippie tech, dizendo que é “tudo aberto”, mas monitora até o tempo que você gasta pra cagar.

e a gente?
a gente defende. defende com fúria. com garra. como se estivesse falando da honra da própria família. eu já fiz isso. já briguei por marca como quem defende banda favorita ou signo solar. já falei “meu sistema é melhor” com a convicção de um coach em ayahuasca.

mas hoje, sendo honesto, sei que não tem “melhor”. tem só o que te dominou primeiro. o que te deu o mínimo de esforço e o máximo de controle sobre você. e a partir daí, você chama isso de ecossistema.

“ah, mas tudo conversa entre si!” claro. é uma panelinha digital. tudo se conversa dentro do mesmo feudo. quer sair? tenta. conecta um acessório diferente, um fone aleatório, uma TV não compatível. vai sentir o peso da palavra fricção. tudo foi feito pra funcionar… desde que você não ouse pensar fora do cercadinho.

e tem solução? tem. mas dá trabalho. tem app, tem integração entre marcas, tem liberdade. mas ninguém quer isso. ninguém quer fuçar fórum, testar app, aprender. a gente quer serviço de quarto tecnológico. quer que o sistema leia nossa mente, escolha por nós e ainda diga: “você está indo muito bem, campeão.”

e eu me vejo nisso.
nessa preguiça confortável. nessa cegueira gourmetizada. nessa vida embalada a vácuo por notificações perfeitamente sincronizadas.
e no fundo sei que estou domesticado.
mas resisto.
ainda resisto.
nem que seja escrevendo isso aqui, com um pé na maçã, outro na lama do android, e o olho no futuro, esperando alguém inventar alguma coisa que me permita viver fora dessa porra toda e ainda assim ouvir música no bluetooth do carro sem travar o gps.

um dia. quem sabe… essa é a utopia moderna.
não paz mundial. não a cura do câncer.
é conseguir parear dois dispositivos sem ter que rezar pra são jobs, refazer a rede wi-fi, sacrificar um bode e reiniciar tudo três vezes.

porque hoje em dia, ser livre não é fugir pro mato… é conseguir abrir um pdf no celular e continuar no notebook sem virar refém de um ecossistema que te trata como um imbecil funcional.

e não me entenda mal… eu mordo a isca.
eu tô tão preso quanto você.
só que eu sei. eu vejo o cercado.
e tem dias que olho pro meu setup, celular, notebook, relógio, fone e penso caralho, eu virei um funcionário não remunerado da apple/google/samsung s/a.

é o capitalismo emocional com fundo musical e atualização de firmware.

você acha que é dono das coisas, mas é só um inquilino metido.
tudo é “seamless”, desde que você não queira sair do condomínio.
porque aí, meu amigo, aí começa o inferno, incompatibilidade, perda de dados, interfaces hostis, protocolos obscuros que parecem saídos de algum manual soviético.

mas a gente engole.
com gosto.
a gente defende com mais fervor que time de futebol.
como se ter o celular conversando com a cafeteira fosse prova de inteligência superior.

mas sabe o que é?
isso não é tecnologia. é massagem prostática pro ego preguiçoso.
você não quer liberdade. você quer não ter que pensar.

e as marcas sabem.
sabem que estamos exaustos, zumbis querendo só um botão que diga “foda-se, resolve isso pra mim”.
e elas resolvem. com um sorrisinho falso, uma notificação limpa, e o contrato assinado com teu silêncio.

no fim, não importa se é apple, samsung ou qualquer outro messias digital da semana.
você acha que escolheu seu lado.

mas a verdade?

você só tá decidindo quem vai te tratar como idiota com mais elegância.