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2025

wes anderson

eu percebi que estava fodido quando comecei a sentir inveja de personagens do wes anderson.
não da vida deles.
mas da capacidade que eles têm de fracassar com tanta… dignidade estética.

sério.
os caras vivem colapsos internos violentíssimos, e você mal percebe.
porque enquanto estão à beira da dissolução emocional completa, eles estão usando um casaco de lã com corte impecável, lendo um livro com um título tipo “essays on isolation (vol. ii)”, com a trilha dos zombies tocando ao fundo.
e você assiste e pensa…
“caralho, que vibe boa.”
vibe boa o cacete. o cara tá morrendo por dentro.

eu sou o tipo de pessoa que se reconhece num personagem que olha pela janela por tempo demais.
tipo o garoto de asteroid city, aquele com cara de que passou a adolescência inteira colecionando traumas em potes etiquetados.
o moleque fica o filme todo olhando pro céu como se estivesse esperando uma nave alienígena ou, sei lá, algum sinal de que a vida não é só um looping interminável de conversas estranhas e adultos que mentem sorrindo.

e quando a scarlett johansson vira pra ele e fala “you can look through me if you want, but you’ll have to focus”, eu me senti atacado.
porque é isso que o wes faz comigo.
ele me faz olhar pra personagens que, claramente, não estão bem mas que construíram castelos emocionais tão bonitos que ninguém ousa derrubar.
nem eles mesmos.

em os excêntricos tenenbaums, por exemplo, tem uma frase do eli cash que é perfeita…
“i always wanted to be a tenenbaum.”
eu entendo.
quem não quer ser parte de uma família emocionalmente disfuncional, mas com uma biblioteca impecável, figurino coordenado e depressões silenciosas com pedigree?

o richie cortando os pulsos com trilha sonora de elliott smith tocando ao fundo não é só uma cena, é uma instalação artística sobre como gente branca rica lida com o fim do mundo pessoal.
com silêncio, linho e drama ensaiado.
e mesmo assim, eu vi aquilo e pensei… “gostaria de estar nesse banheiro.”

o max fischer, de rushmore, é basicamente eu aos 16 anos, só que com mais iniciativa e blazer.
ele tem a audácia de dizer…
“i wrote a hit play! i’m in love with you!”
pra uma mulher claramente em luto, emocionalmente instável, e ainda por cima educada demais pra dizer “me deixa em paz, menino.”
e é essa energia, esse teatro interno constante, que define o universo do wes.
ninguém ali fala o que sente.
eles performam o sentimento.
com voz baixa, mãos nos bolsos e alguma peça de roupa herdada de um parente morto.

em viagem a darjeeling, os três irmãos literalmente vão até a puta que pariu pra encontrar a mãe que os abandonou.
e quando finalmente encontram, ela manda uma fala perfeita, glacial, que me destrói toda vez… “you don’t love me. you just love how i make you feel.”
puta que pariu.
quer frase mais passivo-agressiva e perfeitamente encenada que essa?
dá vontade de mandar bordar numa toalha de mesa.
e mesmo assim, eles aceitam.
sem escândalo.
sem cena.
só baixam a cabeça, ajeitam a mala da louis vuitton e pegam o trem de volta pra neurose cotidiana.

em a vida marinha com steve zissou, eu me vejo no bill murray.
o cara passou do prazo de validade, ninguém mais respeita, o filho aparece do nada e morre antes do terceiro ato.
e ele passa o filme inteiro de boina e olhar perdido, tentando parecer capitão de um navio imaginário que só ele ainda acredita que existe.
e aí, no meio de uma missão fracassada, ele solta:
“i wonder if it remembers me.”
falando sobre um tubarão.
um puta tubarão psicodélico que matou o melhor amigo dele.
e mesmo assim, a dúvida dele é essa.
se o bicho lembra.
esse é o nível de abandono afetivo que só um personagem do wes consegue alcançar.

e o sr. raposo?
uma raposa com terno de veludo que rouba galinhas porque não consegue aceitar que a vida se tornou estável demais.
tem uma cena em que ele pergunta…
“who am i? why a fox? why not a horse or a beetle or a bald eagle?”
e eu ali, comendo pipoca, me identifiquei com uma raposa animada com crise de identidade metafísica.
ele quer ser selvagem.
mas mora num buraco com iluminação aconchegante e uma esposa que claramente desistiu de esperar maturidade.

em ilha dos cachorros, os cães abandonados falam com mais dignidade do que qualquer humano na vida real.
o chief, o vira-lata que não quer se apegar a ninguém, diz…
“i bite.”
e pronto.
você entende todo o histórico de abandono e autoproteção daquele personagem.
uma aula de roteiro.
uma aula de como transformar trauma em frase de efeito.

e aí tem os detalhes.
as frases miúdas.
as coisas que passam voando, mas grudam em mim que nem vírus de melancolia.
tipo quando, em a crônica francesa, o benicio del toro nu, coberto de tinta e ódio diz:
“i’m not a great artist. i just have a great subject.”
e você sabe que ele tá falando da própria dor.
da própria miséria.
do próprio inferno interno embalado em tinta acrílica e frases curtas.

ou quando o zero moustafa, em o grande hotel budapeste, lembra do gustave h.
com aquele olhar de saudade que não chora.
e diz…
“he was one of the last.”
a última geração de gente que fingia bem.
que sabia fazer da decadência um espetáculo digno.
que sabia morrer com colônia, poesia e pontualidade.

eu assisto todos esses filmes como quem visita um museu da minha própria ruína.
reconheço peças.
me vejo nas vitrines.
e saio dali meio irritado, meio emocionado, sempre com vontade de fumar um cigarro que eu nem fumo só pra completar a estética da falência.

o wes anderson faz filmes como quem arruma o quarto antes de se enforcar.
tudo limpo.
tudo alinhado.
com uma carta de despedida escrita à máquina.
e você, espectador, entra nesse quarto, vê o corpo pendurado…
e pensa…
“meu deus, que belo carpete.”