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2025

do lists

não lembro o primeiro item que escrevi numa do list.
não lembro o papel, nem a caneta, nem onde eu tava, só lembro da sensação.
como se, por um breve momento, eu tivesse poder sobre o caos.
como se, por um segundo, eu pudesse colocar coleira na besta.

tinha alguma coisa entre a fome e o desespero naquela escrita.
não era tipo “ir ao mercado” ou “comprar shampoo”.
era mais assim “provar que não sou um fracasso antes das 18h.”
era a frase de um animal encurralado.
era um grito disfarçado de plano.

e desde então, foi isso.
foi sempre isso.
eu escrevo pra existir.
pra lembrar o que tô fazendo aqui.
porque o mundo não manda bilhete de boas-vindas pra ninguém.
ninguém vai bater na tua porta com uma prancheta dizendo “aqui, ó… sentido pra sua existência”.
então você escreve.
você inventa.
você sangra no papel.

e a lista vai crescendo.
vai ganhando forma.
como um corpo estranho que agora mora com você.
cada folha é um retrato sujo da tua mente naquele dia.
tem coisa banal, tipo “desentupir pia”.
tem coisa insana tipo “destruir aquele medo antigo que ainda mora entre as costelas”.
e tem coisa que você nem lembra de escrever, mas tá lá.
te olhando.
te cobrando.
te julgando como um espelho bêbado.

e aí, um dia, por acaso, zapeando entre um vídeo aleatório e outro, me dei de cara com uma entrevista da cynthia rowley, aquela figura meio punk, meio deusa doméstica da desordem elegante, falando sobre listas.
e ela falou assim, com a naturalidade de quem já queimou calendários só por tédio
“eu não faço to do lists. eu faço do lists. o ‘to’ é perda de tempo. é pra quem gosta de fingir que vai fazer.”

e naquele segundo, como uma epifania, tudo fez sentido.
eu pausei o vídeo, levantei devagar, e pensei,
é isso.
é exatamente isso.
o “to” é um enfeite.
um rímel em cadáver.
um pretexto linguístico pra adiar a própria vida.

desde então, nunca mais escrevi “to do”.
matei esse “to” com requintes de crueldade.
não é uma lista de intenções.
é uma ordem de batalha.

do list.
curta, cruel e sem piedade.

porque foi vendo aquela entrevista que eu entendi…
organizar o caos é uma arte.
mas fazer isso com estilo, com aquela mistura insuportável de leveza e precisão, é um ato de guerra silencioso.
e eu tava pronto pra ele.
minhas listas viraram mais do que plano.
viraram identidade.

escrevo nelas como quem escreve num testamento.
com a pressa de quem não confia no amanhã e a ironia de quem já morreu algumas vezes e voltou.
cada item riscado é um pedaço meu que venceu o tédio, a dúvida, a morte lenta do dia-a-dia.

e quando a coisa aperta, quando tudo parece girar em espiral e nada faz mais sentido,
eu volto pra ela.
a lista.
minha bússola, minha cicatriz, meu altar.

e lá tá escrito, entre uma tarefa idiota e um mandamento vital…

“lembrar: se você se ouvir falando e parecer um post do linkedin, para tudo.”

e eu levanto.
e sigo.
porque o “to” é uma mentira bonita.
o que resta é só o do.
e a coragem de continuar riscando.