
por muito tempo eu fui aquele idiota de manual… o garoto-propaganda não oficial do capitalismo tardio, vestido de camiseta preta com frase de efeito, fazendo check-in no linkedin como se fosse um troféu de guerra. o operário padrão da cultura do “faça mais”, “seja mais”, “sofra mais”, como se a vida fosse uma gincana de escola onde o prêmio final fosse… sei lá… um burnout de respeito e uma gastrite nervosa digna de estudo de caso em congresso de psicologia.
fui o cachorro de rua que corria atrás de cada osso jogado por gerente frustrado. o voluntário da exploração. o palhaço que sorria em reunião de orçamento cortado e ainda tinha a pachorra de agradecer pela “oportunidade de crescer com o desafio”. desafio, meu amigo, era acordar todo dia, olhar no espelho e fingir que aquela versão medíocre e cansada de mim mesmo era o tal “empreendedor de alta performance” que eu me vendia ser.
era meta em cima de meta, como se a vida fosse um videogame de fase infinita. eu me alimentava de kpis como quem come resto de marmita fria em sala de reunião. fazia “networking” com gente que eu odiava, dava like em post de ceo coach de instagram, e anotava em caderninho de capa preta frases que hoje me dão vontade de vomitar. tipo aquela pérola… “o sucesso começa onde termina a zona de conforto”. sabe onde terminou a minha zona de conforto? bem isso é outra história…
e o mais patético… o mais triste… é que eu acreditava. achava bonito dizer “eu não tenho tempo pra nada”. como se isso fosse sinal de relevância. como se viver ocupado fosse o mesmo que viver importante. como se ter agenda lotada fosse sinônimo de valor pessoal.
e aí um dia, sem trilha sonora de filme indie, sem raio de sol entrando pela persiana, sem porra de insight de guru de palco… eu só parei. cansei. larguei. chutei o balde com gosto. percebi que o máximo que eu ia ganhar com aquele roteiro previsível era um certificado invisível de funcionário do mês da minha própria desgraça emocional.
hoje, enquanto a molecada de tênis caro continua postando foto de tela de computador às 4h59 da manhã, enquanto a timeline ainda é infestada de frases mal traduzidas de livro de autoajuda de aeroporto… eu fico aqui. de fora. olhando como quem vê um incêndio de longe, com a serenidade cínica de quem já sabe o final.
eu não corro mais. não marco mais reunião que podia ser um e-mail. não entro em call com gente que finge entusiasmo. e principalmente… não romantizo mais cansaço. hoje meu único indicador de sucesso é a quantidade de vezes que eu consigo terminar o café antes dele esfriar. e, sinceramente… tá funcionando melhor do que qualquer canvas de planejamento estratégico que eu já preenchi na vida.
e o mais bonito dessa história toda… é que agora eu assisto tudo de longe. como quem observa um acidente de carro em câmera lenta, com aquele misto de fascínio mórbido e vergonha alheia. vejo os posts com os gráficos de produtividade, as fotos de cadernos rabiscados com “goal setting”, as frases de guru gringo mal traduzidas tipo “grind now, shine later”… como se o brilho prometido fosse mais que o reflexo do monitor nas olheiras fundas dessa geração de office zombies.
eles continuam lá… religiosamente acordando cedo, fazendo cold call, vendendo a própria dignidade por um “excelente trabalho, fulano” dito por um gerente que vai te demitir na próxima reestruturação. continuam lotando workshop de alta performance num sábado à tarde, pagando pra ouvir um cara de microfone de cabeça dizendo que o problema é falta de disciplina. falta de disciplina o cacete. o problema é falta de noção.
eu vejo os stories com “5h club” e sinto um prazer quase obsceno em saber que eu nunca mais vou fazer parte desse circo. me dá vontade de comentar em cada um deles… “parabéns, campeão… mais um passo rumo ao esgotamento físico, emocional e financeiro”. mas não comento. porque, no fundo, eu sei… todo mundo precisa passar pela fase de ser um idiota otimista antes de virar um cínico funcional.
o melhor? é ver como a engrenagem segue girando. as mesmas empresas que falam de saúde mental organizando happy hour obrigatório. os mesmos líderes que mandam e-mail sobre “respeitar o horário de descanso” te chamando pra call às nove da noite. e a galera… aceitando. sorrindo. agradecendo. feito criança que apanha e ainda pede desculpa.
se tem uma coisa que eu aprendi depois de anos sendo o bobo da corte da produtividade… é que tem uma vida inteira acontecendo bem longe de planilhas, dashboards e frases de efeito. e adivinha? ela é muito melhor daqui… de onde eu tô agora… sentado… com tempo… com saúde… e com zero vontade de voltar pra arena.
que eles corram. que eles suem. que eles façam post sobre “resiliência”. eu? eu passo.
e se alguém quiser continuar nessa corrida maluca… boa sorte. eu tô fora. e já faz tempo.