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2025

nada


sabe o que eu faço nas minhas horas livres? nada. absolutamente nada. e não aquele “nada” genérico, preguiçoso, de quem esqueceu da vida por acidente. não. o meu nada é meticulosamente escolhido. refinado. quase um ritual de gente que já entendeu que a vida, no fim das contas, não passa de um grande intervalo entre uma crise e outra.

enquanto o resto da humanidade se engalfinha por um lugar ao sol na olimpíada da relevância, eu sigo firme, praticando o ócio como quem decanta um vinho caro… com paciência, com respeito ao tempo e com total desprezo pelas expectativas alheias.

meu hobby é o ócio, mas não esse ócio de rede social, com filtro sépia e frase de efeito. o meu é o ócio raiz. sujo. silencioso. desconfortável pra quem tá acostumado com feed rolando em loop infinito. eu não tô falando de fazer um detox digital, ou de tirar um “tempo de qualidade”. eu tô falando de olhar pro teto por quarenta minutos e começar a questionar a existência de cada rachadura na parede. de ouvir o som da geladeira clicando, da rua respirando lá fora… e não sentir absolutamente nenhuma vontade de levantar.

é um ócio que vem com um certo requinte, eu admito. tem um quê de arrogância intelectual. é o tipo de prazer que você só descobre depois de anos fingindo que gosta de brunchs lotados, de viagens planejadas pra “se desconectar” e de happy hours com gente que você mal suporta. depois de todas essas farsas sociais, você aprende… a verdadeira felicidade tá em fazer nada… e gostar disso.

os outros colecionam hobbies como se estivessem montando um perfil no linkedin. cada final de semana uma nova obsessão… “agora comecei a fazer cerâmica”, “tô aprendendo italiano”, “comecei a correr maratonas”, “tô estudando vinho natural”. parabéns. eu sigo aqui, fiel ao meu passatempo mais honesto, o ato calculado, consciente e totalmente prazeroso… de simplesmente não fazer porra nenhuma.

não preciso de propósito pra justificar meu tempo livre. não preciso de resultado, nem de performance. meu kpi é o silêncio. minha métrica de sucesso é o quanto eu consigo adiar qualquer decisão. e sabe o mais poético? quanto mais eu me dedico a esse hobby, mais eu percebo o quanto todo mundo tá exausto, tentando parecer feliz.

enquanto eles abrem novas abas no navegador da vida, eu fecho todas. desligo tudo. encosto a cabeça. deixo o mundo se matar lá fora. e me entrego, com a satisfação de um chef provando o próprio prato, ao meu passatempo favorito… absolutamente nada.

não é falta de ambição. é excesso de bom senso.