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2025

artistas vs. ia

sabe o que é engraçado, eu cresci acreditando que artista era tipo uma entidade mágica. alguém que acordava suando genialidade, que ouvia uma nota e escrevia uma sinfonia, que via uma sombra e pintava o inferno. gente tocada pelos deuses, sabe? aí eu cresci. e descobri que, na real, muito artista era só alguém bom de networking, com diploma caro e um monte de amigos que sabiam bater palma no ritmo certo.

e agora que essa tal inteligência artificial entrou na festa, como o convidado que ninguém chamou mas que trouxe bebida melhor e ainda sabe dançar… a turma surtou. a elite criativa, essa irmandade sutil de gente que sempre achou que criar era um direito hereditário, tá em colapso. não porque a ia faz arte. mas porque ela faz arte que rivaliza com a deles. e sem precisar passar quatro anos na faculdade de cinema ou morar num loft com teto de vidro e plantas suspensas.

eu não tenho pena. pelo contrário. tem algo de profundamente poético em ver esse império de cartas ruir com um sopro digital. porque se uma máquina consegue fazer o que você faz e, pra piorar, com mais frescor, mais ousadia e sem esse ranço institucional… talvez você nunca tenha sido o gênio que pensava ser. talvez você só tivesse um bom domínio de técnicas e uma autoestima desproporcional.

e eu não tô dizendo que a ia é artista. longe disso. ela não tem fome. não tem obsessão. não tem angústia. mas ela é um espelho. e quando você se olha nesse espelho e não vê nada que te diferencie da produção automática de um modelo treinado com imagens de banco de dados e roteiros batidos de filme indie… o problema não tá na ia. tá em você.

eu olho isso tudo e penso… não foi assassinato. foi autópsia. e o corpo da arte institucionalizada já tava frio faz tempo. a ia só chegou, abriu o peito e mostrou que ali dentro não tinha coração batendo. só um relógio quebrado, fazendo barulho pra parecer vida.

enquanto isso, o verdadeiro artista… o maluco, o faminto, o obsessivo que cria mesmo quando ninguém tá olhando… segue. suando, errando, rasgando o próprio peito por uma frase, uma imagem, um grito. esses não estão em pânico. esses estão vivos.

o resto era só fachada com moldura cara. e agora a tinta tá descascando. aleluia.

eu olho pra tudo isso e sinto uma mistura esquisita de prazer e nojo. prazer porque finalmente a festa acabou… aquela onde os mesmos de sempre brindavam entre si com taças de cristal, fingindo que o que faziam era sublime, único, inalcançável. e nojo porque, mesmo agora, com as paredes desabando, ainda tem gente tentando vender autenticidade em potinho, com rótulo artesanal.

e aí eu penso… por que tanto medo? será que realmente acreditavam que estavam criando algo inimitável? ou será que sabiam, lá no fundo, que o trabalho deles era só mais um truque de salão, e que bastava aparecer alguém, ou algo, mais rápido, mais ousado, mais eficiente… pra todo mundo perceber?

o que me fascina é o desespero. ver gente que passou a vida rindo de quem tentava entrar no jogo, agora pedindo regras, exigindo fronteiras, suplicando por validação. os mesmos que gritavam “arte é liberdade!” agora querem manual de conduta pra separar o que pode ou não pode ser chamado de criativo. bonito isso. quase poético.

e tem uma coisa que não sai da minha cabeça… quando foi que criatividade virou território privado? quando foi que disseram que só quem entende as referências certas, frequenta os lugares certos, lê os autores certos… pode criar? e agora, quando o portão abre, quando qualquer um com fome e um teclado pode tentar fazer algo que provoque, que cause incômodo, que morda de repente querem fechar tudo de novo?

não dá pra fingir mais. não dá pra bancar o gênio incompreendido quando uma ia treinada em meia dúzia de fórmulas consegue te imitar tão bem que nem você sabe mais o que é teu. e isso dói. claro que dói. é o ego sendo espremido como espinha inflamada, fedendo a insegurança e medo de irrelevância.

e não tem manual pra isso. não tem livro de autoajuda que prepare alguém pra olhar pra própria obra e se perguntar… será que eu era só um algoritmo humano mal disfarçado?

mas ao mesmo tempo, é agora que a coisa fica boa. porque quem ainda tem algo verdadeiro dentro de si, algo que não dá pra copiar, que não cabe em prompt… vai continuar criando. talvez mais sujo, mais raivoso, mais intenso. e é isso que eu quero ver. não o artista seguro, de pose bem estudada e discurso afinado. quero ver o desespero criativo, o risco, o erro. quero ver quem ainda sangra no papel, na tela, na batida.

porque pra mim, só existe uma pergunta que importa, você ainda tem fome? se sim, bem-vindo ao caos. agora é pra valer.