
eu cresci acreditando que a verdade estava lá fora. numa base militar secreta, num porão mal iluminado em washington, dentro de uma nave acidentada escondida no novo méxico ou, no mínimo, na mente perturbada de algum agente do governo entupido de café e paranoia. a tv me ensinou isso. e não só me ensinou, ela me treinou, como um bom cãozinho. ela apertou meu focinho contra a tigela quente da conspiração e disse “cheira isso. agora lambe.”
e eu lambi.
a verdade virou um fetiche intelectual, desses que você veste com orgulho na roda de conversa pra parecer mais esperto que os outros. a verdade nunca foi o objetivo, foi só o pretexto. o que vicia mesmo é o mistério. o suspense. o quase. aquele momento antes da cortina abrir, que nunca abre, claro… porque a graça tá justamente aí, no jogo de pistas falsas, de mensagens codificadas, de mapas com o “x” que nunca chega a lugar nenhum. um vício como outro qualquer, só que com legenda e trilha sonora atmosférica.
mas a televisão, esse oráculo moderno com botox e pós-produção, não inventou a conspiração. ela só pegou o medo ancestral, aquele medo de estar sendo enganado, manipulado, usado… e serviu em alta definição, episódio após episódio, até isso virar nossa dieta cultural básica. a dúvida virou entretenimento. a paranoia, um gênero. e nós, com o controle remoto na mão e a cabeça fervendo de suspeitas, fomos nos acostumando com essa ideia reconfortante, não existe acaso, tudo tem uma razão. e se não tem… a ausência é a prova.
e aí vem o problema. porque quando tudo parece parte de um plano secreto, qualquer explicação simples soa burra. ou pior, soa como parte do plano. então a verdade oficial virou piada. e o cidadão médio, viciado em narrativas complexas, começa a procurar lógica em cada sombra, em cada tropeço, em cada atraso no correio. a série acabou? a resposta foi frustrante? então deve ser porque alguém não queria que você soubesse. o showrunner? os estúdios? a deep web? o vaticano? tanto faz. o importante é que a conspiração continua.
e enquanto isso, políticos, bilionários e líderes de seitas vestem o figurino de antagonista perfeito. ou de mártir, dependendo do gosto do freguês. é tudo roteirizado. o vilão que diz que é vítima. o herói que fala como um personagem de reality show. o povo assistindo de camarote, dividido entre quem acredita, quem finge que não acredita e quem ganha dinheiro vendendo camiseta com slogan críptico.
e quando a realidade tenta bater à porta com dados, provas, evidência concreta… ela é ignorada. ou remixada. a negação virou feature, não bug. a refutação é só mais um episódio. “eles querem que a gente acredite nisso”, diz o novo messias de cada esquina digital. e aí lá vai você, outra vez, mergulhado em vídeos pixelados, fóruns obscuros e aquele calorzinho no estômago de quem acha que está finalmente chegando lá. seja lá onde for “lá”.
a verdade está lá fora, sim. só que agora ela tá soterrada sob quinze temporadas de teorias, doze canais de youtube com thumbnails gritando, e uma multidão de convertidos que juram que tudo faz sentido, se você só olhar direito.
só mais uma pista. só mais um link. só mais uma live.
e quando você se dá conta, já não lembra mais quando foi a última vez que acreditou em algo simples. porque o simples, hoje, é o novo absurdo.
parabéns. você está acordado. bem-vindo ao show.