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2025

ambição

tá. vamos começar com a pergunta que ninguém tem coragem de responder sem encher de emoji e aforismo de palestra… por que você quer tanto?
não, não me venha com essa baboseira de “realização pessoal”, “deixar legado”, “inspirar os outros” esse tipo de frase só convence idiota que lê biografia de bilionário achando que é manual de iluminação espiritual. a real é que você quer porque você precisa parecer alguém. você quer porque tem medo de não ser nada. medo de não ser visto. medo de ser mais um. medo do anonimato. e aí veste esse medo, coloca no crachá, estampa no perfil e chama de “carreira”.

o nome disso é desespero com branding.

não tem nada de nobre em querer crescer se o que te move é essa sensação permanente de vazio que você herdou de uma infância sem aplauso.
mas ninguém fala disso. então você continua correndo. correndo feito um rato de laboratório numa esteira que só gira, gira, gira… e não leva a lugar nenhum além do espelho. aquele espelho que te devolve a imagem de alguém sempre cansado, sempre faminto, sempre prestes a desmoronar por dentro… mas com a porra do linkedin atualizado.

e sabe quem já sabia disso? bud schulberg. lá em what makes sammy run?, ele desenha com sangue o retrato do ambicioso profissional… sammy glick. um verme carismático que sobe pisando em tudo, mastigando os outros, cagando pra integridade, arte ou verdade. tudo que importa é a próxima escada. a próxima porta. o próximo aplauso. ele não quer fazer algo bom. ele quer que digam que ele é bom.
soou familiar?

esse é você.
sou eu.
é todo mundo que já trocou o prazer de criar pela expectativa de ser notado.

e por que isso acontece? porque você não tá ambicionando pelo topo, você tá tentando tapar um buraco. c.s. lewis, que era mais lúcido do que metade desses filósofos instagramáveis, explicava isso com clareza. tem o amor que vem da plenitude, de quem transborda e compartilha, e o amor que vem do vazio, da falta, da carência… esse que se disfarça de zelo, de dedicação, mas que na verdade é só um grito interno por validação. é o amor da tal sra. fidget… aquela que cuida de todo mundo só pra poder lembrar todo dia o quanto ela sofreu.
sabe aquela sua entrega absurda ao trabalho? aquela dedicação “irrestrita”? talvez seja só carência com crachá e reunião de alinhamento.

você tá tentando ser alguém porque tem medo de ser ninguém.

e a ambição se alimenta disso. ela se veste de propósito, mas te prende numa esteira. uma esteira que nunca para. uma esteira que te faz acreditar que excelência é o mesmo que estar à frente. e aí entra o vírus da superioridade.
você já não quer ser bom. quer ser melhor. melhor que o coleguinha, que o primo bem-sucedido, que a amiga fodona que posta no instagram direto de bali. você quer ganhar. mas nem sabe mais o que é o prêmio.

miroslav volf fala que essa busca frustrada por ser superior transforma você num mentiroso, daqueles que precisa convencer o mundo de que quem ficou pra trás não só perdeu, como merecia perder. arrogante, preguiçoso, burro, medíocre. porque se você admitir que o outro era bom, que ele só teve outro caminho… então o que te sobra é sorte. ou pior… falsidade.

e sorte, no mundo da ambição, é ofensa.

e você segue. inventa narrativa. disfarça vício de mérito. tira selfie no palco, fala de “impacto social”, abraça causas que não entende só porque elas rendem engajamento e carisma. não é autenticidade, é marketing pessoal com pretensão moral. o legado que você quer deixar é só a casca, a embalagem. o conteúdo mesmo? um grande nada.

e por trás de tudo isso, o desejo… não pelo sublime, mas pelo tangível. não pelo sagrado, mas pelo carro, o título, o post viral. os desejos altos você até finge ter, mas o que te move mesmo é a contagem de seguidores, o salário com dois dígitos antes da vírgula, o crachá que impressiona no jantar de família. santo agostinho dizia… “você se torna aquilo que ama.” e se você ama status, parabéns. virou um número. um dado de rh. uma máquina de entrega sem alma.

e talvez, lá no fundo, você até saiba disso.

talvez por isso o sono venha quebrado, a respiração curta, o fim de semana cada vez mais silencioso. talvez por isso você ache que precisa de “imersão de autoconhecimento” ou de um retiro num lugar com nome em sânscrito. mas o problema não é falta de paz. é excesso de mentira. mentira que você contou pra si mesmo quando trocou aspiração por ambição.

porque são coisas diferentes.

ambição é querer subir.
aspiração é querer ser.
a primeira te torna produto.
a segunda te obriga a ser humano.

e ser humano, hoje, é quase uma heresia.

walter kirn entendeu isso quando largou o teatro da performance e decidiu, doente e exausto, só aprender. sem tentar impressionar, sem tentar vencer. só ficar em silêncio e ser preenchido.
mas isso não vende.
não viraliza.
não dá palco.

e o mundo é um palco.

então você vai continuar correndo, cansado, faminto. vai continuar se enganando. se promovendo. se sabotando. vai continuar se chamando de “ambicioso” como se isso fosse elogio, enquanto tudo dentro de você grita por descanso, por verdade, por uma porra de um dia sem performance.

e talvez um dia você pare. talvez não.
mas se parar…
não espere aplausos.

só silêncio.
e quem sabe, pela primeira vez em muito tempo, paz.

mas só se tiver coragem de largar o palco e encarar o que sobrou nos bastidores.