
vamos direto ao que interessa.
esse filme… esse filme não é só bom.
esse filme é necessário.
e não no sentido chato, acadêmico, de “ah, é um clássico do cinema americano”. não, porra. glengarry glen ross é necessário porque ele fala a verdade que ninguém quer ouvir, muito menos os palhaços que ganham dinheiro te dizendo que tudo é mindset e que você só precisa acreditar mais em si mesmo pra transformar a sua realidade.
esse filme cospe na cara do otimismo institucional.
ele te arranca da tua zona de conforto com a delicadeza de uma marreta enferrujada.
ele desmembra, humilha, expõe e te obriga a encarar aquilo que todo mundo sabe, mas ninguém tem coragem de dizer…
o mundo do trabalho é um campo de batalha e você já perdeu. só ainda não percebeu.
dirigido por james foley e baseado na peça de david mamet, o poeta da frustração, o shakespeare dos desgraçados, glengarry glen ross é um tour de force sobre pessoas à beira do colapso, sobre o capitalismo nu e cru, sem decência, sem piedade, sem botão de “desconectar”. aqui, o sucesso é a única religião. e fracassar é mais do que uma vergonha, é uma sentença de morte profissional, emocional, existencial.
a história é simples. quase banal.
um escritório de vendas de imóveis, onde os corretores têm que vender lotes completamente irrelevantes para clientes desavisados.
a direção da empresa resolve fazer um jogo sádico… quem vender mais, ganha um carro. o segundo lugar, uma faquinha de churrasco. o resto?
é rua.
e no meio disso, os vendedores. pessoas que não acreditam mais no que estão vendendo.
alguns que nunca acreditaram.
outros que ainda fingem.
todos eles, quebrados por dentro.
cada um mais desesperado que o outro, arrastando seus ternos como soldados mutilados depois de uma batalha que ninguém ganhou.
e aí, entra a aula de atuação mais pornograficamente poderosa já filmada.
alec baldwin, com uma única cena, entra como uma entidade do inferno corporativo e redefine o que é domínio.
ele aparece feito uma tempestade de arrogância e desdém, vomitando verdades com a calma de um assassino serial motivacional…
“coffee is for closers.”
essa frase virou mantra porque é real.
no mundo real, o café… a dignidade, o respeito, o direito de existir… é só pra quem entrega resultado.
não importa como.
não importa o preço.
você não vendeu? então cale a boca.
só isso.
no meio do veneno escorrendo da boca do baldwin, nasce o bordão que virou religião, tatuagem, adesivo, slogan, discurso de gerente em evento de final de ano, ABC Always Be Closing.
uma filosofia tão brutal quanto verdadeira.
um mantra assassino que resume a lógica perversa da performance constante.
não existe “fazer o seu melhor”, não existe “dar o sangue”, não existe “processo de aprendizado”.
o que existe é fechou ou não fechou?
essa é a pergunta.
a única que importa.
e se você não tem resposta, então você é só mais um encosto na planilha.
“always be closing” virou tatuagem de vendedor, virou print em slide de palestra de gente que nunca vendeu nada além da própria ilusão.
mas ali, naquele momento, naquela cena, naquele filme, ABC…
é uma sentença.
é um soco na boca de todo funcionário que acha que um “bom esforço” merece parabéns.
não merece.
não vale nada.
não importa o quanto você tentou.
o mundo não dá medalha por tentativa.
o mundo dá demissão, dívida e gastrite.
e se você não entendeu isso… então assiste de novo.
porque o alec baldwin entendeu.
o mamet entendeu.
o filme inteiro é uma carta aberta à verdade que os coaches, os rhs, os donos de startup e os ceos que se vestem como estagiário fingem não saber…
ou você fecha, ou você tá morto.
e ninguém vai chorar no teu velório.
porque nem vão te notar.
al pacino interpreta ricky roma, o lobo vestido de lobo. um manipulador carismático, brilhante, um predador social com voz suave e discurso afiado. o cara que te convence a comprar um terreno em marte com sorriso nos lábios e desprezo nos olhos.
ele não vende. ele seduz.
e você compra… porque você quer acreditar.
jack lemmon, o velho leão ferido. o símbolo do passado engolido pelo presente. patético, trágico, desesperado. ele tenta, e tenta, e tenta… mas o mundo já decidiu que ele não serve mais.
e nada, absolutamente nada, é mais cruel do que isso.
e tem o kevin spacey, antes de cair da graça e virar lenda maldita. aqui, ele é perfeito… frio, burocrático, sem alma. o gerente que mede o valor de uma vida em leads. não tem sangue nas veias. tem café requentado e ressentimento.
e ed harris e alan arkin… dois homens encurralados, debatendo se vale ou não trapacear, se ainda dá pra ter algum senso de certo e errado num sistema onde a ética é uma piada contada por chefes rindo num campo de golfe.
mas veja bem… glengarry glen ross não é sobre personagens. é sobre nós.
é sobre o que nos tornamos quando nos dizem que temos que ser vencedores o tempo todo.
é sobre o teatro da performance.
é sobre fingir que está tudo bem enquanto a alma escorre pelo ralo junto com o resto da tua sanidade.
e por que você TEM que ver esse filme?
porque ele é uma ofensa direta a todo esse culto ridículo ao empreendedorismo tóxico, à positividade falsa, às frases de “seja seu próprio chefe” estampadas em camisetas feitas na china por pessoas que ganham menos por hora do que você gasta num pão de queijo gourmet.
esse filme é uma carta de amor ao fracasso.
e um aviso… se você não aprender a sobreviver nesse sistema, ele vai te devorar.
não com um rugido. mas com um bocejo.
porque você é só mais um.
mais um tentando parecer forte.
mais um fingindo que ama o que faz.
mais um achando que a próxima venda vai mudar tudo.
mas não vai.
e esse é o verdadeiro poder de glengarry glen ross.
ele não quer te confortar.
ele quer te acordar.
e se você ainda acha que precisa de um coach… então você não entendeu nada.
e nem vai.
e ontem, quando me perguntaram, de forma sincera, direta…. “qual papel você quer ocupar nesse projeto?”
e eu respirei fundo. porque não se trata de querer ser o melhor vendedor, o mais esperto da sala, o que fecha mais contratos ou leva o maldito cadillac do mês. já vi esse filme. já estive nessa sala. já ouvi o discurso. já vi o olhar desesperado de pessoas tentando vender qualquer coisa, até a própria dignidade… pra continuar no jogo.
e é justamente por ter visto, por ter sentido o cheiro do carpete molhado de suor e humilhação, que minha resposta veio nesse texto…
não quero ser mais um dentro da engrenagem. não quero repetir os rituais da performance cega, nem disputar faca de churrasco em troca de aceitação.
se é pra estar num projeto, que seja com olhos abertos, com sangue nas mãos e verdade no coração. ok ficou poético…. nem me reconheci agora…
não quero ser ricky roma, nem shelley levene, nem williamson, nem moss.
quero ser quem assiste tudo aquilo… e decide fazer diferente.
não por arrogância.
mas porque tô acordado.
e porque alguém, em algum momento, tem que ter a coragem de não jogar o mesmo jogo.
alguém tem que criar outro.
fim.
e, se me permite: mic drop.