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2025

meu maior vício


meu vício é coca cola zero. parece pequeno, banal, quase engraçado. mas não é. é o tipo de detalhe que explica mais sobre mim do que qualquer biografia bem escrita. não sou colecionador de vinhos, não entendo nada de cafés especiais, não gasto cem reais numa cerveja artesanal com gosto de pinho queimado. o que me move é o som plástico e vulgar de uma garrafa de dois litros sendo aberta. aquele tsshhht que anuncia: “você sobreviveu até aqui, toma sua recompensa”.

a primeira tragada não mata sede. nunca matou. mata angústia. mata o gosto da rotina mal digerida. é artificial, eu sei. mas é esse artificial que sustenta. coca zero é meu lembrete diário de que o mundo também é feito de plástico, mentira e verniz e a gente insiste em chamar isso de realidade.

o rótulo estampa o “zero” em letras grandes. zero açúcar, zero calorias, zero substância. e talvez esse seja o ponto… coca zero é a representação perfeita da nossa era. é o nada embalado como promessa. é o vazio vendido como escolha. e eu bebo esse vazio todos os dias porque, de algum modo, ele é mais honesto do que qualquer discurso de pureza, qualquer guru de bem-estar que acha que chia salva almas. coca zero nunca me prometeu nada. e cumpre exatamente isso… nada.

me olham torto. dizem que é veneno. que vai corroer meus ossos, fritar meus rins, apagar minha luz antes da hora. ótimo. mas todo mundo já tá morrendo de alguma coisa. alguns morrem de ansiedade, outros de reuniões inúteis, outros de acordar cedo pra viver uma vida que não escolheram. eu escolhi morrer carbonatado. e vou até o fim com isso.

o mais curioso é como coca zero, no seu vazio assumido, é mais sincera que muita gente. ela não posa de saudável, não finge autenticidade. ela é lixo e assume ser lixo. e eu confio mais nesse lixo honesto do que em qualquer virtude envernizada.

talvez esse seja meu maior aprendizado com a coca zero, aceitar o artificial como parte do jogo. não romantizar. não dourar a pílula. só beber e seguir. porque, no fim, é isso que ela faz por mim. dá alguns segundos de ilusão com bolhas e depois me devolve à realidade. e eu volto, sempre volto.

um dia pode ser que ela desapareça. e aí? vai ter contrabando, guerra de supermercado, garrafa escondida em fundo falso. e eu vou estar lá, sem dignidade, sem disfarce. porque coca zero é mais que um vício… é a metáfora de tudo o que a vida é. uma sucessão de zeros embrulhados em papel colorido. e a gente segue bebendo, porque sem isso, o silêncio seria insuportável.