
imagina a cena… uma criança de seis anos, camiseta do homem-aranha suja de sorvete, cabelo grudado de suor, sendo encarada por um adulto que acha que está fazendo uma pergunta profunda, quase existencial, quando na verdade está só despejando sobre ela a mais entediante e burocrática das expectativas humanas: “o que você quer ser quando crescer?”. como se a criança tivesse a obrigação de parar de chupar o picolé, largar o lego e soltar um power point com metas, prazos e carreira definida. sério, é como pedir para um gato escolher o próximo ministro da economia (ok isso já acontece). a criança deveria, no máximo, responder: “pirata espacial” ou “dona de um castelo inflável” mas não, a gente quer respostas sérias, consistentes, “realistas”.
e a pergunta nunca é sobre quem a criança quer ser, mas sobre o que ela vai fazer para pagar contas, agradar os pais e se enquadrar no carnaval corporativo. ninguém pergunta se ela quer ser alguém curioso, engraçado, leal, ou só um sujeito que sabe fazer um belo arroz com feijão. não, o que interessa é em qual prateleira do supermercado humano ela vai se encaixar. médico, advogado, engenheiro, influencer e o sorriso de aprovação vem sempre do adulto, nunca da criança. é como se a infância fosse um estágio probatório para a vida adulta, e já fosse preciso definir desde cedo qual será a marca da coleira.
aos vinte, a maioria ainda acredita em meritocracia e acorda cedo para trabalhar em empregos miseráveis, convencida de que isso é uma fase. aos trinta, descobre que a fase é permanente. aos quarenta, se der sorte, já foi demitido, já fracassou, já errou feio o bastante para perceber que o manual de instruções não existe e que ninguém nunca soube exatamente o que estava fazendo. é aí, e só aí, que a pergunta faz algum sentido. antes, é só sadismo travestido de curiosidade.
porque a vida não é linear, não é o joguinho de tabuleiro com casinhas numeradas onde no final você chega em “sucesso profissional” e ganha uma plaquinha de funcionário do mês. a vida é mais tipo um bar sujo às três da manhã… você entra achando que vai tomar uma cerveja, sai com um cigarro barato no bolso, cheiro de fritura impregnado na roupa e uma história que talvez faça sentido só daqui a dez anos. e tudo bem.
se for para perguntar alguma coisa para uma criança, que seja “qual o gosto do céu azul?” ou “quantos dinossauros cabem dentro de um sonho?”. perguntas que não têm resposta, mas têm graça. o que ela quer ser quando crescer? quem se importa. ela vai descobrir tropeçando, quebrando a cara, mudando de ideia cinquenta vezes e, com sorte, rindo disso tudo mais tarde. crescer não é um destino, é um acidente de percurso. e é justamente por isso que ninguém nunca sabe o que está fazendo.