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2024

tempo

há algo de mágico – e, sim, um tanto contraditório – em dar corda em um relógio de pulso todas as manhãs. ele não te manda notificações, não te dá um score para seu sono, não te diz quantos passos você deu e não te lembra de “respirar” como um apple watch. o que ele faz? me coloca no presente. o simples ato de girar a coroa todos os dias, sabendo que, por mais que eu faça isso religiosamente, ele ainda pode atrasar alguns segundos ou mesmo parar, me lembra que a vida não é – e nem precisa ser – tão precisa assim.

estamos tão obcecados por precisão e conexão constante que esquecemos do prazer do que é imperfeito e até um pouco falho. por que a necessidade de ter tudo cronometrado ao milissegundo? será que essa busca incessante pela precisão não reflete uma necessidade patética de controle? a vida é caótica, o tempo é fluido, e um relógio mecânico dos anos 50 entende isso de uma forma que nenhum gadget supermoderno jamais entenderá.

esse relógio, que já viu mais amanheceres do que eu, foi feito para durar além de mim. e, ironicamente, é justamente sua imprecisão que o torna tão fascinante. ele requer cuidado, atenção. ele me obriga a pausar e lembrar que o tempo – o verdadeiro tempo, aquele que não pode ser reduzido a números e medições exatas – continua a passar independentemente de como tentemos controlá-lo.

sim, eu sei que há um certo charme no apple watch, com sua infinidade de funções, mas, fora momentos fitness, não há absolutamente nada nele que me atraia. é prático? com certeza. mas ele também simboliza tudo que estamos perdendo: a habilidade de simplesmente estar presente, de apreciar o mundo sem precisar de um lembrete digital para nos dizer o que fazer a cada minuto.

dar corda no meu relógio é uma pequena rebelião contra a ideia de que tudo precisa ser perfeito e sincronizado. é um ato de resistência em um mundo que valoriza a eficiência acima da experiência. ele me lembra que a vida é mais sobre a jornada do que sobre chegar “no horário”. então, enquanto muitos estão presos em um ciclo sem fim de atualizações, métricas e lembretes, eu prefiro lidar com o leve atraso do meu velho relógio – ele, ao menos, entende que o tempo é uma criação muito mais humana e muito menos controlável do que gostamos de admitir.