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2024

o que é viajar

viajar é um ato de autossabotagem consciente, é um mergulho de cabeça no caos, um convite explícito para o desconforto. não é para os fracos. é pra quem tem estômago pra olhar de frente o que o mundo realmente é: sujo, desorganizado, brutal. você é arrancado do colo quentinho das suas certezas e lançado no vasto e impiedoso desconhecido, onde ninguém dá a mínima para suas sensibilidades ou manias. o que é fascinante e ao mesmo tempo destruidor sobre viajar é que você não tem como escapar da verdade de que o mundo não gira ao redor das suas expectativas.

você chega numa cidade estrangeira com a bagagem cheia de preconceitos e certezas. ah, você acha que sabe, acha que está preparado para o que vai ver. mas logo de cara, a primeira coisa que te acerta é o cheiro. forte, estranho, um misto de fritura, suor, especiarias e lixo orgânico. é o cheiro de uma realidade que nunca passou nem perto das suas fantasias de instagram. e aí, meu amigo, você começa a perceber que o buraco é mais embaixo. porque viajar não é só “ver paisagens bonitas” e postar uma foto no pôr do sol pra ganhar curtidas.

viajar é sentar numa espelunca no meio do nada e comer uma comida cujo nome você não consegue pronunciar, preparada por alguém que não dá a mínima se você vai gostar ou não. e aí você percebe que o seu conceito de “bom gosto” é irrelevante. ninguém tá aqui pra te agradar. o mundo não é um restaurante com menu adaptado ao seu paladar infantil. é melhor se adaptar rápido ou voltar correndo pro aeroporto mais próximo.

a verdadeira brutalidade de viajar, no entanto, não está nas condições externas — no calor, na comida esquisita, na falta de conforto. a brutalidade mora dentro de você. porque viajar é, acima de tudo, um confronto com as suas limitações. é quando você descobre que aquele ser humano “tolerante”, “aberto” e “de espírito livre” que você pensava ser, na verdade, tem seus próprios preconceitos, suas inseguranças, sua arrogância cultural disfarçada de “boas intenções”. você acha que tá indo pra ensinar alguma coisa ao mundo? bobagem. você vai é aprender, na marra, que o mundo não precisa de você. o mundo não tá te esperando com um tapete vermelho e palmas. você vai aprender que é insignificante.

e aí, se você tiver sorte, depois de ser triturado por tudo isso, vai entender que o verdadeiro valor de viajar não está nas fotos ou nas histórias que você vai contar de volta em casa. tá no silêncio. naqueles momentos de absoluta solidão e desconforto, quando você finalmente aceita que a sua visão de mundo era ridiculamente limitada. e, quem sabe, se você for realmente honesto, vai sair dessa experiência menos cheio de si, mais humilde, mais empático. ou, talvez, só um pouco mais cínico, mas com uma visão mais clara de quem você realmente é.

viajar te quebra, e esse é o presente. é a brutalidade que transforma. se você sair inteiro, parabéns, mas provavelmente você não entendeu nada.