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2024

post gourmet

ah, a gourmetização da vida. agora, tudo tem que ser uma performance de ostentação cuidadosamente montada, desde o café que a gente toma até o jeito que passamos o tempo. lembra quando dava pra resolver as coisas de forma direta, sem floreios? hoje em dia, tudo é um festival de etiquetas de luxo e adjetivos desnecessários.

até o jeito que a gente relaxa foi sequestrado por essa onda. você não pode simplesmente curtir um livro ou ver um filme, tem que ser uma “experiência de leitura imersiva” ou uma “sessão de cinema premium”, cheia de aparatos que prometem uma profundidade transcendental. lembra quando você só deitava no sofá com um livro velho e deixava o mundo lá fora? agora, se o livro não vem com uma capa dura especial, impresso em papel reciclado de bambu orgânico, e autografado pelo autor num evento exclusivo, parece que nem vale a pena.

e o ar? o básico ar que a gente respira. antes, o ventilador ou o ar-condicionado davam conta do recado. hoje, somos bombardeados com “purificadores de ar com infusão de óleo essencial”, como se o nosso oxigênio precisasse passar por um spa particular antes de chegar aos nossos pulmões. tudo isso embrulhado na promessa de que você vai sentir uma paz espiritual só porque o ar agora é aromatizado com lavanda dos alpes franceses. se não te der alergia, claro.

até o sono, essa coisa tão simples, virou uma missão gourmet. lembra quando a gente se jogava na cama, puxava a coberta e boa noite? agora você tem que ter um colchão de látex com memória, lençóis de algodão egípcio e um aplicativo que monitora suas ondas cerebrais enquanto você dorme. porque, aparentemente, a gente já não sabe mais dormir. agora é preciso medir, rastrear, analisar, e acordar com gráficos e estatísticas do seu desempenho noturno.

no final, essa gourmetização é uma conspiração pra nos afastar da essência das coisas. o básico ficou marginalizado, como se o simples não valesse nada. e, na corrida por esse tal luxo de boutique, a gente vai se perdendo. porque no fundo, o que a gente quer mesmo é se jogar no sofá com um café normal, ler um livro qualquer e deixar a vida seguir seu curso. mas não – estamos presos no teatro da gourmetização, onde o trivial é pecado e o básico precisa de um upgrade. o que era simples agora é embaraçosamente sofisticado. e o básico? esse, amigo, esse está ficando cada vez mais raro.