
a neutralidade é a tática dos que querem sobreviver no teatro da vida sem nunca entrar no palco. é o cozinheiro que evita qualquer tempero que possa ofender o paladar delicado de quem “não tolera pimenta”. você já viu esse cara — ele é o chef que prepara um prato como se estivesse montando uma planilha de excel. faz o básico, o insosso, o insípido, com um sorriso frio de quem acha que o verdadeiro talento é nunca se comprometer. afinal, qual é o crime de cozinhar sem sal, não é? não ofende ninguém. mas, e aí, quem quer comer isso? quem quer uma vida que tenha o gosto de água morna?
a neutralidade é a especialidade dos que têm um medo mortal de realmente acrescentar algo ao prato. é o jornalista que nunca faz a pergunta que precisa ser feita, o escritor que nunca ousa uma linha de verdade. ele escreve como quem limpa uma janela: invisível, translúcido, sem marcas. é o tipo que vê o mundo como uma coleção de colheres de chá, cada uma medida milimetricamente pra não ofender nem o freguês mais exigente. e eles adoram essa pose de pureza moral, de quem está acima da vulgaridade das opiniões. mas, sabe o quê? na real, o neutro não tá acima de nada. ele tá embaixo, rastejando no meio-termo.
e é claro que ele não quer sujar as mãos — porque sujar as mãos é feio, exige assumir que o mundo não é um lugar simétrico e que, às vezes, sim, você tem que escolher um lado. o neutro odeia isso. ele quer um mundo onde todo debate seja um exercício educado de boas maneiras, onde o fogo e a sujeira da opinião forte fiquem à margem, longe do espetáculo. ele quer um universo higienizado, onde ele possa desfilar com seu prato cinza e sua cara de “sou mais evoluído que você”. mas, me diz, desde quando ser um medroso com diploma de educação faz de alguém relevante?
o neutro tá no fundo da cozinha, escondido no freezer onde nunca vai correr o risco de queimar a língua. ele acha que, assim, tá acima de toda essa “briga suja” que é viver com convicção. mas a verdade é que ele é tão parcial quanto qualquer um — só que com um verniz de “imparcialidade” pra esconder que tá morrendo de medo. então ele se veste de diplomata, de “eu só observo”. mas a neutralidade é só uma desculpa pro desespero de quem tem medo de que seu gosto próprio ofenda alguém. é o último refúgio do inseguro, do covarde e, sejamos sinceros, do insosso.
ser neutro não é virtude. é o caminho fácil dos que nunca vão ter seu nome lembrado, dos que nunca vão criar algo que faça alguém pensar, dos que sempre escolheram o caminho menos arriscado. é a especialidade do cozinheiro que acha que o prato perfeito é aquele que ninguém lembra de ter comido. é o manifesto do sem-gosto.