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2024

viajar de avião

o avião, esse tubo de metal pressurizado e hermético, flutuando a 35 mil pés no céu, é basicamente um teatro dos absurdos. você paga caro — muitas vezes o equivalente a um jantar luxuoso numa capital gastronômica — para se enfiar num espaço claustrofóbico com fileiras apertadas de poltronas e respirar um ar reciclado que provavelmente é mais velho que as piadas do seu tio no natal. é uma experiência em que você é exposto a todo o tipo de insanidade humana possível e, como numa novela mexicana de baixo orçamento, está ali preso, sem chance de mudar o canal.

primeiro, o check-in, essa maratona ridícula de estresse. o objetivo do processo? desumanizar você, transformar um ser humano com dignidade em um peso de bagagem a ser etiquetado, catalogado e empurrado por uma série de filas e escâneres. e, claro, há o sempre desconfortável jogo de equilíbrio entre os itens da mala de mão e o limite de peso da bagagem despachada, como se o seu desodorante de 50 ml fosse uma ameaça séria para a segurança aérea global. a fila de segurança é um show à parte, onde você tira sapatos, cinto, esvazia bolsos, se despede da dignidade e reza para que o detector de metais não vá acusá-lo de contrabandear uma colher de aço ou um carregador de celular.

e então você embarca e descobre que vai passar as próximas horas esmagado ao lado de estranhos que, por algum motivo inexplicável, parecem ter esquecido todos os códigos mínimos de convivência social. aquele cheiro acre da comida pré-embalada já toma o ar, uma mistura de algo que um dia foi uma refeição e uma imitação de sabor que você jura já ter sentido no refeitório da escola. e claro, ao lado, o cidadão médio que resolve tirar o sapato e exibir aquela meia furada que viu dias melhores, tudo para aumentar a sua miséria e lembrar que o conceito de espaço pessoal é um sonho impossível a bordo de um avião.

se você teve a má sorte de pegar um assento no meio, bem-vindo ao inferno particular. espremido entre dois desconhecidos, você tenta encolher os ombros, puxa os cotovelos e torce para não precisar daquele mísero apoio de braço que ambos os vizinhos resolveram ocupar sem cerimônia. tem o cara que se recusa a fechar o laptop, mesmo depois que a decolagem começa, como se estivesse administrando a economia global. e tem a criança que não para de chutar a sua cadeira, e o pai que acha tudo muito engraçado, como se esse inferno em altitude fosse uma sessão privada de entretenimento.

a comida de avião. ah, a comida. um tributo ao desperdício culinário. você tem sorte se ela chega quente, e mais sorte ainda se você consegue distinguir o que está comendo. frango? massa? alguma massa gelatinosa com molho indefinido que provavelmente foi desenvolvida em laboratório para durar semanas. e o café? digamos que ele faz a máquina do escritório parecer uma cafeteria italiana. é uma infusão de algo marrom e quente que deixa aquele retrogosto metálico de derrota.

e, claro, o banheiro. um armário diminuto onde você mal consegue virar o corpo e tem que encarar o horror de usar uma pia onde a água sai a conta-gotas. enquanto você tenta se equilibrar, o avião balança, e você sente a leve paranoia de tocar nas paredes, tentando não pensar em quantas mil pessoas passaram ali antes de você. o som daquele aspirador industrial sugando o conteúdo do vaso é o ponto final de uma experiência existencial que você não pediu para ter.

no fim, após horas nesse purgatório voador, você finalmente sente a descida e o pouso. mas não é o fim, é claro. vem o desembarque, outra prova de paciência enquanto o sujeito na sua frente parece incapaz de coordenar os movimentos para pegar a bagagem de mão. e você ali, com os músculos endurecidos, a sanidade em frangalhos, olhando para o relógio e prometendo que nunca mais vai passar por isso.

mas quem estamos enganando? vamos fazer tudo de novo.