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2024

culturas

outras culturas… um prato cheio de temperos, temperamentos, modos de ver e viver o mundo que a gente acha que entende, mas na verdade só arranha a superfície. porque a verdade é: a gente adora o “exótico” desde que seja confortável, acessível, moldável. aquele nosso vício ocidental de enfiar tudo em caixinhas, rotular como “autêntico,” e consumir da forma mais conveniente, mas sempre do lado de cá, sem cruzar as barreiras reais. afinal, ninguém quer encarar o fedor de verdade, o calor que sufoca, o idioma que te humilha. a gente quer é uma versão filtrada da coisa, limpinha e formatada pra ser devorada em meia hora e virar foto no instagram.

toda cultura tem camadas. o problema é que nossa obsessão por rotulá-las geralmente ignora as camadas mais fundas, aquelas que realmente moldam as pessoas. a gente gosta de explorar o que é bonito e cativante, mas o que é incômodo? o que desafia nossas verdades e nossa moralidade? passa reto, obrigado. nosso olhar é faminto e seletivo, busca a beleza em pratos bonitos e roupas coloridas, mas não aguenta o cheiro forte das ruas ou a bagunça dos mercados que realmente fazem uma cultura vibrar. nada mais cínico do que nossa versão da “experiência cultural” que cabe numa viagem de sete dias. somos turistas sentimentais, aficionados pela beleza da pobreza — mas desde que ela seja pitoresca.

é como aquele prato de rua, o melhor da cidade, que a gente quer provar… mas que seja higienizado, por favor. “exótico” é só até o ponto que nos agrada. nos dá uma sensação de aventura, mas sem risco. queremos a cultura autêntica, mas sem os riscos de ter o estômago virado do avesso ou de ter que negociar em um idioma que não entendemos. ninguém quer aprender a esperar uma comida demorada, entender os códigos locais, observar as entrelinhas. não queremos ver as sombras, as contradições, o lado que faz parte tanto quanto a beleza. queremos a fantasia, o cenário, a versão de capa de revista da cultura alheia.

o interessante é que em todas as culturas existe algo que confronta nosso modo de vida, nos provoca a reavaliar quem somos, nos faz questionar porque vivemos dessa forma. mas isso é uma ameaça para nossa zona de conforto e, convenhamos, ninguém gosta de ser tirado da zona de conforto. então a gente trata de domesticar a experiência, transforma o choque cultural numa versão fast food de “choque cultural”, num souvenir que levamos pra casa e esquecemos na prateleira.

culturas são complexas, e talvez o maior erro seja nosso eterno esforço para simplificá-las.