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2024

viajar muda você

as viagens mudam você. ou pelo menos é o que todo mundo gosta de acreditar. mas quem já caiu na estrada de verdade, não naquela versão asséptica dos pacotes turísticos, sabe que a mudança não é um raio de luz divino que te atinge no topo de uma montanha ou em algum templo secreto descoberto no google maps. a mudança é lenta, crua e, na maior parte das vezes, desconfortável. ela vem daquele busão lotado e malcheiroso na índia que te deixou à beira do desespero, ou daquela discussão frustrante com um taxista em marrakech que te deixou sem dinheiro e sem dignidade. a mudança real não pede licença, não tem um plano e, na maioria das vezes, nem faz sentido até anos depois.

é fácil romantizar essa coisa de “deixar o mundo te transformar”. mas a verdade é que, na prática, isso significa ter que lidar com o fato de que o seu francês escolar mal vai te comprar um café em paris sem um olhar de desprezo. ou que aquele mochilão “descolado” que você comprou na loja mais chique da cidade é a coisa mais inútil e desconfortável pra carregar quando você está subindo uma ladeira em cusco, ofegante e suado, questionando suas escolhas de vida. as viagens mudam você, sim, mas é mais como uma cirurgia sem anestesia, em que você acorda e percebe que algo dentro de você foi removido – aquela arrogância, talvez, ou a ilusão de que você sabia alguma coisa sobre o mundo.

e então você volta pra casa, com um pouco mais de sabedoria e um pouco menos de paciência pras pequenas besteiras. você já não tem tempo pra falsos encantos, e os lugares, assim como as pessoas, precisam te conquistar de verdade, sem firulas. percebe que aquele papo de “voltar pra zona de conforto” perdeu o apelo; a zona de conforto, na verdade, virou uma jaula. porque depois de ver as coisas como elas realmente são – de ver de perto a beleza, o caos, a simplicidade brutal de culturas que não ligam a mínima pro que você acha civilizado ou “aceitável” – não tem mais como fingir que nada mudou. você agora carrega um pedaço de cada lugar, de cada cena bizarra, de cada rosto que encontrou pelo caminho.

no fim das contas, viajar é mais uma missão de desmonte que qualquer coisa: você perde um pouco do seu ego inchado, das suas certezas bobas e dos seus gostos polidos. e ganha um olhar mais afiado, um paladar mais destemido e uma aversão completa a rituais superficiais. você aprende a abraçar o absurdo, a rir das suas próprias frescuras, e a respeitar o fato de que o mundo sempre vai ser um lugar desconfortável, bagunçado e, honestamente, muito mais interessante do que aquela versão estéril e segura que você achou que ia encontrar.