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2024

botas

não foi uma decisão planejada, nem uma grande epifania. um dia, simplesmente, percebi que os tênis que usava todos os dias não faziam mais sentido. olhei pra eles – aqueles pedaços de espuma e tecido, gastando o último resquício de dignidade – e senti uma mistura de tédio e vergonha. tênis são fáceis, convenientes, leves… e absolutamente desprovidos de qualquer personalidade. percebi que tava andando por aí com algo que poderia ser de qualquer um. genérico, previsível, descartável. era como estar preso numa dieta de nuggets congelados e achar que tava tudo bem. foi aí que abandonei os tênis e comecei a viver de botas de couro.

botas são outra coisa. são peso, compromisso, uma declaração silenciosa de que você não tá aqui pra brincar. elas não gritam tendências, não tentam ser o sapato do momento. botas são feitas pra durar, e, nesse mundo onde tudo é projetado pra quebrar, isso já é quase um ato de rebeldia. um tênis novo é o melhor que ele vai ser. o couro de uma bota, por outro lado, só fica mais interessante com o tempo. a cada arranhão, a cada dobra, ela carrega mais de você. é como um diário nos pés – cada marca uma história, cada vinca um lugar por onde você passou. tênis? tênis morrem jovens, anônimos, sem deixar nenhum legado.

e tem a durabilidade. vamos ser honestos, tênis não foram feitos pra durar. foram feitos pra vender. usou algumas vezes? solado descolando. pegou um pouco de chuva? o tecido já tá parecendo um guardanapo molhado. botas, por outro lado, encaram qualquer coisa. lama, chuva, pedra, poeira. não importa. elas são feitas pra resistir. botas não pedem permissão pra existir. não imploram cuidado. elas só seguem, firmes, enquanto o mundo ao redor tenta desmoronar.

e sabe o que é melhor? botas funcionam em qualquer lugar. enquanto tênis precisam de desculpas – “ah, é só pra academia”, “é só pra um passeio rápido” – as botas vão com você pra qualquer lugar. elas não se intimidam. podem pisar na terra, atravessar uma cidade inteira, entrar numa reunião, ou até caminhar pela calçada sem parecer que você tá indo pra uma corrida que nunca vai acontecer. elas têm essa versatilidade que só vem de algo atemporal. não precisam de validação. não precisam de você justificando.

hoje, meus tênis estão relegados ao que realmente foram feitos pra fazer: aparecer na academia, quando eu decido fingir que ainda me importo com aquilo. fora isso? nem pensar. minhas botas de couro tomaram o lugar que sempre foi delas. não só porque duram mais, ou porque carregam história, mas porque elas simplesmente fazem mais sentido. são sólidas, confiáveis, e não precisam de espuma ou marketing pra provar isso. elas não só aguentam o mundo – elas enfrentam ele. e, usando elas, eu também.