
paris não se importa com você. ela nunca se importou e nunca vai. é uma cidade que sobreviveu a séculos de reis, revoluções e turistas que acham que croissant é sobremesa. você é só mais um idiota sentado num café, fingindo que vai fazer algo grande, como se a sua presença ali, com um caderno e uma caneta, significasse alguma coisa. a verdade? não significa.
eu estava ali, num desses cafés parisienses que parecem ter saído direto de um filme – cadeiras de vime, mesas de mármore, garçons com aquela atitude que oscila entre arrogância e indiferença. o café chegou, pequeno, preto, e tão forte que parecia um desafio. o tipo de coisa que te faz pensar: “é isso, agora vai.” puxei o caderno, saquei a caneta e, claro, ela falhou. porque, é claro, ela tinha que falhar.
não foi uma falha rápida e limpa, do tipo que te permite seguir em frente. foi lenta, humilhante. rabisquei no canto da página, sacudi, até bati a ponta contra a mesa – e tudo o que consegui foi um traço pálido, esfarelado, como se a caneta estivesse morrendo na minha mão só pra me fazer sentir ainda mais inútil. o garçom passou, me lançou um olhar que dizia: “se você for chorar por causa de uma caneta, faça isso depois de pedir outra bebida.” típico.
e enquanto eu lutava com aquele pedaço inútil de plástico, me veio a clareza brutal de que a vida é exatamente assim. você faz tudo certo – senta no lugar certo, no momento certo, com a ferramenta certa – e, no final, ela te joga uma falha dessas. como quando você trabalha semanas pra um projeto no emprego e na hora de apresentar, o powerpoint não abre. ou aquela vez que você ensaiou um discurso perfeito pra dizer a alguém que ama, mas as palavras travaram na sua garganta, e o momento passou. a caneta, o powerpoint, sua própria língua – todos cúmplices no crime de te fazer parecer um idiota.
paris não liga. a cidade continua. o casal na mesa ao lado discute arte como se fossem críticos do louvre. um senhor acende seu cigarro com a precisão de quem já fez isso cinquenta mil vezes e vai continuar até o pulmão implorar por socorro. ninguém tá nem aí pra você, pra sua caneta, ou pra sua ideia brilhante que acabou de evaporar.
e é isso. a vida não te dá ferramentas perfeitas. ela te dá canetas que falham, momentos que se esfarelam, e um garçom que não vai te perguntar se tá tudo bem. e o que você faz? você senta ali, encara o café, pede um vinho. talvez largue a caneta, talvez encontre outra, ou talvez perceba que, no fim das contas, o que você precisava mesmo era aceitar que nada funciona do jeito que deveria. nem canetas, nem a vida.