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2024

naked lunch

se você ainda não leu naked lunch, do william s. burroughs, preciso perguntar: o que exatamente você anda chamando de “literatura”? romances bem comportados que começam na infância de um personagem, passam por um trauma previsível e terminam com uma epifania qualquer? não me diga que ainda acha que kerouac é transgressor. ele é um passeio de bicicleta numa tarde de primavera comparado ao que burroughs faz aqui.

naked lunch não é um livro. é uma incisão. uma cirurgia feita sem anestesia, com instrumentos enferrujados, diretamente na parte da sua mente que você tenta evitar a todo custo. burroughs não escreveu — ele esculpiu. cada página é um corte, cada palavra é um bisturi. e o que ele expõe não é bonito, não é confortável, e certamente não é para os covardes. é sujo, grotesco, e, no entanto, brilhante de um jeito que poucos livros ousam ser.

não espere linearidade. não espere uma “história”. burroughs não está interessado em te contar algo. ele quer que você se perca, que tropece nas suas próprias convicções, que se encontre sozinho em um beco escuro da sua consciência, perguntando o que acabou de acontecer. naked lunch é como ser arremessado sem aviso dentro de um filme noir dirigido por alguém que acabou de tomar um coquetel de substâncias questionáveis.

e é isso que o torna essencial. porque, ao contrário da maioria dos livros que você leu — aqueles que se esforçam tanto para te agradar, para te entreter — naked lunch não quer nada com você. ele não se importa se você entende, gosta ou até mesmo sobrevive a ele. burroughs escreveu isso para se livrar de si mesmo, para exorcizar demônios que a sociedade prefere ignorar. e no processo, ele criou uma obra que não só desafia todas as convenções, mas destrói qualquer ideia de conforto que você tenha sobre o que a literatura “deveria” ser.

ler naked lunch é um ato de coragem, não uma escolha de lazer. você não lê para passar o tempo, lê para confrontar algo visceral e incômodo — e, no final, algo profundamente humano. porque, em meio às seringas sujas, aos personagens decadentes e às imagens desconexas, há uma verdade ali que poucos autores têm a ousadia de tocar. burroughs enxerga a podridão do mundo, mas mais do que isso, ele te força a enxergá-la também.

você pode fugir. pode colocar esse livro na estante e voltar para os romances que te deixam dormir à noite. mas, se fizer isso, vai perder algo raro. naked lunch não é só uma leitura; é uma experiência transformadora. e sejamos sinceros, você precisa disso mais do que imagina. então pare de adiar. abra o livro. perca-se nele. e quando sair do outro lado — se sair —, vai entender porque burroughs não é apenas um autor, mas um cirurgião da alma humana.