Categorias
2024

apple watch nunca mais

há um momento na vida em que você olha para o seu pulso e percebe que está sendo traído. não por um amigo ou governo – isso seria previsível. mas por um pedaço de vidro brilhante, arrogante e presunçoso que pensa saber mais sobre o que acontece no seu corpo do que você mesmo. aquele pequeno tirano digital, piscando suas notificações irritantes, te lembrando de respirar, dormir, caminhar, se alongar. deus do céu, será que eu esqueci como existir sozinho? foi aí que tirei aquele monitor de condicionamento físico do meu pulso e decidi que nunca mais permitiria que meu pulso fosse palco de tamanha humilhação.

meu substituto? um relógio mecânico. sim, um relógio de verdade. aquele artefato anacrônico e glorioso que não precisa de wi-fi, bluetooth, ou atualizações de software. é só engrenagens, molas, e um tic-tac que poderia facilmente estar no pulso de um espião dos anos 60 ou do seu avô numa foto desbotada. troquei o brilho azul artificial por um mostrador clássico, limpo, onde o tempo é o que sempre deveria ser: uma abstração, não um grito de socorro.

com um fitness tracker, você não vive; você é monitorado. cada passo vira uma estatística. cada batida do coração é registrada como se você fosse uma cobaia num laboratório gigante, alimentando uma máquina que talvez te conheça melhor do que você mesmo – e, francamente, isso é assustador. o pior de tudo é que você começa a se preocupar mais com os números do que com o momento. “andei 10.000 passos hoje”, como se isso significasse que sua existência foi validada. ah, por favor, vá para o inferno com isso.

mas com um relógio mecânico? é pura liberdade. ninguém está me julgando. ninguém sabe quantos passos eu dei, e sabe de uma coisa? nem eu quero saber. talvez eu tenha caminhado pela cidade sem propósito, me perdido em ruas que nunca vi antes. talvez eu tenha ficado sentado num café, bebendo um espresso que durou horas. não importa. o tempo não é meu inimigo; é meu cúmplice. é um lembrete gentil de que eu ainda estou aqui, e não uma ordem gritante para fazer mais.

e a estética? ah, vamos falar sobre isso. um relógio mecânico é uma peça de arte funcional. enquanto os fitness trackers gritam “sou uma pessoa preocupada com calorias”, um relógio mecânico sussurra “eu aprecio as coisas boas da vida”. é um acessório que tem peso, presença, história. não é descartável como um gadget que vai parar no lixo eletrônico em dois anos. é algo que você pode passar para o seu filho, e ele ainda vai funcionar – sem precisar de uma maldita atualização de firmware.

o mais irônico de tudo? minha saúde mental melhorou. sem aquele lembrete constante de que eu deveria estar fazendo mais, percebi que posso simplesmente existir. não preciso provar nada para um aplicativo ou acumular “badges” digitais como se fosse um escoteiro desesperado por reconhecimento. minha respiração se tornou natural, e não um exercício guiado. meu sono? agora eu durmo porque estou cansado, não porque recebi uma notificação para me “preparar para o descanso”.

e sim, eu sei o que você está pensando. “mas e o controle da sua saúde?” veja bem, eu ainda sou capaz de perceber quando estou cansado, quando comi demais ou quando preciso de uma caminhada. o corpo humano é incrivelmente bom em nos dar sinais. mas é claro, ignoramos isso porque temos um brinquedo eletrônico que faz todo o trabalho por nós. é patético, não é? nos tornamos dependentes de máquinas para nos dizer como nos sentimos.

no final, trocar o fitness tracker por um relógio mecânico foi mais do que uma escolha estética ou prática. foi um ato de rebeldia. um dedo médio para a sociedade que insiste em transformar cada momento da nossa vida em uma métrica, um gráfico, uma maldita competição. o tempo não precisa ser algo para conquistar; ele é algo para ser vivido. e se você não entende isso, talvez precise de mais do que um monitor de frequência cardíaca. talvez precise de uma alma.