
ser crédulo é quase um rito de passagem. você começa a vida confiando que o mundo é feito de gente que sabe o que está fazendo. acredita nas certezas ditas com autoridade, nos conselhos mastigados e cuspidos como se fossem a bíblia. “beba dois litros de água por dia e sua vida será perfeita”, “ninguém falha se trabalhar duro”, “é só acreditar em si mesmo que o universo conspira”. parece fácil. parece lógico. e você engole. porque, no fundo, é mais confortável acreditar que existe um manual, que alguém já desvendou o quebra-cabeça e tá te entregando as respostas de graça.
o problema é que o tempo passa, a conta não fecha e as “verdades” começam a feder. você percebe que a maioria dessas máximas vem de gente que ou nunca testou o que prega ou, pior, testou, fracassou e agora tá só inventando desculpa pra não lidar com a própria mediocridade. esses babacas adoram ouvir o som da própria voz. aquele cara que tem opinião sobre tudo, que tá sempre pronto pra te explicar como a vida funciona, mas que nunca conseguiu resolver os próprios problemas. ele usa palavras como se fossem armas e joga verdades como se fossem granadas, sem nunca olhar no espelho pra ver o quanto tá perdido.
é aí que o filtro começa a nascer. não é algo que você decide conscientemente, mas uma defesa natural. você aprende a detectar o tom, aquele tom de quem fala como se tivesse descoberto o sentido da vida numa xícara de café frio. começa a notar os padrões: a confiança desproporcional, as frases feitas, as generalizações. o filtro é o resultado de anos ouvindo discursos vazios de pessoas que se levam a sério demais.
mas não é só sobre perceber o quão babacas os outros podem ser. é também sobre perceber o quão babaca você já foi por acreditar neles. porque, sejamos honestos, tem algo de confortável em seguir regras alheias. é fácil deixar alguém te dizer o que fazer. difícil é admitir que você tá sozinho nesse caos, sem guia, sem manual, sem resposta pronta. o filtro, então, não é só uma barreira contra a estupidez dos outros. é também um lembrete de que você tem que pensar por si mesmo. e pensar por si mesmo é, no mínimo, assustador.
o ser babaca que insiste em gritar certezas existe porque a insegurança de admitir a própria ignorância é insuportável pra maioria das pessoas. ninguém quer ser o cara que diz “eu não sei”. ninguém quer se olhar no espelho e ver um idiota confuso encarando de volta. é muito mais fácil vestir o figurino de especialista, dar conselhos não solicitados e se sentir superior por cinco minutos. porque, no fundo, eles também estão perdidos, mas ao invés de lidar com isso, preferem fingir que têm as respostas. o filtro é o que te permite enxergar isso: que a maioria das pessoas tá só fingindo. e que, às vezes, você também tá.
então, quando alguém aparece com mais uma dessas pérolas universais, eu escuto. mas escuto como quem vê um mágico de rua tirando moedas da orelha. sei que tem truque. sei que tem ilusão. e sei que, no final, não tem nada ali além de fumaça e reflexos. o filtro me protege, mas também me lembra que a única coisa que faz sentido nessa bagunça é aprender a conviver com o fato de que ninguém sabe absolutamente nada.