
eu estava voltando de nova york quando assisti vivendo no limite, e honestamente, não poderia haver filme mais apropriado para encerrar aquela experiência. ali estava eu, exausto, meio irritado, ainda com o cheiro da cidade impregnado em mim, aquela mistura de comida de rua, lixo úmido e asfalto quente. meu corpo já estava no avião, mas minha cabeça ainda estava lá, naquela bagunça incessante de vozes e luzes. e aí, entra scorsese, como quem diz: “deixa eu te mostrar o que você realmente viu”.
porque vivendo no limite não é só um filme, é como a ressaca emocional de nova york colocada em celuloide. frank pierce, o paramédico desgraçado vivido pelo cage, era como uma extensão do que eu sentia. ele não dorme, não pensa direito, só reage, é empurrado por uma cidade que nunca desliga, que nunca deixa ninguém respirar. nova york tem esse talento especial de te sugar a energia e ainda assim te viciar nela. e vendo frank correndo por aquelas ruas, eu conseguia quase sentir o peso da mochila, o cheiro de sangue, o desespero de quem só quer um momento de silêncio, mas não consegue desligar o ruído interno.
o que realmente me pegou foi como aquele caos parecia, de algum jeito, fazer sentido depois de dias na cidade. sabe quando você caminha por horas, passa por milhares de rostos, histórias, tragédias que nem são suas, mas que, de alguma forma, você carrega mesmo assim? é isso que frank vive, e é isso que nova york faz com você. te joga no meio do turbilhão e te desafia a encontrar qualquer coisa remotamente parecida com paz. no fundo, talvez seja isso que faz a cidade ser tão fascinante.
e assistindo ao filme, com aquela trilha sonora melancólica e os flashes de neon passando pela janela da ambulância, foi impossível não conectar. as sirenes do filme me lembravam as sirenes que ouvi nas noites lá, cortando o ar pesado. o cansaço nos olhos de frank era o mesmo cansaço que via nas pessoas ao meu redor, nos garçons, nos motoristas de táxi, até mesmo nos turistas que estavam claramente fingindo que ainda estavam se divertindo.
assistir vivendo no limite no voo de volta não foi sobre encontrar respostas ou um senso de “significado” naquela bagunça toda. foi sobre reconhecer o caos e, de certa forma, fazer as pazes com ele. porque, na real, nova york não se importa com você. nem o filme. nem scorsese. nem frank pierce. e é aí que está a beleza disso tudo: nada disso precisa fazer sentido.
saí do avião com a sensação de que havia sobrevivido a alguma coisa. como frank saindo de mais um turno, sem dormir, sem pensar, só sobrevivendo. não foi um sentimento de alívio ou conquista, foi mais como uma aceitação de que o mundo é isso mesmo: barulhento, confuso, exaustivo. mas, por algum motivo, você continua. não porque espera alguma recompensa divina, mas porque, de alguma forma, é tudo o que dá para fazer.
talvez seja por isso que vivendo no limite bateu tão forte. porque, no final, frank não é um herói. ele não se redime. ele só continua. e naquela cabine apertada do avião, com as luzes fracas e o ronco de algum idiota na poltrona da frente, percebi que eu também só estava continuando. não porque a vida é linda, mas porque a bagunça, o cansaço, o barulho, tudo isso, de alguma forma, é a prova de que ainda estamos vivos. e, às vezes, isso é o suficiente.