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2024

eu não vou trocar de celular

quando comprei esse celular, não foi um evento transcendental. não teve fogos de artifício, não teve coral cantando aleluia, não teve um orgasmo tecnológico como os anúncios querem te fazer acreditar. foi só mais um pedaço de vidro e metal entrando na minha vida, pronto para cumprir seu papel sem alarde. ele desbloqueava na hora, os aplicativos rodavam sem engasgar, a bateria durava o suficiente para me manter funcional. ótimo. ponto final. vida que segue. mas agora? agora todo mundo quer me convencer de que já passou da hora de trocar. que tem um modelo novo, revolucionário, imperdível, com uma câmera que vê através da sua alma e um processador que pode prever o apocalipse.

mas eu? eu não caio nessa.

porque eu já vi esse truque antes. o ciclo da obsolescência programada é tão previsível quanto uma ressaca depois de uma noite de más decisões. primeiro, eles te seduzem com promessas vazias: “agora com IA mais inteligente!” “câmera profissional digna de hollywood!” “bateria que dura 72 horas!” e antes que você perceba, lá está você, com o cartão de crédito na mão, pronto para jogar fora um celular que ainda funciona perfeitamente porque algum CEO precisa bater a meta do trimestre.

mas não eu. eu não quero um celular que me diga o que pensar. não preciso de um algoritmo escrevendo por mim, “aprendendo o meu estilo” e me transformando em uma versão pasteurizada de mim mesmo. eu quero digitar. quero errar. quero escrever um palavrão e decidir se deixo ou não. não quero uma IA me sugerindo palavras como se fosse um professor particular invisível tentando me moldar para agradar um público-alvo genérico.

e sobre essa história de câmera? por favor. eu sou fotógrafo e quando quero uma foto boa, uso minha câmera. inclusive se você busca por fotos descentes, qualquer câmera com 10 anos de uso registra melhores imagens do que o último smartphone do momento. quando estou com meu celular, não estou registrando a próxima capa da national geographic, não estou competindo por um prêmio de fotografia. eu só quero tirar uma foto para lembrar que estive lá. e sabe do que mais? se a foto saiu tremida, tudo bem. se a iluminação não ficou perfeita, dane-se. a vida real é assim. cheia de imperfeições, sombras, ângulos errados, momentos autênticos. não preciso que meu celular transforme um jantar qualquer em uma cena de comercial de restaurante gourmet.

e a bateria? ah, sim, a famosa “bateria de longa duração”. sabe o que acontece quando seu celular dura dois dias sem carregar? você usa mais. e mais. e mais. até esquecer que existe um mundo do lado de fora da tela. eu não quero isso. quero que a bateria acabe. quero que meu celular morra no meio do dia e me force a levantar a cabeça, olhar ao redor, perceber que há uma vida acontecendo fora desse retângulo luminoso. porque se tem uma coisa que aprendi é que o mundo real tem gráficos melhores e não precisa de atualização.

daqui a alguns anos, esse celular vai começar a falhar. aplicativos rodando com a agilidade de um funcionário que já pediu demissão. botões respondendo como se tivessem um leve desprezo por mim. e eu? eu vou continuar usando. porque enquanto ele ainda puder me conectar, me permitir escrever, me lembrar de compromissos que eu provavelmente vou ignorar, ele ainda serve.

e um dia, quando ele finalmente morrer, não será porque a apple ou a samsung decidiram que ele está ultrapassado. será porque ele lutou bravamente até o fim. e eu estarei lá, segurando seu corpo frio, sabendo que, até o último segundo, ele me serviu bem, e que eu nunca fui otário o suficiente para jogar dinheiro em um pedaço de vidro novo só porque uma campanha de marketing me disse que eu deveria.