
design é a mais cruel das ironias. uma promessa de que o mundo pode ser funcional, belo e intuitivo, mas que, na prática, mais frequentemente nos presenteia com objetos, espaços e experiências que parecem projetados por um comitê de lunáticos sem noção da realidade. sou obcecado por design porque ele molda absolutamente tudo ao nosso redor, desde a cadeira onde estamos sentados até as cidades em que nos perdemos (às vezes literalmente, graças a um arquiteto que achou que sinalização era “poluição visual”). e, como toda obsessão, essa me traz tanto êxtase quanto fúria.
porque design, no fundo, é poder. é a decisão de um pequeno grupo que determina como milhões de pessoas vão viver suas vidas. se vão andar com fluidez ou tropeçar a cada passo. se vão interagir com algo de forma intuitiva ou sentir que precisam de um mestrado só para abrir uma porta. se vão se sentir acolhidas em um espaço ou se aquele lugar foi feito para esmagar suas almas e fazê-las questionar todas as suas escolhas de vida.
pense em um simples objeto cotidiano, um canivete suíço, por exemplo. a perfeição em forma de ferramenta. compacto, eficiente, elegante. cada lâmina, cada acessório tem um propósito. não há desperdício. não há confusão. agora pense no exato oposto disso, algo que, em vez de facilitar sua vida, te desafia a todo momento. um controle remoto com 72 botões, metade deles inúteis. um abridor de garrafas que parece ter sido projetado para torturar os dedos de quem o usa. um aplicativo bancário onde cada transação parece um teste psicológico.
mas não é só o design ruim que me irrita, é o design pretensioso. o design que quer ser arte, mas que falha miseravelmente em ser qualquer coisa além de um enorme desperdício de recursos e paciência. cadeiras que parecem esculturas, mas que te fazem sentir como se estivesse sentado sobre uma pilha de pedras pontiagudas. portas sem maçanetas porque “o fluxo do espaço deve ser intuitivo”. escadas que parecem feitas para seres humanos com pernas de dois metros de altura.
e há um tipo de design ainda pior, o design hostil. aquele que não só ignora as necessidades das pessoas, mas deliberadamente as pune. bancos de praça com divisórias para impedir que alguém se deite. iluminação pública projetada para afastar em vez de acolher. calçadas que parecem um campo minado para qualquer um que não tenha a agilidade de um atleta olímpico. esse tipo de design é um comentário cruel sobre quem merece existir confortavelmente e quem deve ser excluído do espaço público.
mas, quando o design é bom… ah, quando ele é bom, ele é quase invisível. é aquela maçaneta que você nem pensa antes de girar. aquele objeto que se encaixa na sua mão como se tivesse sido feito só para você. aquela cidade onde cada esquina parece te guiar com naturalidade, sem a necessidade de placas excessivas ou barreiras invisíveis. quando o design é bom, ele não te grita no rosto dizendo “olhe como eu sou inteligente”, ele simplesmente funciona. e essa, meus amigos, é a verdadeira obra-prima.
mas design bom não dá manchete, não ganha prêmio, não gera trending topic. porque ele não choca, não confunde, não obriga ninguém a perder tempo tentando entender sua existência. ele simplesmente se encaixa no mundo como se sempre tivesse estado ali. e isso incomoda os pretensiosos. porque como justificar um salário obsceno se o que você criou “só” funciona? como alimentar um ego inflado se ninguém precisa de um tutorial para usar sua obra?
e é assim que caímos nesse ciclo de aberrações. prédios que parecem ter sido projetados para alienígenas e não para humanos que precisam de sombra, fluxo de ar, lugares para sentar. produtos que custam uma fortuna porque têm um “design exclusivo”, mas que falham no único propósito para o qual foram criados. espaços públicos que não servem para as pessoas, mas para as fotos de arquitetos em revistas chiques que ninguém lê.
o problema não é a falta de criatividade, é o excesso dela em mãos erradas. é a crença equivocada de que “diferente” é sempre melhor. que tudo precisa ser reinventado, mesmo quando já funciona perfeitamente. que fazer algo parecer mais complexo do que realmente é significa genialidade, quando na verdade é só um jeito disfarçado de esconder a incompetência.
veja o metrô de uma cidade bem planejada. um labirinto de sinais claros, mapas lógicos, escadas rolantes posicionadas exatamente onde deveriam estar. e agora compare isso com uma estação mal projetada, onde cada mudança de linha exige uma caminhada de meia hora por corredores claustrofóbicos e escadas intermináveis, porque algum “gênio” achou que a estética vinha antes da praticidade.
e o que dizer dos produtos que prometem “inovação”, mas só entregam frustração? um telefone sem botões porque alguém decidiu que toque é o futuro (mesmo quando você está com as mãos molhadas e nada funciona). um carro com painel totalmente digital porque parece moderno (até que a tela trava e você perde o controle do ar-condicionado no meio do verão). uma embalagem “ecológica” que rasga no lugar errado e faz você derramar metade do conteúdo antes de conseguir abrir.
design ruim não só irrita, ele cansa. ele desgasta a paciência, suga a energia, transforma o dia a dia em um campo de batalha onde cada ação simples se torna uma luta contra a estupidez alheia. ele faz você sentir que o mundo não foi feito para você, mas para algum tipo de ser humano hipotético que nunca existiu, que não tem mãos normais, que nunca precisa encontrar um banheiro público, que nunca tentou usar um aplicativo de passagem aérea sem sentir vontade de jogar o telefone na parede.
mas o pior é que a mediocridade se espalha como praga. um designer incompetente inspira outro. um projeto mal-executado serve de referência para a próxima aberração. e de repente estamos cercados de coisas que não fazem sentido, mas que continuam existindo porque ninguém teve coragem de dizer: “isso aqui é um lixo”. porque no mundo do design, assim como na vida, o problema raramente é a falta de ideias, é a falta de bom senso.
mas fazer sentido, meu caro, é uma arte em extinção. vivemos na era do excesso, do espetáculo pelo espetáculo, do “olhem para mim, sou genial” enquanto o usuário final, aquele pobre coitado que só queria sentar em uma cadeira sem deslocar a coluna, sofre as consequências da megalomania de algum designer deslumbrado.
veja o mobiliário urbano, por exemplo. uma simples lixeira? não. tem que ser uma escultura pós-moderna que ninguém sabe como usar. um ponto de ônibus? esqueça assentos confortáveis e cobertura decente contra a chuva; o importante é que tenha um formato “instagramável”. e os banheiros públicos? melhor nem começar.
e não me venham com a desculpa da estética. estética não é o problema. o problema é a arrogância. é a crença de que beleza e funcionalidade são inimigas. é o desprezo pelo ser humano real, aquele que precisa segurar um corrimão, entender um mapa, abrir uma garrafa sem sentir que está participando de um reality show de sobrevivência.
e então temos a praga dos “redesigns”. ah, os redesigns. marcas que decidem abandonar décadas de identidade visual para se tornarem “modernas”, “minimalistas”, e acabam todas com a mesma tipografia sem graça, a mesma paleta de cores genérica, a mesma falta de alma. sites que trocam menus simples por navegações infernais baseadas em gestos que ninguém pediu. embalagens que sacrificam a praticidade pelo “conceito”.
mas há um tipo de design ainda mais nefasto: aquele que destrói sem que ninguém perceba. o design que mata a individualidade, que transforma cidades em caixas de concreto sem personalidade, que apaga a história em nome de uma falsa ideia de progresso. bairros inteiros demolidos para dar lugar a empreendimentos que parecem saídos de um catálogo de arquitetura barata. lojas, restaurantes, espaços públicos, tudo padronizado, sem identidade, sem alma.
e enquanto isso, os bons designers, aqueles que realmente entendem que design é um serviço, não uma performance, lutam contra a corrente. tentam criar coisas que fazem sentido, que respeitam quem as usa, que melhoram a vida das pessoas sem precisar de discursos vazios. mas são minoria. porque o mundo não recompensa o útil; recompensa o chamativo. o exagerado. o que grita mais alto, mesmo que não faça nada direito.
o pior de tudo? nos acostumamos. aceitamos. aprendemos a conviver com portas que abrem do jeito errado, com produtos que quebram antes do tempo, com cidades que parecem feitas para torturar seus habitantes. aceitamos o absurdo como norma. e assim, pouco a pouco, o mau design vai nos tornando menos humanos. nos forçando a nos adaptar a um mundo que deveria ter sido pensado para nós, mas que, cada vez mais, parece feito contra nós.
mas eu não desisto. porque em meio ao caos, há momentos de pura perfeição. aquele objeto que encaixa na sua mão como uma extensão do seu corpo. aquela cidade onde as ruas te guiam naturalmente. aquela tipografia que parece sussurrar ao invés de berrar. as cores de uma marca que você olha e se inspira, esse é o design que importa. esse é o design que vale a pena defender.
e se há algo que eu aprendi, é que o bom design nunca será a regra. sempre será a exceção. sempre precisará lutar contra a mediocridade, contra o ego, contra a praga do desnecessário. mas quando ele vence, quando ele aparece em um simples botão, em um banco confortável, em uma maçaneta que você gira sem pensar… ah, meu amigo, aí está a verdadeira genialidade. não aquela que pede aplausos. mas aquela que simplesmente funciona.
e encerrando esse lomgo texto (me empolgo quando sou apaixonado pelo assunto) o melhor design não pede atenção, não exige explicação, não precisa de desculpas, ele apenas existe, silencioso e perfeito, enquanto todo o resto grita para disfarçar a própria inutilidade.