Categorias
2024

desligar, ignorar, sobreviver


acordar, respirar fundo, sentir o silêncio antes do mundo começar a gritar na minha cara. olhar para o celular, hesitar, saber exatamente o que me espera se eu desbloquear a tela. fazer isso mesmo assim. rolar o feed, ser recebido pelo espetáculo habitual da desgraça. guerra, crise, catástrofe, alguém dizendo algo estúpido, outro alguém indignado com isso. repetir esse ciclo até minha sanidade começar a derreter.

levantar, tentar fingir que nada disso me afeta, que não estou sendo sugado para dentro do buraco negro do pânico e da indignação coletiva. ligar a cafeteira, olhar pela janela, perceber que o mundo real ainda está ali, intacto, sem a interferência do noticiário histérico. mas a tentação de voltar, de me afogar mais um pouco na overdose de tragédia, ainda está lá, como um vício maldito que se recusa a morrer.

saber que essa merda toda não é acidente. que cada manchete apocalíptica, cada escândalo fabricado, cada crise cuidadosamente dramatizada, existe para me manter exatamente assim… atento, ansioso, puto. que não é informação, é entretenimento. que o medo vende, que o ódio engaja, que a indignação é uma droga barata e viciante.

fazer o impensável, desligar tudo. sair da dieta tóxica de más notícias, parar de alimentar o algoritmo com minha raiva. sentir uma paz desconfortável no silêncio que sobra. perceber que não saber cada detalhe da última grande tragédia não me torna um monstro insensível, mas apenas um ser humano tentando não enlouquecer.

e então, viver. fazer qualquer coisa mundana e ridiculamente simples… lavar a louça, jogar algo no fogo, resolver as pequenas obrigações patéticas do dia. perceber que o mundo real, esse que existe fora da tela, é infinitamente menos histérico. que a vida continua, com ou sem meu desespero.

talvez amanhã eu volte. talvez eu abra as portas do inferno de novo, me deixe ser sugado pelo espetáculo. mas hoje, só por hoje, eu escolho escapar.