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2025

design das academias

academias são um fenômeno arquitetônico e social que eu nunca consegui entender completamente. quem decidiu que precisavam ter esse visual meio “laboratório de experimentação humana” misturado com um “cassino de subúrbio”? que mente brilhante olhou para um espaço cheio de gente suando e pensou: “sabe o que isso precisa? mais iluminação branca fluorescente, música ensurdecedora e um cheiro de whey protein vencido permeando o ar”? há algo profundamente desconfortável na maneira como academias são projetadas, como se o objetivo fosse nos lembrar, a cada segundo, que a vida é um ciclo eterno de esforço, frustração e autopunição voluntária.

talvez a referência arquitetônica venha de fábricas da revolução industrial, linhas de produção de corpos mais magros, mais fortes, mais vendáveis. ou talvez tenha um toque das prisões panópticas do século XVIII, onde todo mundo pode ver todo mundo, e a única regra é a vigilância constante. talvez até exista algo inspirado nos cassinos de las vegas, um espaço sem janelas, sem noção de tempo, onde entramos sem saber ao certo quando (ou se) vamos sair. seja qual for a origem, o fato é que academias não foram feitas para serem gostadas. foram feitas para serem suportadas.

e tudo começa na recepção, esse território liminar onde a academia ainda finge ser um lugar civilizado. há um balcão imenso, desnecessariamente imponente, como se estivéssemos prestes a embarcar em um voo internacional ou nos matricular em uma sociedade secreta. a iluminação aqui já dá o tom, branca, fria, impiedosa, transformando qualquer um em uma versão pálida e ligeiramente desesperada de si mesmo. há telões pendurados, geralmente passando vídeos motivacionais de gente sarada correndo em uma floresta chuvosa ou levantando pesos sob uma luz dramática, como se tudo isso fosse um ritual de superação e não apenas um bando de adultos tentando evitar um futuro de problemas cardíacos.

as catracas são outro detalhe fascinante. qualquer outro lugar de prática esportiva… um campo, uma quadra, um parque, permite que você entre e saia livremente. mas na academia? não. aqui, há barreiras metálicas dignas de uma estação de metrô em horário de pico. você precisa passar seu cartão ou digital, ouvir um apito eletrônico, ver a luz verde acender e empurrar aquela roleta de aço inoxidável como se estivesse prestes a embarcar em uma jornada sem volta. e, de certa forma, está.

e então, o cheiro te atinge. uma combinação de suor velho impregnado nos equipamentos, desodorante de farmácia, aquele perfume amadeirado exagerado que algumas pessoas insistem em usar antes de treinar (como se a academia fosse uma boate) e, claro, whey protein de baunilha, um aroma que paira no ar como um lembrete de que comida de verdade é para os fracos.

a trilha sonora é um show à parte. não há variação. é sempre uma batida eletrônica genérica, algo entre “festa rave underground” e “playlist de academia de 2012 que nunca foi atualizada”. as batidas são rápidas o suficiente para induzir um leve ataque de ansiedade, mas nunca tão rápidas que tornem o sofrimento divertido. e o volume? alto o bastante para ser irritante, mas não o suficiente para abafar os barulhos de ferro batendo, gemidos de esforço e o constante zumbido das esteiras funcionando em uníssono, como se a própria estrutura estivesse respirando.

e falando em esteiras, elas são estrategicamente posicionadas logo na entrada, garantindo que qualquer um que passe pela recepção veja o espetáculo de sofrimento humano em tempo real. porque não basta correr sem sair do lugar, tem que fazer isso sob os olhares julgadores do público. algumas delas têm telas interativas que prometem transformar a experiência em um “jogo”, onde você pode fingir que está correndo em paris ou nova york, como se isso fosse diminuir a monotonia da experiência. não diminui. a única coisa real ali é o suor escorrendo e a sua dignidade evaporando a cada quilômetro fictício percorrido.

depois, vem o salão das máquinas, um labirinto de ferro, cabos e alavancas que parecem saídas de uma instalação de tortura da inquisição espanhola. algumas são intuitivas… você puxa, empurra, levanta. outras exigem um mestrado em engenharia biomecânica para serem operadas corretamente. há sempre uma máquina misteriosa, ocupando um canto da academia, que ninguém parece saber como usar. às vezes, alguém tenta. mexe nos apoios, ajusta os pesos, olha para os lados para garantir que ninguém está assistindo e… desiste. ninguém ousa perguntar para que serve. é um enigma eterno.

os espelhos são uma obsessão inexplicável. cobrem todas as paredes, garantindo que não haja um único ângulo onde você possa escapar do reflexo da sua própria miséria. são implacáveis, refletindo suor, má postura, caretas involuntárias e a percepção incômoda de que, não importa o quanto você se esforce, você nunca parecerá tão definido quanto gostaria. são juízes silenciosos, sempre ali, prontos para te lembrar que há um longo caminho até o corpo dos sonhos e que a pizza do fim de semana não ajudou.

há também as aulas coletivas, que deveriam ser uma alternativa mais dinâmica e motivadora, mas que na prática são rituais tribais de humilhação pública. um grupo de pessoas aparentemente normais se transforma em atletas olímpicos, saltando, girando, se contorcendo como se estivessem em uma competição televisiva. a música bate mais forte, o ritmo acelera e, se você piscar, pode acabar tropeçando no próprio pé e caindo no meio da sala, garantindo que seu nome seja lembrado por todos os presentes até o fim dos tempos.

a lanchonete da academia é um paradoxo cruel. um oásis visual, repleto de luzes e cores vibrantes, onde você pode comprar shakes proteicos de sabores que não deveriam existir (torta de maçã? bolo de aniversário?), barrinhas de proteína que têm a textura de concreto seco e sucos detox que custam mais do que um almoço completo, mas prometem “purificar seu corpo”. sempre há alguém segurando um copo de 900ml de um líquido verde viscoso, jurando que tem gosto de nutella. não tem. nunca tem.

o vestiário é um último golpe na alma. um espaço abafado, onde lockers pequenos demais fazem você lutar contra as leis da física para guardar sua mochila, e onde os chuveiros alternam entre temperaturas de derreter carne e congelamento imediato. o chão sempre parece molhado, não importa o quanto tentem limpá-lo. toalhas úmidas, roupas encharcadas, uma atmosfera carregada de vapor e derrota.

a saída é um alívio temporário. atravessar as catracas de volta para o mundo real é como escapar de um campo de treinamento militar. olho para o espelho da saída esperando ver alguma transformação milagrosa. nada. apenas uma versão mais suada, cansada e ligeiramente arrependida da mesma pessoa que entrou. e ainda assim, sei que amanhã estarei de volta.