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2025

um brinde

beleza. então senta, enche o copo com o que quiser… água, vinho, suco de caixinha, lágrima, não importa… e presta atenção, porque eu vou te falar sobre uma das poucas coisas que ainda me faz acreditar que a humanidade, apesar de estúpida, ainda tem salvação… o brinde.

não, não é o álcool. não é o vinho biodinâmico de 300 reais a garrafa com notas de carvalho e pretensão. não é a taça fina que você só usa quando quer impressionar alguém que nem merece. é o gesto. o ritual. o tilintar. é aquele instante miserável em que você suspende o copo e declara, sem nenhuma garantia… “tamo junto nessa desgraça.”

o brinde nasceu no caos, como tudo que presta. os gregos brindavam porque tinham medo de morrer envenenados… sim, brindar era literalmente um teste de confiança, eu bebo se você beber, e se alguém morrer, bem, pelo menos morre acompanhado. os romanos? transformaram o brinde em espetáculo. nada mais romano do que fingir que estão celebrando a vida enquanto planejam a próxima punhalada nas costas. e os bárbaros, os vikings, esses sabiam das coisas. brindavam à morte, à guerra, à chuva que caía depois de uma seca de três meses. qualquer desculpa pra levantar o copo e dizer “hoje não morri, amanhã é problema futuro.”

e hoje? hoje o brinde virou essa performance, esse teatro mal ensaiado onde as pessoas levantam suas taças de prosecco sem alma e dizem “à vida!” como se soubessem o que isso significa. é bonito de ver, claro. é fotogênico. mas no fundo, no fundo, o brinde de verdade continua sendo aquele instante de silêncio carregado de tudo o que você não quer dizer em voz alta. é quando você olha no olho da pessoa e diz sem dizer: “tá difícil, mas foda-se, vamos nessa.”

eu brindo porque não confio em quem não brinda. gente que se recusa a levantar o copo tá escondendo alguma coisa. ou medo. ou arrogância. ou uma incapacidade patológica de admitir que viver, mesmo mal e porcamente, é uma conquista diária. e sim, brindo com água. sempre que preciso. sempre que quero. brindar com água é o meu jeito de jogar o jogo e cuspir nas regras ao mesmo tempo.

“mas dá azar brindar com água!” azar é viver com medo de superstição. azar é aceitar o cinismo diário e não conseguir celebrar uma merda de momento porque o copo não tem álcool. brindar com água é o brinde do desajustado lúcido. é o ato supremo de rebeldia sóbria. é dizer: “eu tô aqui, consciente, consciente demais até, e mesmo assim escolho brindar. olha só que ousadia.”

eu brindo pela comida boa e pelos jantares esquecíveis. brindo por conversas que valem ouro e pelos silêncios que doem. brindo por quem ficou, por quem foi e até por quem eu preferia que nunca tivesse aparecido. brindo por erros que viraram história, por dias que começaram merda e terminaram piores.

brindo porque brindar é tudo o que me resta quando o mundo insiste em não fazer sentido. é o momento em que eu dou risada da tragédia. em que transformo frustração em ritual. e quer saber? o brinde não precisa de razão. o brinde é a razão.

é isso que ninguém entende. não é sobre comemorar. é sobre marcar território. dizer “eu existi aqui, eu senti isso, e eu fiz questão de levantar um copo pra deixar claro.”

então, sim. eu vou continuar brindando. com vinho ou com água. vou brindar em mesas cheias, em mesas vazias, com amigos, com estranhos, com o espelho. vou brindar como quem desafia o universo: “me derruba, desgraçado, mas antes, um último gole.”

porque brindar é o ato mais humano e desesperadamente bonito que a gente tem. um instante de teatro e verdade misturados. uma pequena revolução disfarçada de etiqueta. e no final, quando tudo acabar, e vai acabar, que pelo menos reste o som de dois copos se tocando e alguém dizendo “à vida”, mesmo sem saber o que isso quer dizer.