
eu sei, tem gente que vive de luz. que acorda com o sol, faz alongamento ouvindo mantra tibetano, come tofu com chia e sorri como se a vida fosse um comercial de margarina vegana. acordam às cinco da manhã por vontade própria, tomam banho gelado, jejuam intermitentemente, e ainda olham pra você com pena porque você ainda come glúten. essas pessoas me assustam. são como androides programados pra fingir plenitude enquanto reprimem uma vontade assassina de devorar uma lasanha congelada às três da manhã.
eu, por outro lado, tenho um vício. coca zero. nada místico, nada elevado. é só uma latinha preta, gelada, carregada de química e autoengano… exatamente o que eu preciso pra aguentar mais um dia nesse teatro grotesco chamado vida adulta. enquanto o mundo insiste em me cobrar equilíbrio emocional, resiliência e um plano de carreira com propósito, eu sento, abro minha latinha e deixo a cafeína e o aspartame me lembrarem que ainda sou humano, imperfeito, e absurdamente feliz com isso.
é esse momento, esse microsegundo entre o pshht e o primeiro gole, que me salva. enquanto o refrigerante escorre e borbulha, o mundo fica em câmera lenta. as cobranças, as neuroses, as metas, os boletos… tudo vira ruído de fundo. a coca zero não me julga, não me pede produtividade, não me manda e-book com “dez passos pra uma mente blindada”. ela só existe. e me entende melhor do que qualquer terapeuta com diploma sueco.
todo mundo precisa disso. um vício. um pequeno colapso autorizado. uma brecha na rotina onde a sanidade pode respirar sem pedir licença. e não, não precisa ser um vício digno de roteiro da hbo. pode ser algo besta, algo silencioso. pode ser chiclete, pode ser karaokê de madrugada, pode ser até pesquisa antropológica. o importante é ter. porque quem diz que não tem vício… bom, essa gente me dá medo.
não confio em quem não tem vício. não dá. são os mesmos que dizem que “água com limão muda vidas”, que “a positividade é uma escolha”, que “você atrai o que vibra”. essas frases deviam vir com um aviso de saúde mental. porque por trás dessa fachada limpa e solar tem sempre uma panela de pressão prestes a explodir. uma hora vai sair no jornal: “homem exemplar mata três colegas de trabalho com um grampeador após 12 anos sem comer açúcar.”
o vício, ao contrário do que tentam nos enfiar goela abaixo, não é fraqueza. é mecanismo de defesa. é o que te impede de virar um desses robôs sem alma que acham que a felicidade está no número de passos dados no dia. é o que dá cor ao tédio, o que injeta um pouco de caos controlado na ordem estéril da rotina. é o que te lembra que ser humano é, antes de tudo, ser falho e que isso é uma delícia.
e vamos falar a real, a maior parte do tempo a gente tá só empurrando um carrinho emocional quebrado ladeira acima, sorrindo por obrigação e respondendo “tudo bem” por reflexo. ter um vício é admitir que a vida, do jeito que foi montada (trabalho, pouca grana, mais trabalho e menos grana ainda), não é natural. não é sustentável. é uma grande peça de teatro cheia de regras idiotas onde você precisa fingir que ser adulto é legal. e se você tem algo, qualquer coisa, que te dá cinco minutos de fuga dessa farsa, agarre com força.
no meu caso, é uma coca zero. e que prazer magnífico é esse. eu sei que tem gente que vai torcer o nariz, citar estudos, falar do aspartame como se fosse napalm. parabéns, doutor. vai cuidar da tua vida e deixa que a minha eu destruo no meu ritmo. tem gente cheirando pó de anjo em banheiro de balada e a minha coca zero é que te incomoda? vai pastar. cada um que cuide da própria dose de autodestruição. a minha, pelo menos, vem gelada.
e olha, não tem glamour nisso. não é sobre estilo, é sobre sobrevivência. é sobre continuar acordando todo dia sabendo que o mundo tá uma merda, que as pessoas são insuportáveis, que o algoritmo tá vencendo, e ainda assim achar algum prazer na repetição de um gesto besta. abrir a latinha, tomar o primeiro gole, suspirar. é quase um mantra. é o anti-ioga. o verdadeiro mindfulness da alma fodida.
e spoiler: não é a porra do suco verde, nem o banho gelado às cinco da manhã, nem o seu guru quântico de instagram — é o vício, sim, essa alegria clandestina que você finge que não tem, mas que é a única coisa que te impede de largar tudo, meter o pé na porta do RH e começar a gritar “eu sou livre, caralho” no meio da firma.
e tenho um spoiler final pra você, não é a porra do suco verde, nem o banho gelado às cinco da manhã, nem o seu guru quântico de instagram… é o vício, sim. esse pacto silencioso entre você e a merda toda. esse gesto sujo, repetido, íntimo, que não promete cura, não finge salvação, mas te entrega exatamente o que a vida raramente dá… alívio. sem lição de moral, sem hashtag, sem plano mensal. só um respiro no meio do naufrágio, com gosto de química, culpa e uma puta sinceridade gelada.